O processo de dispersão de um povo ao longo do tempo é
conhecido como diáspora. Exemplos clássicos de deslocamentos traumáticos de
populações humanas são a diáspora judaica e a africana. Atualmente, a
utilização do conceito se flexibilizou. Pode ser aplicado a migrações
voluntárias (isto é, não traumáticas), e a casos de autodenominação, geralmente
com a intenção de reforçar a manutenção de vínculos com a terra de origem e/ou
com os demais membros da comunidade diaspórica (por exemplo, a diáspora hindu).
À semelhança das travessias e migrações irregulares de que falamos no último
post, as diásporas também serviram de tema para diversas manifestações
artísticas.
Na
música, Bob Marley sintetiza a experiência da diáspora africana na canção
“Redemption Song”:
Também no espaço do Caribe anglófono, o romance A pequena ilha, de Andrea Levy, trata da
experiência de migração dos jamaicanos ao Reino Unido no período imediatamente
posterior à Segunda Guerra Mundial. Este processo pode ser considerado uma
diáspora no sentido contemporâneo do termo, bem como um desdobramento da
diáspora africana. Neste segundo momento, os afrodescendentes, cujos
antepassados foram escravizados e levados ao Caribe, fazem o movimento de
migração rumo às antigas metrópoles (no caso, o Reino Unido).
Ainda no Caribe, a literatura de V. S. Naipaul reflete
a diversidade étnico-cultural decorrente de outro processo traumático, o indentured labour. Este conceito, que
pode ser traduzido como “contratos de aprendizagem”, refere-se ao ocorrido
entre os século XIX e XX, quando, após a
escravidão, os britânicos recorreram à mão de obra de regiões hoje correspondentes
aos estados de Índia e China para substituir o trabalho de africanos e de seus
descendentes no Caribe e na América do Sul. Os trabalhadores recebiam baixos
salários e ficavam vinculados ao emprego por dívidas. No livro Os mímicos, V. S. Naipaul trata da
herança do período colonial em Trinidad e Tobago e da trajetória das classes
médias e alta divididas entre a ex-colônia e a antiga metrópole.
O livro A
tristeza extraordinária do Leopardo das Neves, de Joca Reiners Terron, tem
como protagonista um homem judeu que vive no bairro do Bom Retiro, em São
Paulo. Seu contato com outros imigrantes da região, como bolivianos e coreanos,
se desenrola em meio ao mistério que envolve Leopardo das Neves. O livro coloca
em cena uma família cuja história está marcada pela diáspora judaica, no
contexto da América Latina e suas migrações internas.
A
tristeza extraordinária nos faz pensar na história do bairro do Bom
Retiro e na dinâmica das ondas de migração que vão alterando o perfil da
região, através da recorrente apropriação e reapropriação do espaço por cada
nova comunidade, que ali vai inscrevendo seus símbolos. Um processo semelhante
aparece no romance Um Lugar Chamado Brick
Lane, de Monica Ali, sobre os imigrantes bengalis em Londres. Essa
imigração relaciona-se aos traumas da formação do estado de Bangladesh, cujo
estabelecimento foi seguido de ondas de refugiados principalmente para Índia e
Inglaterra. A migração de Bangladesh para a Inglaterra não ficou restrita a
esse período do início da década de 1970, mas se manteve nas décadas seguintes
por migrações voluntárias.
Profa. Mirian Santos Ribeiro de Oliveira.
Prof. Pedro Afonso Cristovão dos Santos.