No
século XIX, os museus foram instrumentos fundamentais na formação e na legitimação
dos Estados nacionais. Os museus passaram a transmitir a ideia de uma história
e de uma identidade em comum entre os habitantes de um mesmo território, o que
legitimaria a existência do Estado nacional.
Essa
relação entre os museus e os Estados nacionais continua presente e não apenas
na América Latina. Um claro exemplo é o Museu da Alemanha Oriental em Berlim,
inaugurado em 2006.
Trata-se
de um museu “moderno” e bastante interativo, o que tem garantido sucesso de
público. A atualização da linguagem é realmente um desafio necessário à maioria
dos museus. No entanto, essa atualização não pode ser feita à custa da
simplificação da história.
Nas
salas do museu, o que se vê é uma Alemanha Oriental “exótica”, marcada por
costumes como o nudismo “em larga escala”. O museu ainda se dedica a mostrar os
produtos “curiosos” que eram consumidos pelos antigos orientais e as
interferências do Partido Comunista sobre o que era consumido pela população. Por
falar em consumo, o museu também destaca as crises de abastecimento vividas
pelos orientais, sobretudo a partir da década de 1980. A forte propaganda do
governo comunista e as perseguições aos opositores também possuem um grande
espaço no museu. Em uma parede, retratos de Lênin, Engels e Marx fazem
movimentos esporádicos, atraindo a atenção dos visitantes que param diante
deles à espera do próximo movimento. Os retratos parecem brincar com o público
e vice-versa, satirizando a “idolatria” que teria existido aos três na Alemanha
Oriental. Há um claro esvaziamento do significado histórico do marxismo – e
aproveito para informar que não sou marxista.
A
Alemanha Oriental foi marcada por vários controles do Partido Comunista sobre
consumo, propaganda e opositores. Porém, na Alemanha Ocidental também existia
um forte investimento em propaganda naqueles tempos de Guerra Fria. Além disso,
também havia prisões por motivos políticos entre os ocidentais.
As
duas Alemanhas se reunificaram em 1990 a partir de um processo conduzido pelos
ocidentais. Ao contar somente uma parte da história, o museu legitima o
processo de unificação da Alemanha sob o controle dos ocidentais, os quais
seriam “capazes” de levar a “democracia” e o “desenvolvimento” para o antigo
lado oriental. Assim, o Museu da Alemanha Oriental, apesar de sua renovação na
linguagem, mantém os conhecidos laços políticos que ligam os museus à política
e à legitimação dos Estados nacionais.
Prof.
Paulo Renato da Silva.