Iniciamos uma série - longa - de postagens sobre arte e História da arte. Vamos nos concentrar nas artes plásticas. A seguir, o historiador Jorge Coli, da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), apresenta uma breve definição do que seria arte. Coli destaca que o valor de uma obra de arte não existe apenas na obra em si, mas também é atribuído por instituições que definem o que seria - e o que não seria - arte:
“Dizer o que seja a arte é coisa difícil. (…). [Mas] (…), mesmo sem possuirmos uma definição clara e lógica do conceito, somos capazes de identificar algumas produções da cultura em que vivemos como sendo “arte” (a palavra cultura é empregada não no sentido de um aprimoramento individual do espírito, mas do “conjunto complexo dos padrões de comportamento, das crenças, instituições e outros valores espirituais e materiais transmitidos coletivamente e característicos de uma sociedade”, para darmos a palavra ao Novo Aurélio). Além disso, a nossa atitude diante da idéia “arte” é de admiração: sabemos que Leonardo ou Dante são gênios e, de antemão, diante deles, predispomo-nos a tirar o chapéu.
É possível dizer, então, que arte são certas manifestações da atividade humana diante das quais nosso sentimento é admirativo (…). (…).
(…). Entretanto, eu abro um livro consagrado a um artista célebre do nosso século, Marcel Duchamp, e vejo entre suas obras, conservado em museu, um aparelho sanitário de louça, absolutamente idêntico aos que existem em todos os mictórios masculinos do mundo inteiro. Ora, esse objeto não corresponde exatamente à idéia que eu faço da arte.
(…).
Para decidir o que é ou não arte, nossa cultura possui instrumentos específicos. Um deles, essencial, é o discurso sobre o objeto artístico, ao qual reconhecemos competência e autoridade. Esse discurso é o que proferem o crítico, o historiador da arte, o perito, o conservador de museu. São eles que conferem o estatuto de arte a um objeto. Nossa cultura também prevê locais específicos onde a arte pode manifestar-se, quer dizer, locais que também dão estatuto de arte a um objeto. Num museu, numa galeria, sei de antemão que encontrarei obras de arte; num cinema “de arte”, filmes que escapam à “banalidade” dos circuitos normais; numa sala de concerto, música “erudita”, etc. Esses locais garantem-me assim o rótulo “arte” às coisas que apresentam, enobrecendo-as. No caso da arquitetura, como é evidentemente impossível transportar uma casa ou uma igreja para um museu, possuímos instituições legais que protegem as construções “artísticas”. Quando deparamos com um edifício tombado pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional podemos respirar aliviados: não há sombra de dúvida, estamos diante de uma obra de arte.
(…). (…) o importante é termos em mente que o estatuto da arte não parte de uma definição abstrata, lógica ou teórica, do conceito, mas de atribuições feitas por instrumentos de nossa cultura, dignificando os objetos sobre os quais ela recai.” (COLI, Jorge. O que é Arte. 15 ed. São Paulo: Brasiliense, 1995. p. 7-11).
Marcel Duchamp (1882-1968), A Fonte.
Prof. Paulo Renato da Silva.