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Mostrando postagens de abril, 2017

Etnografias da historicidade: diferentes culturas, diferentes formas de se relacionar com o passado

Todos os povos experimentam a história e o tempo da mesma maneira? Em todas as culturas existiria a distinção entre passado, presente e futuro? A representação do passado seria sempre guiada por tentativas de produzir conhecimento socialmente aceito sobre o que se passou em outras épocas? Em busca de respostas a essa questão, antropólogos e historiadores têm se voltado para o estudo de distintas “historicidades”, isto é, distintas formas culturais de perceber o passado, e de se relacionar com ele. Em antropologia, pelo menos desde a distinção de Claude Lévi-Strauss entre as sociedades “quentes” e “frias”, pelo modo como se relacionam com o passado (buscando anular a passagem do tempo por meio de rituais ou mitos, ou incorporar a mudança), estudiosos têm observado que o modo ocidental moderno de lidar com o tempo e a história não são universais. O chamado historicismo ocidental, a percepção de que o passado é diferente do presente, e inacessível direta e imediatamente, é uma construç

O que é um fato histórico? “Fatos alternativos”, pós-verdade e o romance 1984

A eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos trouxe à tona debates relevantes sobre as noções de verdade e fato . A recusa do então candidato Trump, em determinadas situações, de embasar suas afirmações em evidências concretas, ou de aceitar fatos comprovados, e a permanência desse comportamento no agora presidente, fazem parte, de acordo com analistas, de um cenário cada vez mais discutido atualmente, em especial nas redes sociais: a disseminação e aceitação de informações falsas. Tal cenário baseou a escolha da “palavra do ano” do dicionário Oxford . Todo ano, o dicionário Oxford , editado pela universidade britânica de mesmo nome, elege uma palavra de destaque em língua inglesa. A palavra destacada em 2016 foi pós-verdade , que, segundo o dicionário, foi cunhada originalmente em 1992, mas teve seu uso aumentado em 2.000% no ano passado (cf. https://www.cartacapital.com.br/revista/933/a-era-da-pos-verdade , acesso em 19/04/2017). Segundo o dicionário, pós-verdade é

Historiadores e detetives

O historiador italiano Carlo Ginzburg, no texto “Sinais: raízes de um paradigma indiciário”, discute a emergência, no final do século XIX, de um modelo epistemológico, ou paradigma de conhecimento, baseado nos indícios, na reconstituição através de pequenos vestígios. O modelo aparece em formulações como o método Morelli para desvendar falsificações em obras de arte, e nas histórias policiais do personagem Sherlock Holmes, criação de Arthur Conan Doyle (1859-1930). O “método Morelli” consistia na técnica desenvolvida pelo italiano Giovanni Morelli para identificar quando uma obra de arte foi incorretamente atribuída a um pintor: segundo Morelli, ao invés de buscarmos pelos traços mais memoráveis de uma pintura (por exemplo, o sorriso de Monalisa na pintura clássica de Leonardo da Vinci), encontramos a autoria nos traços mais negligenciáveis de uma obra. Seriam os pequenos detalhes, que o pintor elabora quase que inconscientemente, que esconderiam a personalidade de seus autores. O des

(Teoria da) História e ficção científica: A Chegada (2016)

Filmes de ficção científica podem oferecer ótimas oportunidades de reflexão sobre história e teoria da história. O gênero de ficção científica pode produzir narrativas ancoradas sobre diferentes possibilidades de pensar a evolução das sociedades humanas, bem como, pelo contato imaginado com outros “seres” que habitam o universo, produzir reflexões interculturais que desnaturalizam nossas formas de pensar, nossos valores e nossos modos de vida. O filme A Chegada (EUA, 2016, dirigido por Denis Villeneuve), proporciona uma reflexão desse tipo, a respeito de um fundamento básico de nossas percepções: nossa forma de apreender o tempo. Baseado no conto “História da Sua Vida” (1999), de Ted Chiang, o filme retrata a chegada de seres extraterrestres à Terra, e a tentativa dos humanos de compreenderem as intenções desses visitantes, buscando formas de comunicação com eles. Para tal, é recrutada uma linguista, a Dra. Louise Banks (protagonista da trama), que procura desvendar a linguagem daq