Continuamos com a reflexão sobre a memória de processos históricos traumáticos:
“A memória de situações traumáticas é controversa, pois o ressentimento existente em muitos sobreviventes nos coloca a seguinte questão: deve haver limites para a memória social? Se por um lado a memória dos sobreviventes do Holocausto fez da Alemanha um país mais tolerante, preocupado com o respeito à diversidade, como se notou na Copa do Mundo de 2006, por outro, não alimentaria, ainda que indiretamente, a política de consolidação do Estado de Israel contra o povo palestino? Está crescendo o (antigo) debate sobre a pertinência de se colocar ou não limites para a memória social. O filósofo francês Paul Ricoeur provocou polêmica ao defender a necessidade de perdão na História. Discutir limites para a memória social não necessariamente significa defender o esquecimento. Nem o perdão defendido por Ricoeur exclui a punição. Retornando ao exemplo do Holocausto, o debate cresce, pois responsáveis pelo genocídio foram julgados e punidos e a maior parte dos que conseguiram fugir já faleceu. Assim, o amplo espaço destinado ao Holocausto, por exemplo, nos currículos escolares alemães, não representaria uma descrença na capacidade de discernimento dos mais jovens, como se naturalmente fossem propensos a um discurso como o nazista? Como destaca Jacy Alves de Seixas, para o escritor Martin Walser, de conhecida trajetória de esquerda, a lembrança do Holocausto passou a representar a “instrumentalização da vergonha com fins contemporâneos” (WALSER apud SEIXAS, 2000, p. 76), ou seja, foi apropriada para objetivos alheios, particulares, não necessariamente relacionados ao ocorrido.” (SILVA, Paulo Renato da. Memória, História e Cidadania. Cadernos do CEOM, Chapecó, SC, ano 23, número 32, jun. 2010, p. 342-343).
Nos próximos dias discutiremos a mesma pergunta no caso da memória das ditaduras na América Latina.
Referência bibliográfica:
SEIXAS, Jacy Alves de. Comemorar entre memória e esquecimento: reflexões sobre a memória histórica. História: Questões & Debates, Curitiba, n 32, p. 75-95, jan./jun. 2000.
Prof. Paulo Renato da Silva.