Seguimos com a reflexão sobre a memória de processos históricos traumáticos:
“O caso mais conhecido da relação entre o esquecimento e a vida é o dos sobreviventes do Holocausto. Se todas as experiências traumáticas vividas nos campos de concentração tivessem permanecido intactas na memória deles, teriam sobrevivido por muito tempo?
(...).
Bem sei que, contando isso, dificilmente seremos compreendidos, e talvez seja bom assim (LEVI, 1988).
Primo Levi sobreviveu ao Holocausto. Químico de formação, tentou retomar a carreira após a guerra, mas “falou mais forte” a necessidade que sentia de relatar a experiência que tinha vivido no campo de concentração e escreveu vários livros a respeito. (...).
(...).
Todos que passam por uma situação traumática seguramente se deparam com a seguinte dificuldade: como relatar algo que, por vezes, eu próprio não acredito ter presenciado/vivido? O trauma é definido por uma singularidade, pelo seu caráter único, excepcional. Assim, narrar (por escrito, oralmente, artisticamente etc.) uma experiência traumática traz um problema de representação, implica escolher palavras, imagens, sons e tecer comparações que permitam aos interlocutores imaginar, supor como tenha sido viver esta experiência. Então, ao ser relatada, a excepcionalidade se perde, pois o que relata busca signos, referências em comum para ser compreendido. No caso do Holocausto, a necessidade de lembrar, de denunciar, parece se chocar com o receio, com o medo de que a experiência vivida seja diminuída, amenizada, ao ser compartilhada. Por isso Levi diz que seria bom que não fosse compreendido. Não compreender uma situação traumática significa retornar a ela, mantê-la intacta, viva.” (SILVA, Paulo Renato da. Memória, História e Cidadania. Cadernos do CEOM, Chapecó, SC, ano 23, número 32, jun. 2010. p. 329-342).
Referência bibliográfica:
LEVI, Primo. É isto um homem? Rio de Janeiro: Rocco, 1988.
A reflexão continua nos próximos dias.LEVI, Primo. É isto um homem? Rio de Janeiro: Rocco, 1988.
Prof. Paulo Renato da Silva.