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A Velhice do Novo Mundo.


     Uma coisa que aprendemos na escola e que fica “pregada” em nossas cabeças é que o Brasil todo dia 22 de abril faz aniversário. Gravamos nomes como Pedro Álvares Cabral, Nicolau Coelho, Cristóvão Colombo, Monte Pascoal... Seríamos o Novo Mundo (batizado de América em homenagem a um explorador europeu) em comparação com o Velho Mundo (continente europeu). Seguindo a lógica aprendida na escola, hoje o Brasil teria 511 anos de idade. Nossa irmãzinha mais velha seria a América Central e o Caribe, “descoberta” alguns anos antes.
      É o que aprendemos e é algo que muitos jamais irão questionar. Éramos um continente perdido habitado por índios canibais e animais estranhos (no século XVIII os europeus assemelhavam a imagem do bicho preguiça com a do demônio). Então os europeus “descobriram” o Novo Mundo. Trouxeram dentro de suas caravelas tudo aquilo que era tido por civilizado (então o que os europeus entendiam por ser civilizado). E é a partir daí que se iniciará a história da América Latina. Afinal, o que os índios teriam feito anteriormente que fosse digno de registro pelos europeus para ser entendido como história?
      Particularmente tenho uma resposta. Uma nova visão para ser exato. Que teriam feito os “índios”? Primeiro precisamos desfazer do nome índios. Essa é uma designação genérica dada por Colombo devido a sua interpretação errônea. É preciso destacar que os europeus “civilizados” não sabiam onde haviam aportado (às vezes penso que por pouco não nos deram o nome de chineses). Nesse novo continente, o Novo Mundo que hoje chamamos de América floresceram em diferentes regiões e períodos diversos povos. Apenas para citar alguns deles: Chavin, Moche, Tiahuanaco, Zapotecas, Olmecas, Tupi-guarani. Não existiam aqui apenas Incas, Maias e Astecas. Eram uma diversidade incrível de povos, cada qual com seus costumes, religião, línguas, etc, próprios. E conforme os desafios que o meio-ambiente impunha, uns acabaram por se desenvolver mais do que outros.
      Esses povos desenvolveram escrita, calendários, artes, concepções quanto à criação do mundo. Construíram obras de irrigação para melhoramentos na agricultura, monumentos, cidades. Inventaram o milho. E mesmo a ideia de que todos fossem canibais é um erro difundido pelos europeus (a antropofagia era praticada não por gosto, mas sim por crenças, e ainda assim por determinados povos e em determinadas ocasiões). Teríamos de analisar o conceito de civilização para entender essa questão, pois Montaigne diz que cada povo vem a considerar bárbaro tudo aquilo que não é praticado dentro das fronteiras de seu país.
    O Fato é que os europeus saindo do ruralismo feudal e presos a uma verdade absoluta (quanto à criação do mundo) aportaram no Novo Mundo com nossos “índios” morando em grandes cidades, regidos por governos próprios julgaram-se superiores a partir da diferença biológica e resolveram tomar posse das terras e de seus habitantes. Foi necessária mesmo uma bula papal para confirmar que aquelas gentes tinham almas e por isso eram pessoas e não animais. E devido ao não-uso do metal pelos povos originários que sacerdotes, astrônomos, engenheiros, generais e imperadores converteram-se em súditos de um rei católico. Seria a partir dessa dominação que iniciaríamos nossa história.
    Os europeus ignoraram – e nós ainda hoje continuamos a ignorar – a história vivida por todos aqueles povos: sua origem e formação, o estabelecimento de suas sociedades organizadas hierarquicamente, as relações econômicas, políticas e culturais realizadas entre eles, seus governos e governantes, suas construções, os hábitos e costumes, as artes. Precisamos de um estudo sistemático dessas sociedades originárias. É preciso reescrever nossa história. Não temos 511 anos. O que é chamado de Novo Mundo é na verdade velho tão velho quanto o chamado Velho Mundo. Enquanto lá se desenvolviam as sociedades egípcias, gregas e romanas aqui também existiam sociedades distintas e complexas em pleno desenvolvimento.
      Que este texto possa servir como reflexão. Precisamos desfazer a “verdade” ensinada nas escolas. 500 anos não. Nossa história vai muito mais além disso. Ela apenas está a esperar uma investigação mais sistemática como eu disse. Aliás, investigação e divulgação.
      Samuel José Cassiano- 1°. Turma de História-UNILA

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