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Orientadores e orientandos e o início de uma pesquisa.

Aproveitando a vinda do prof. Doratioto à UNILA para falar sobre pesquisa e metodologia e a proximidade da monografia para a turma 2011, o blog, a partir de hoje, abordará com mais frequência questões relacionadas à teoria e metodologia da História.
No trecho a seguir, Georges Duby (1919-1996), historiador conhecido por seus trabalhos sobre a Idade Média, escreve com precisão – e bom humor – sobre o início de uma pesquisa e sobre a relação entre orientadores e orientandos:
“Eu precisava escolher um tema, mas também um orientador. É de praxe. Uma tese deve ser “orientada”, exigência que consta dos próprios regulamentos administrativos. O orientador parecia já ter encontrado: Jean Déniau. Mas Déniau queria facilitar minha carreira, e tratou de se esquivar. Naquela época, com efeito, para ter algum peso, a tese precisava ser defendida na Sorbonne. A chancela parisiense parecia indispensável. Creio que ele me teria encaminhado a Marc Bloch. Mas em 1942 Bloch desaparecera na clandestinidade, e dois anos depois, na Lyon libertada, seu cadáver seria identificado entre os corpos amontoados dos resistentes martirizados. Será que Bloch me teria orientado mais firmemente com sua conversa, seus conselhos, do que o fizera com seus escritos? Não estou certo. Meus amigos que foram alunos seus dizem-me que ele não era de trato muito fácil. (...).
O orientador parisiense que Déniau escolheu para mim foi Charles-Edmond Perrin. Perrin me conhecia. (...).
Foi uma lição que extraí sobretudo de um livro, cabendo aqui explicar como Charles-Edmond Perrin “orientava” minha tese. Eu o visitava duas ou três vezes por ano. Ficávamos uma hora, uma hora e meia frente a frente, na toca abarrotada de livros onde me recebia. Falávamos, ou por outra, ele falava, retornando incansavelmente à mesma história, sua epopéia, a guerra de 1914; narrava-me episódios, registrados até o menor detalhe em sua extraordinária memória; no fim da entrevista, eu lhe dizia em algumas frases em que ponto me encontrava [grifo meu]; acompanhando-se até a porta, ele por sua vez estimulava-me a continuar. Quando tornei-me por minha vez orientador, tampouco inclinei-me a diretivas muito precisas. Não creio que sejam necessárias. No caso de Perrin, eu me sentira efetivamente orientado, antes de mais nada por uma presença atenta, maliciosamente crítica. Afetuosa, essencialmente: sabia que se me desviasse do bom caminho, logo seria reorientado e apoiado.
E por sinal tudo já se definira na primeira visita que lhe fiz, na sinistra Paris do inverno de 1942-43. Dera-me ele, então, dois conselhos. Primeiro, o de não me precipitar, ler muito, ver claramente em que ponto se encontrava a pesquisa, para me fixar no terreno mais fértil e num ângulo que correspondesse a meu temperamento. Depois, viera a recomendação que decidiu meu futuro. Perrin disse-me que seria bom, antes mesmo de definir um tema e seu contexto, debruçar-me imediatamente sobre um documento de fácil acesso, já editado e impresso, para praticar. Mas um belo documento, de grande consistência, um filão rico, e que ainda estivesse praticamente virgem. Observando de viés o trabalho dos outros, eu meditaria sobre as frases desse texto, inventando pouco a pouco um questionário.” (DUBY, 1993: 17-20).
Referências bibliográficas:
DUBY, Georges. A História Continua. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; Editora UFRJ, 1993.
Prof. Paulo Renato da Silva.

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