Para consolidar definitivamente o regime republicano no Brasil era necessário registrar a versão oficial de sua proclamação que iria entrar para a história. Devido à inesperada proclamação e à ausência da participação popular, era de suma importância definir os papeis dos atores.
Retratos
O Nicromante, pelos modos,
Satisfazer procura a todos:
Traz Benjamin, que é o fundador,
Deodoro, que é o proclamador,
Floriano, o consolidador,
Prudentes, o pacificador!
Isto que é ser engrossador!
O Paiz (19/11/1895)
De muitas versões – sustentadas por grupos políticos e ideologias específicas – uma delas conseguiu impor-se perante as demais e converter-se na Versão Oficial. 15 de novembro de 1889 é o nascimento da História Oficial da República brasileira, mas qual a certeza quanto a sua veracidade? Jamais poderemos saber o que se passou no dia 15 de novembro e nem mesmo confiar absolutamente no que foi escrito para ser deixado para a posteridade – afinal, cada grupo político procurou repassar aquilo que lhe era favorável –. O Marechal Deodoro da Fonseca realmente teria entrado triunfante no Quartel-General? E se assim entrou, teria dado vivas à República ou ao Imperador?
“A gente fica a pensar se a história não será em grande parte um romance de historiadores.” Tobias Monteiro.
Versões:
Sem uma visão elaborada de república – e mesmo havendo dúvidas quanto ao “republicanismo” do Marechal – o grupo denominado Deodoristas constituía-se de oficiais superiores que buscavam maior participação nas decisões políticas após a guerra da Tríplice Aliança – onde o exército imperial havia adquirido maior prestígio. A conturbada relação do exército com a elite civil imperial era contornada devido às boas relações do Marechal Deodoro da Fonseca com o Imperador Dom Pedro II. Relações estas que foram esfriadas quando o Imperador afastou-se da política devido ao diabetes. Sua sucessora, a Princesa Imperial Dona Isabel e seu marido Gastão de Orleans, Conde d’Eu, não despertavam o mesmo carisma que o envelhecido imperador.
“(...) a cor do governo é puramente militar e deverá ser assim. O fato foi deles, deles só, porque a colaboração do elemento civil foi quase nula.” Aristides Lobos (República Brasileira, p. 29)
As decisões do Marechal tomaram corpo e forma após os boatos sobre prisões de membros do exército e movimentação de tropas leais ao Império (com a Guarda Nacional e a Guarda Negra). Outros boatos quanto à escolha de um novo Presidente do Conselho fizeram com que Deodoro se decidisse definitivamente pela substituição do regime político.
Outro grande ator do 15 de novembro é Benjamin Constant. Para os defensores do papel de Benjamin, graças a ele o 15 de novembro não foi uma simples quartelada, mas sim a instauração de um regime. O exército fora manipulado e assim tirava-lhe o crédito da proclamação. Todavia, se não se discutia a convicção republicana de Benjamin, seus opositores ainda o colocariam como hesitante no desenrolar dos acontecimentos, ao responder perante aos membros da Câmara Municipal que era necessário consultar a população por meio de um plebiscito quanto à mudança do regime político.
Quintino Bocaiúva era o indiscutível republicano entre os atores do dia 15. Representava a propaganda republicana e era o Chefe do Partido Republicano Brasileiro. O grande problema em torno de sua figura se resumia em como inseri-lo nos acontecimentos dado o caráter puramente militar da proclamação. Teremos então a versão que afirma a data da proclamação da república como sendo 14 de novembro de 1889. Mais precisamente, às seis horas da tarde, quando os republicanos civis teriam decido pela substituição da monarquia pela república e teriam utilizado o exército para concretizar a substituição. Os boatos inventados e espalhados por Quintino e Sólon teriam resultado na ação de Deodoro.
Carvalho destaca que as contradições na construção do mito original da República revelam também as divisões entre as correntes que as promoveram. Um exemplo dessas divisões – entre os militares – é que a figura símbolo de união militar e de união da própria nação foi buscada no Império, na figura de Duque de Caxias, que hoje é o Patrono do Exército brasileiro. Cito também que outro nobre iria representar a marinha: Marquês de Tamandaré. Vimos nas postagens anteriores como a bandeira e o hino também remetem ao Império.
De todas estas versões logrou êxito a que foi mais difundida. E para propagação delas e de seus personagens centrais cada qual fez uso de estampas e monumentos que iriam assim perpetuá-los na história. Fica mais um exercício de reflexão: analisar os retratos referentes ao 15 de novembro (como o óleo de Henrique Bernardelli), bem como monumentos erguidos em homenagem aos que aqui foram citados. O que eles pretendem transmitir? Eles conseguiram atingir os objetivos para os quais foram construídos?
Samuel José Cassiano, Acadêmico de História-UNILA