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"O seriado Chaves: da alienação à manipulação do povo mexicano durante as décadas de 1970 e 1980."



“Em meio à turbulência política, à explosão demográfica e ao processo de urbanização mexicana, fatores cuja soma resulta no processo de pauperização, foi criado o programa de televisão Chaves, que mostra bem esse processo de urbanização e pobreza da população mexicana, mas não se refere de modo algum à política ou ao sistema de governo estabelecido.
(...).
(...) [Chaves] pode ser direcionado no imaginário da sociedade como um herói escondido. Diferentemente de Chapolin, que sempre vence por ser um herói, Chaves acaba ganhando esse título por ser de origem humilde e, mesmo assim, vencer as adversidades da vida. (...).
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No programa Chaves vemos, através de cada personagem, um retrato caricato do México e da sociedade latino-americana. (...).
Percebemos, durante todo o programa, a presença do assistencialismo do Estado com a Dona Florinda, que vive de pensão. O Seu Madruga passa a ideia de que é possível viver feliz na pobreza e sem trabalhar, afinal, durante toda a série ele só realiza bicos, sendo mais de 18 trabalhos diferentes, entre eles: pintor, carpinteiro, fotógrafo e treinador de boxe. Chaves passa a imagem da ingenuidade do menino pobre, marginalizado, de bom caráter e que, ainda por cima, frequenta a escola, realidade totalmente oposta à maioria dos meninos que se encontram na mesma situação. E, por fim, temos o Seu Barriga: como burguês “bonzinho”, que aceita inquilinos que devem 14 meses de aluguel e leva meninos carentes para viajar, como no episódio em que o Chaves vai pra Acapulco. (...).
Apesar de sempre se referir à desigualdade social de forma engraçada, ela está inserida no programa de todas as formas. Uma das mais frequentes formas de manifestação é o Kiko, que sempre mostra os seus brinquedos para o Chaves, menino de rua, e para a Chiquinha, menina pobre, para aguçar a inveja de ambos e mostrar a superioridade de sua classe social, porque sabe que eles não têm condições de comprar os brinquedos caros que sua mãe, Dona Florinda, lhe dá. Outra forma de manifestação está inserida nos bordões de Dona Florinda e de Kiko: Dona Florinda, “não se misture com essa gentalha”, e o Kiko, “Gentalha, gentalha, gentalha!”.
O programa também abordava, de forma branda, temas políticos internacionais, como por exemplo, a Guerra Fria citada sutilmente em um episódio, em que a Alemanha iria jogar com o México e a Chiquinha pergunta para o seu pai qual delas iria jogar. Seu Madruga responde que só há uma Alemanha. Após ser corrigido pela filha, que afirma existir duas Alemanhas, a Oriental e a Ocidental, Seu Madruga afirma que a única diferença é que em uma se consome vodka e, na outra, cerveja.
(...). Ao assistir Chaves, as pessoas, de um modo geral, não percebem as críticas sociais presentes na série, pois recorrem ao programa como uma válvula de escape para os problemas cotidianos. (...).
(...). (...) a [rede de televisão] Televisa, submissa ao governo (...), usa o programa Chaves para manter a ordem e a esperança dos menos favorecidos, pois, em 1978, a série passa a ter episódios especiais em Acapulco, em que o elenco já citado demonstra as chances de qualquer cidadão mexicano conhecer o “paraíso”. (...).
O programa Chaves é usado para dar esperanças ao povo mexicano, principalmente quando vemos a figura do protagonista, pois, mesmo de origem humilde, vence as adversidades da vida. Ele não planeja nada, apenas vive baseado em seu instinto, o agora.
Vale frisar que o Seu Madruga é um dos personagens que mais oferece o sentimento de esperança, principalmente se analisarmos algumas suas famosas falas: “Não há nada mais trabalhoso do que viver sem trabalhar”; “Não existe trabalho ruim, o ruim é ter que trabalhar”; “Eu gosto de dar oportunidades aos mais jovens. E tenho esta nobre atitude desde os meus quinze anos”; “Quando a fome aperta, a vergonha afrouxa”; “Na vida temos que sacrificar algumas coisas para conseguir outras”; “Do que adianta algumas pessoas terem tanto dinheiro no bolso se não têm nem um pingo de caráter?”; “Posso não ter um centavo no bolso, mas tenho um sorriso no rosto e isso vale mais que todo dinheiro do mundo”; “Não existe dinheiro que compre um sorriso”. Com essas falas, podemos perceber que o personagem é um pobre desempregado e preguiçoso, mas honesto e que consegue viver a vida mesmo sem dinheiro. Ele demonstra aos telespectadores que a felicidade não vem com o dinheiro e que, mesmo desempregados e/ou com pouco dinheiro, eles podem ser felizes, pois felicidade não se compra, deve ser adquirida. Pensamento esse que dava esperança para uma sociedade pobre e que se encontrava em meio a uma turbulenta crise econômica.
A partir dessa análise, podemos afirmar que Chaves é um produto da indústria cultural, pois, embora ele possua críticas sociais colocadas sutilmente, serve para o setor dominante como um fator de “alienação e manipulação” da população latino-americana. (...).
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No caso do programa Chaves, a expectativa é de relaxamento e divertimento do sujeito, para que ele não pense sobre seu cotidiano. O programa acaba por ser o reflexo do cotidiano, pois é baseado nas mesmas repetições dos conflitos e das piadas, “a indústria cultural pode proporcionar uma distração sob medida para aqueles que têm que retornar ao trabalho repetitivo. Eles gozam, no divertimento, da mesma repetitividade a que estão sujeitos no cotidiano.” (FREITAS, 2005, p. 344). É interessante frisar que Chaves não é apenas um programa alienador, pois não é esse o caso. O programa tem certa quantidade de críticas às estruturas sociais, porém se limita a isso, ou seja, ele não aprofunda as suas críticas nem abre o leque de possibilidades, como, por exemplo, criticar o sistema político vigente. Retomando uma sugestão dada pelo crítico Silviano Santiago, a partir da obra de Octavio Paz – O Ogro Filantrópico, o mexicano dos anos 1970/80 é um ser americanizado, movido pelos saberes dos gringos, seus principais empregadores e financiadores sociais. É um pachuco; “concidadão americanizado, porém, sempre distante de suas raízes”, um pária em seu próprio país. O seriado tenta, em vão, valorizar a cultura pátria naquilo que ela tem de mais subserviente e fetichizado. O menino pobre que vive dos favores alheios e da caridade. (...). Não que os telespectadores de Chaves sejam acríticos, mas eles preferem se divertir. Sendo assim, o programa passa a ser um produto para divertimento, na verdade, para a distração, pois esta é de mais simples assimilação, produzindo, assim, uma sensação estimulante e narcótica para as pessoas conseguirem viver alegres seus cotidianos quase insuportáveis.” (SILVEIRA, Aline; WLINGER, Camila Gonçalves; SILVA, Mauro Sérgio. O seriado Chaves: da alienação à manipulação do povo mexicano durante as décadas de 1970 e 1980. Revista História em Curso, número 2, 2012. Disponível em: <http://periodicos.pucminas.br/index.php/historiaemcurso/article/view/3449/pdf>. Acesso em: 16 ago. 2012).
O artigo completo pode ser lido no link acima.
Prof. Paulo Renato da Silva.
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