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A METÁFORA DA FAMÍLIA CRISTÃ INVADE A DISCUSSÃO SOBRE PARIDADE NA UNILA


-Paridade é comparada com a imagem da família, onde o pai continua a exercer domínio sobre mulher e filhos. Na universidade isso teria que acontecer com o papel dos professores na sua representação frente a alunos e técnico-administrativos (70%;15%;15%).
Não concordo com a forma como na Unila se compara a gestão universitária com a imagem da família. Também porque se parte de um modelo de família em decadência, que atualmente, na maioria dos casos, apenas serve para procriar e fomentar a violência contra crianças e mulheres (Em recente estudo se afirma que o Brasil ocupa o penoso sétimo lugar em feminicídios a nível mundial). Um modelo de família que, assim concebido, perpetua o machismo e o modelo de sociedade eurocêntrica, cristã, “monogâmica”, heterossexual e excludente. Onde o pai acaba exercendo amplos poderes sobre “sua” mulher e “seus” filhos, ele que decide sobre o que comer, aonde ir de férias (ou passear) e até sobre qual a orientação sexual que filhas e filhos devem obedecer para conseguir perpetuar esse modelo. Nunca um pai de família sentou com suas filhas e filhos para verificarem juntos se a vagina da menina ou o pênis do menino os identificam como tais para, então, se não for o caso, começar a dura batalha pela mudança de gênero e de sexo. Nossos pais decidiram até pelo nome que carregaríamos pelo resto da vida. Tudo isso aconteceu desde o momento em que pais receberam dos feudos, do Estado e da Igreja a soberana potestade sobre a “sua” família.
Bom lembrar que atualmente existem também outros modelos, no Ceará, por exemplo, encontramos tipos diversos: extensas, monogâmicas para as mulheres, nucleares e/ou estas mesmas misturadas; não longe, aqui na Unila, existem famílias conformadas por dois homens, uma coelha e três porquinhas da índia e outras integradas por duas mulheres ou por três homens, aí esse sentido de hegemonia do macho passou de moda algum tempo. Mas, já que se colocou em cena esse modelo machista de sociedade para compara-lo com a Universidade, eu o coloco também para verificarmos até onde os dois modelos fracassaram.
A universidade pública latino-americana conquistou a sua soberania em 1918 em Córdoba, na Argentina, onde milhares de estudantes e professores protestaram para ganhar autonomia e desliga-la definitivamente do poder da Igreja e do Estado. O carro-chefe dos movimentos que deram continuidade a esse escopo na Colômbia, no Peru, em Cuba, no México, dentre outros países, foram os estudantes; estes tiveram uma visão de presente ligada à hegemonia das diferentes oligarquias e da Igreja que controlou a Universidade na América Latina até final do século XIX e começo do século XX. Foram os estudantes que, para o caso brasileiro, desde a década de 1930, lutaram pela educação universitária e na década de 1960 criaram no Brasil a UNE (União Nacional dos estudantes) para pedir por representação paritária. O movimento estudantil foi duramente perseguido pela Ditadura, mas na década de 1980 volta com força para, junto com o pedido por democracia, acompanhar outras reivindicações, tais como eleições diretas para reitor e autonomia no uso de recursos econômicos. Papel importante tiveram os estudantes na reestruturação das universidades estaduais em SP, - a UNESP por exemplo-, na década de 1980 até meados de 1990 quando entram em rigor novas leis e são suprimidas antigas que davam autonomia a estas universidades. Esse foi o papel de José Sierra, como governador de SP.
Mas devemos anotar que a partir daí o trabalho dos estudantes tem sido importante, na defesa da universidade pública, gratuita e autônoma. Na Universidade Federal do Ceará e outras muitas do Brasil, estudantes tomaram reitorias para protestar contra o REUNE e da forma como ele seria implementado. Tiveram uma visão muito mais perspicaz do que a dos professores. Hoje estamos enfrentando as consequências do Reune e até greve fizemos. Foram estudantes como Che Guevara ou Fidel Castro que, errados ou não, visualizaram saídas para o continente e depois como profissionais tentaram por mudanças. Não conheço muitos professores universitários comprometidos com causas sociais e muito menos com propósitos revolucionários. Conheço professores comprometidos com o desenvolvimento da tecnologia e da ciência ao serviço do capitalismo e das elites econômicas da América Latina. Estudantes são milhares na história do continente que tem exercido função a favor das causas sociais.
As perguntas que devemos fazer são se uma vez soberana desses poderes, a universidade ficou cativa do capitalismo? Essa universidade, dos séculos XX e XXI, soberana dos poderes do Estado e da Igreja, autônoma na sua gestão e no uso dos recursos econômicos, tem cumprido alguma missão além da econômica? Comparando Brasil com Paraguai sabemos que não. Num destes países temos grandes universidades que lhe dão renome ao Brasil; no outro lado da fronteira não. Mas, nos dois as desigualdades sociais são gritantes. A culpa deve ser atribuída, em grande parte, aos professores, a essa elite branca que tem dominado os espaços universitários, tal como mostrado pelo professor Jorge Carvalho, para o caso do Brasil. São professores donos de Núcleos, Institutos, Centros, etc., que se tem vendido aos mercados de telefonias, de hidrelétricas, de empresas de mineração, etc., e a outras lógicas do mercado para juntos estabelecerem diretrizes que possam reproduzir o capitalismo e assim lucrar-se com os resultados. Dificilmente esse tipo de professores entra em greve para reivindicar salários justos, pois seus núcleos são empresas privadas.
Nessas universidades os “pais” (professores) exercem liderança sobre os “filhos” (estudantes), para impor o tipo de cursos, linhas de pesquisa, bibliografias, currículos que obedeçam às leis do mercado. Outras áreas não, mas todas são culpadas pelo fracasso das universidades latino-americanas enquanto que, por sua visão capitalista, objetivada no desenvolvimento de um tipo de sociedade eurocêntrica, as tem convertido num campo atento geralmente para os países hegemônicos (Europa e Estados Unidos). Numa aberrante e descarada abertura a um mundo da colonialidade do saber e do poder. Onde, de continuar assim, estaremos sempre fadados ao fracasso. É esse tipo de professores, aqueles dos 70% de representação, os culpados pelo fracasso da universidade enquanto promotora de solução aos nossos problemas sociais. Por que não ensaiar e deixar que nossos “filhos” (alunos) e técnico administrativos decidam também pelos destinos da Universidade? No final, se fracassamos mais uma vez, a culpa não seria apenas nossa.
Para discutir Paridade poderíamos comparar com as universidades cubanas, mas não encontro muito proveito pois ai estas são vivenciadas num regime ditatorial; nas outras universidades latino-americanas, onde se respiram ares, mesmo que levemente, diferentes, as práticas são outras. Não podemos negar que a universidade cubana tem dado certo em vários campos do saber, porque aí, a ciência e a tecnologia são trabalhadas em favor do povo de Cuba, da sociedade beneficiada por essas universidades, especialmente no campo da saúde e da educação. Aí certamente os estudantes desempenham papel importante. Na América Latina e no Brasil, a universidade não tem sido colocada na frente da sociedade, senão por cima. Ela decide os destinos e pensa a sociedade, a partir, como colocado, da lógica de uma elite branca ao serviço do capitalismo. 

Bibliografia:
Karina Perin FERRARO & Neusa Maria DAL RI. MOVIMENTO ESTUDANTIL E GESTÃO DEMOCRÁTICA NAS UNIVERSIDADES DA AMÉRICA LATINA. Disponível in: http://www.portalanpedsul.com.br/admin/uploads/2010/Educacao_e_Movimentos_Sociais/Trabalho/12_40_14_MOVIMENTO_ESTUDANTIL_E_GESTAO_DEMOCRATICA_NAS_UNIVERSIDADES_DA_AMERICA_LATINA.PDF
José Jorge, CARVALHO & Rita Laura SEGATO. UMA PROPOSTA DE COTAS PARA ESTUDANTES NEGROS NA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. Disponível in: http://afro-latinos.palmares.gov.br/_temp/sites/000/6/download/biblioteca/arquivos/PROJETO_DE_COTAS_Proposta%20de%20JJCarvalcho.pdf
Violência contra mulher ainda é alta na América Latina, diz CIDH. Disponível in: http://noticias.terra.com.br/mundo/noticias/0,,OI6329729-EI8140,00-Violencia+contra+mulher+ainda+e+alta+na+America+Latina+diz+CIDH.html Consulta em 25/11/2012.

Gerson Ledezma

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