Pular para o conteúdo principal

Profissão Historiador

Antes de continuarmos nossa viagem pelo mundo dos arquivos, quero colocar os debates suscitados pelo PLS 368/09, sobre a regulamentação da profissão de historiador. O objetivo desta postagem é saber o que vocês pensam do assunto.

Os ataques mais veementes ao projeto foram publicados no jornal Folha de São Paulo. Segue o editorial do dia 14 de novembro.

Presepada histórica

A possibilidade de um arquiteto, um médico ou um biólogo ministrarem aulas de história é decerto estranha à primeira vista. A profissão de historiador abrange técnicas, conhecimentos e modos de ver um tanto específicos.
Mesmo assim, há mais interesse corporativo do que preocupação científica na proposta de regulamentar a profissão, aprovada pelo Senado na última semana, e que segue para tramitação na Câmara dos Deputados.
O projeto, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), torna exclusivo para quem tem diploma de graduação, mestrado ou doutorado em história o ensino da disciplina. Até mesmo no ensino superior tal prerrogativa passaria a valer, caso aprovada a nova lei.
"Não vou querer que um arquiteto forme um médico", argumenta o senador Paim. "Por que ia ser diferente no caso de historiador?"
A resposta mais simples seria que, justamente, história não é medicina. Apesar de exigir técnicas próprias, o estudo da história é multidisciplinar por excelência.
Trata, afinal, do mais amplo leque de assuntos -das clássicas questões da história militar, que podem beneficiar-se da experiência de correspondentes de guerra e de oficiais especializados em estratégia, às tendências contemporâneas em que os conhecimentos de ecologia e microbiologia têm iluminado fatos decisivos no percurso (e na tragédia) das civilizações.
Tanto é assim que a chamada história geral se desdobra em dezenas, talvez centenas de especialidades: história da medicina, história da arquitetura, história religiosa, história econômica -para citar apenas algumas.
Numa faculdade, nada seria mais indicado do que a participação de especialistas de outras áreas -desde que, como é óbvio, imbuídos da perspectiva diacrônica exigida pela disciplina.
Tal perspectiva não precisa ser atestada pelo título universitário específico, como quer o projeto. Tanto na universidade quanto no ensino médio e no fundamental, o mais elementar bom senso recomenda que só ascenda à posição de professor quem possua suficientes conhecimentos sobre o assunto que irá ensinar.
Uma lei restritiva e obscurantista, destinada apenas a garantir reserva de mercado para os formados em história, não tem relação alguma com tal exigência.


As respostas mais contundentes vieram da ANPUH (Associação Nacional de História), seguem dois textos.

PROJETO DE REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE HISTORIADOR APROVADO NO SENADO

No dia 7 de novembro foi aprovado no Senado Federal o projeto de Regulamentação da Profissão de Historiador (PLS 368 de 2009). A aprovação resultou do esforço da Diretoria da ANPUH-Brasil que, cumprindo determinação da Assembléia Geral da entidade realizada em São Paulo no mês de julho do ano passado, tem envidado esforços para que essa meta seja atingida.

No dia 6, o presidente da ANPUH-Brasil deslocou-se para Brasília a fim de solicitar apoio dos senadores à medida, bem como seu empenho em inseri-la na Ordem do Dia do Senado, já que o projeto havia tramitado em todas as comissões necessárias, restando apenas ser votado em Plenário.

Foram visitados os gabinetes dos seguintes senadores: Jarbas Vasconcelos, Ciro Nogueira, Clésio Andrade, João Capiberibe, Eduardo Suplicy, Jayme Campos, Sérgio Souza, Antonio Carlos Valadares, Magno Malta, Álvaro Dias, Paulo Paim e Ana Amélia Lemos. Fomos recebidos ou diretamente pelos senadores (Capiberibe, Suplicy, Dias e Malta) ou por seus assessores. Todos se mostraram favoráveis ao projeto e prometeram trabalhar para a sua aprovação.

Ao final do tarde, a Senadora Ana Amélia, apoiadora da causa, foi mais além e encarregou-se de solicitar, naquele mesmo dia, a inclusão da votação da matéria na Ordem do Dia, o que foi acatado pelo presidente da sessão, Senador Paulo Paim, autor do Projeto. Iniciadas as discussões, manifestaram-se contrariamente ao projeto os senadores Aloysio Nunes Ferreira e Pedro Taques. O Senador Ferreira, inclusive, se manifestou oralmente em oposição à proposta, considerando "um profundo equívoco" dar exclusividade em atividades de ensino e pesquisa, seja em graduação ou pós-graduação, apenas para quem tem formação em História. Na opinião do parlamentar, a situação cria "absurdos" como impedir que economistas, sociólogos, diplomatas ou outros profissionais qualificados ministrem a disciplina, havendo o risco de "engessar" o ensino da História. Citou inclusive os nomes dos eminentes intelectuais Evaldo Cabral de Mello e Alberto da Costa e Silva como pessoas que ficariam impedidas de escrever e lecionar sobre o tema.

Ora, tal posicionamento expressa, ao nosso ver, desconhecimento do teor do projeto, já que o que se pretende não é impedir ninguém de escrever ou se manifestar sobre o passado, mas sim assegurar a presença de historiadores profissionais, com formação específica, nas instituições que realizem pesquise e ensino de História. Além disso, pelo raciocínio do Senador, não seria um problema a situação que, infelizmente, ocorre hoje, na qual, em diversos espaços profissionais, historiadores acabam tendo que lecionar Geografia, Sociologia, Artes, entre outras matérias, sem terem conhecimentos específicos para isso (e vice-versa), o que certamente prejudica a formação dos estudantes dos variados níveis de ensino. Também por analogia, poder-se-ia, caso a perspectiva do Senador fosse correta, pensar que grandes atletas teriam a possibilidade de lecionar Educação Física nas escolas, sem possuírem para isso conhecimentos de Anatomia, Fisiologia, Movimento Humano, Pedagogia, entre outros, apenas a sua prática em determinados esportes (não é à toa que muitos atletas percebem tal lacuna formativa e, em algum momento de sua carreira, ingressam em cursos de Educação Física). Por fim, nem é preciso dizer o quanto a ANPUH reconhece e admira o trabalho de estudiosos como Cabral de Mello e Costa e Silva e sua contribuição à historiografia brasileira, inclusive convidando-os a participar de eventos promovidos pela entidade.

Já a senadora Ana Amélia defendeu o projeto ao ler relatório do senador Flexa Ribeiro, em que este declara que "a omissão do legislador pode permitir que pessoas inabilitadas no exercício profissional coloquem em risco valores, objetos ou pessoas".

Ao final, como ressaltado, o projeto foi aprovado com o apoio de todos os líderes partidários. Por essa razão, as visitas do dia seguinte foram canceladas, mas mesmo assim registramos nosso apoio aos seguintes senadores que se disponibilizaram a nos receber: José Pimentel, Zezé Perrella, Renan Calheiros, Lúcia Vânia, Cacildo Maldaner, José Agripino, Luiz Henrique da Silveira, Wellington Dias, Antonio Carlos Rodrigues, Aníbal Diniz, Lídice da Mata, Alfredo Nascimento e Pedro Taques (que, acreditamos, teria compreendido melhor o teor do projeto se tivéssemos tido a oportunidade de conversar antes da votação).

Ressaltamos, contudo, que a nossa luta deve ter continuidade, pois a matéria segue agora para votação na Câmara dos Deputados. Por isso, solicitamos às/aos colegas que pressionem os deputados de seus estados em prol da celeridade da tramitação e, é claro, da aprovação do projeto.

Nesta articulação, foi fundamental o apoio do colega historiador Marcos Ronaldo F. de Araújo, também presidente da Associação dos Servidores do Ministério Público Federal, que gentilmente ajudou na articulação parlamentar no Senado.

PARABÉNS A TODOS NÓS!!!

PROFISSÃO DE HISTORIADOR: MARCHA DA INSENSATEZ OU DO DESCONHECIMENTO?

Nós, historiadores profissionais, sabemos que uma das regras básicas do nosso ofício é a elaboração de um discurso de prova, assentado na pesquisa e na crítica dos vestígios do passado, os documentos . Fernando Rodrigues, por não ter essa formação, talvez desconheça essa regra tão elementar e, por isso, não se deu ao trabalho de ler com atenção o documento que deveria balizar a sua análise (sic) publicada no jornal Folha de São Paulo de 10 de novembro de 2012: o Projeto de Regulamentação da Profissão de Historiador, aprovado no Senado Federal na última quarta-feira. Em nenhum momento este projeto veda que pessoas com outras formações, ou sem formação alguma, escrevam sobre o passado e elaborem narrativas históricas. Apenas estabelece que as instituições onde se realiza o ensino e a pesquisa de História contem com historiadores profissionais em seus quadros, por considerar que, ao longo de sua formação, eles desenvolvem habilidades específicas como a crítica documental e historiográfica e a aquisição de conhecimentos teóricos, metodológicos e técnicos imprescindíveis à investigação científica do passado. Da mesma maneira, a regulamentação pode evitar que continuem a se verificar, nos estabelecimentos de diversos níveis de ensino, situações como a de o professor de História ser obrigado a lecionar Geografia, Sociologia, Educação Artística, entre outras disciplinas, sem ter formação específica para isso (e vice-versa).

Temos certeza que o Senador Cristovam Buarque, tão sensível aos problemas da educação brasileira, apóia esta idéia, pois ela possibilita um ensino mais qualificado.

Temos certeza também que o Senador José Sarney, conhecedor do teor do projeto, está tranqüilo, pois sabe que não vai ser impedido, como nenhum cidadão brasileiro, de escrever sobre a história de seu estado, ou de qualquer período, indivíduo, localidade ou processo. Isso atentaria contra as liberdades democráticas, das quais os historiadores profissionais são grandes defensores.

Fique tranqüilo senhor Fernando Rodrigues, o senhor também poderá escrever sobre história. Só sugerimos que leia os documentos necessários antes de o fazer.

Benito Bisso Schmidt
Presidente da Associação Nacional de História – ANPUH-Brasil
(Gestão 2011-2013)

Prof. Rodrigo Bonciani




 

Postagens mais visitadas deste blog

A perspectiva na pintura renascentista.

Outra característica da pintura renascentista é o aprimoramento da perspectiva. Vejamos como a Enciclopédia Itaú Cultural Artes Visuais se refere ao tema: “Técnica de representação do espaço tridimensional numa superfície plana, de modo que a imagem obtida se aproxime daquela que se apresenta à visão. Na história da arte, o termo é empregado de modo geral para designar os mais variados tipos de representação da profundidade espacial. Os desenvolvimentos da ótica acompanham a Antigüidade e a Idade Média, ainda que eles não se apliquem, nesses contextos, à representação artística. É no   renascimento   que a pesquisa científica da visão dá lugar a uma ciência da representação, alterando de modo radical o desenho, a pintura e a arquitetura. As conquistas da geometria e da ótica ensinam a projetar objetos em profundidade pela convergência de linhas aparentemente paralelas em um único ponto de fuga. A perspectiva, matematicamente fundamentada, desenvolve-se na Itália dos séculos XV e

"Progresso Americano" (1872), de John Gast.

Progresso Americano (1872), de John Gast, é uma alegoria do “Destino Manifesto”. A obra representa bem o papel que parte da sociedade norte-americana acredita ter no mundo, o de levar a “democracia” e o “progresso” para outros povos, o que foi e ainda é usado para justificar interferências e invasões dos Estados Unidos em outros países. Na pintura, existe um contraste entre “luz” e “sombra”. A “luz” é representada por elementos como o telégrafo, a navegação, o trem, o comércio, a agricultura e a propriedade privada (como indica a pequena cerca em torno da plantação, no canto inferior direito). A “sombra”, por sua vez, é relacionada aos indígenas e animais selvagens. O quadro “se movimenta” da direita para a esquerda do observador, uma clara referência à “Marcha para o Oeste” que marcou os Estados Unidos no século XIX. Prof. Paulo Renato da Silva. Professores em greve!