Pular para o conteúdo principal

Lula: “E eu achava que o golpe era uma coisa boa.” Ditaduras e sociedade civil, uma relação complexa.

Um tema muito controverso é a participação da sociedade civil durante as ditaduras latino-americanas. Houve apoio? Colaboração direta? Indiferença? Medo? Resistência? As respostas variam bastante: dependem do país, da época e do grupo social em questão, dentre outros fatores. Em História Indiscreta da Ditadura e da Abertura: Brasil (1964-1985), Ronaldo Costa Couto apresenta dois depoimentos importantes sobre a participação do “povo” durante a ditadura militar brasileira. O primeiro depoimento é do ex-presidente Lula, dado ao autor do livro em 1997:
“Quando houve o 31 de março, eu tinha exatamente 18 anos de idade. (...). E eu achava que o golpe era uma coisa boa. Eu trabalhava junto com várias pessoas de idade. E pra essas pessoas, o Exército era uma instituição de muita credibilidade. (...). Todo mundo de marmita, a gente sentava pra comer e eu via os velhinhos comentarem: “Agora vai dar certo, agora vão consertar o Brasil, agora vão acabar com o comunismo” (...). Essa era a visão que eu tinha na época do golpe militar. Na minha casa, a minha mãe escutava rádio e dizia: “O Exército vai consertar o Brasil. Agora nós vamos melhorar.” Era essa a visão. Pelo menos a parte mais pobre da população que não tinha consciência política tinha essa idéia.”
Dom Luciano Mendes de Almeida vê a questão assim:
“É importante perceber o seguinte: o povo não foi educado para participar. Quando veio a ditadura, o povo não tinha nem como se afirmar. Menos ainda como se defender. Agora, sobre a ditadura: o povo foi compreendendo a importância de refletir, de perguntar, de pensar, de não aceitar as coisas feitas. Houve o amadurecimento justamente do exercício do que nós chamamos hoje de cidadania.” (COUTO: 1999, p. 99-100).
Os dois depoimentos podem ser analisados sob diversas perspectivas. Mas ambos parecem convergir em um ponto. As ditaduras nem sempre se apresentavam como ditaduras. Por exemplo, em 1964, logo após o golpe, os militares brasileiros prometeram eleições para o ano seguinte, o que pode explicar, em parte, o “apoio” inicial de parte da sociedade brasileira ou, pelo menos, a “ausência” de resistências mais efetivas contra o golpe. Entretanto, seguindo o que Dom Luciano coloca, a experiência foi mostrando que o discurso “democrático” dos militares brasileiros era de “fachada” e o “povo” foi se conscientizando disso. O próprio Lula se tornou, anos depois, um dos principais opositores da ditadura.
Referências bibliográficas:
COUTO, Ronaldo Costa. História Indiscreta da Ditadura e da Abertura: Brasil (1964-1985). Rio de Janeiro: Record, 1999.

Prof. Paulo Renato da Silva.

Postagens mais visitadas deste blog

A política cultural da Revolução Cubana: o suplemento cultural "El Caimán Barbudo".

El Caimán Barbudo surgiu no ano de 1966, como encarte dentro do jornal Juventud Rebelde. O encarte tinha como objetivo mostrar a capacidade intelectual existente dentro dos novos escritores dos anos 50 em diante em Cuba, ou seja, o que o diretor Jesús Díaz realmente queria era que a juventude intelectual começasse a se desprender dos escritores mais antigos, como é o exemplo de José Martí.   El Caimán Barbudo teve suas crises logo no início, pois no primeiro ano Jesús Díaz teve que abandonar a direção do suplemento devido a artigos polêmicos, principalmente artigos de Herberto Padilla. A saída de Jesús Díaz deu origem à segunda fase do suplemento, quando se intensifica o controle da União de Jovens Comunistas sobre o jornal Juventud Rebelde.   A Revolução começou a se fixar em Cuba e a partir de então começava uma grande discussão para definir como seriam as obras revolucionárias, escolhas essas não somente de tema, mas também de linguagem, como se evidenciou no segundo ...

Preservação ambiental x Modernidade: O caso das cataratas

A evolução das tecnologias e de seu progresso na sociedade moderna pode causar em nós a impressão de que os avanços tecnológicos são, ou serão em breve, capazes de corrigir os danos ambientais acumulados de um extenso período de uso e exploração de recursos naturais pela sociedade moderna, cada vez mais numerosa e caracterizada principalmente pelo consumo. Entretanto, se torna cada vez mais clara uma crise ambiental marcada pelas mudanças climáticas, pela poluição do ar, da água e do solo, impactando a vida das pessoas e as relações econômicas nas sociedades, causando desequilíbrio nos ecossistemas. A perspectiva caótica da crise somada a falta das aguardadas soluções tecnológicas sugere uma revisão dos valores colocados nas relações entre o homem e a natureza, em direção a um desenvolvimento que seja essencialmente sustentável.  Disponível em: Google Maps, 2024. Parque Nacional das Cataratas do Iguaçu, PR. -25°68'18.8"N, -54°43'98.2"W, elevation 100M. 3D map, Buildi...