Vejamos o que Pedro Paulo Abreu Funari e Glaydson José da Silva nos dizem sobre aquele que, na Idade Moderna, passou a ser considerado “pai da História”. O parágrafo a seguir é de Heródoto e os demais são comentários dos dois autores:
““Aqui está a exposição das pesquisas de Heródoto de Halicarnasso, para que as obras dos homens não sejam esquecidas, com o tempo, nem as grandes e maravilhosas façanhas realizadas tanto por gregos como por bárbaros fiquem sem glória e para mostrar as causas dos conflitos.”
Nessas primeiras palavras, temos todo um programa do que seja a tarefa do historiador. Em primeiro lugar, trata-se de um relato, uma estória, uma exposição, primeiro oral e só depois escrita. Heródoto atravessou o mundo, a recolher e ver, com os próprios olhos e a ouvir com as próprias orelhas, relatando essas experiências em praça pública. Havia, desde o início, uma função pública e literária dessas leituras, que deviam tanto entreter o público como falar aos sentimentos das pessoas. Como sabemos disso? É o próprio Heródoto que nos conta e nos reporta à incredulidade dos ouvintes, diante do que ele afirmava ser a pura verdade. Essas mesmas observações de Heródoto sobre a reação do público demonstram que a sua obra, no entanto, só se tornou perene com a escrita, com a publicação, em forma de obra literária reproduzida em tantas cópias e que chegou até nós.
Heródoto sempre ressalta sua função como testemunho direto: “Até aqui disse o que vi, refleti e averigüei por mim mesmo, a partir de agora direi o que contam os egípcios, como ouvi, ainda que acrescente algo do que vi” (...). Este o sentido primeiro da palavra História: testemunho. Cabe ao testemunho preservar pela lembrança as ações humanas, pela memória, para que não sejam esquecidas. Essas são todas palavras ligadas à relembrança e não é à toa que palavras como “monumento” derivem de lembrar. (...). Embora para nós, modernamente, a memória seja quase sempre ligada à imprecisão e à transmissão oral, como lembra o historiador francês Jacques Le Goff (...), para os antigos a memória e a História estavam ligadas umbilicalmente.
Por fim, Heródoto menciona que busca as causas da guerra entre gregos e persas. A preocupação com as causas leva ao papel do juízo lógico do historiador. Heródoto usa muito a palavra lógos, que significa tanto palavra como conhecimento, razão, tudo isso como parte de um relato racional. Assim, diz-nos que “o que me proponho, ao largo do meu relato (lógos) é escrever, tal como ouvi, o que dizem uns e outros”. O relato é uma obra literária fundada na razão, com a reportagem das opiniões contrastantes. As causas são de caráter racional, compreensíveis pela contraposição de pontos de vista, ainda que as forças divinas não deixem de ser mencionadas, assim como aceitas as coisas maravilhosas, que não foram bem comprovadas pela vista ou pela audição, como a existência de seres esdrúxulos.” (FUNARI, Pedro Paulo Abreu; SILVA, Glaydson José da. Teoria da História. São Paulo: Brasiliense, 2008. p. 17-19).
Para pensarmos: 1. O que mudou desde então na concepção de História? 2. O que permanece? 3. Por que foi durante a Idade Moderna que Heródoto passou a ser conhecido como “pai da História”?
Prof. Paulo Renato da Silva.