No início de abril de 1967, o professor de história Ron
Jones, que lecionava na escola Cubberley High School (em Palo Alto, estado da
Califórnia), ministrava aula sobre a ascensão do nazismo, quando se viu incapaz
de explicar a seus alunos de Ensino Médio como a população alemã na década de
1930 pôde ignorar as evidências do Holocausto e apoiar o regime de Adolf
Hitler. Jones decidiu então realizar um experimento: ensinar os ideais do nacional-socialismo
a seus estudantes, mostrando, ao mesmo tempo, como eles próprios,
norte-americanos vivendo em uma democracia em 1967, poderiam ser suscetíveis à
psicologia de massas da política hitlerista.
O experimento, denominado “Terceira Onda”, durou cinco dias,
nos quais o professor Jones enfatizou a seus alunos ideais como disciplina,
comunidade, ação e orgulho, apresentando aos estudantes um movimento (a
“Terceira Onda”), que lhes proporcionava um senso de unidade e comunidade como
grupo. A atividade envolveu inclusive a adoção de símbolos, gestos e roupas
uniformes entre os estudantes, e a exclusão daqueles que questionaram o
movimento, estabelecendo uma rígida estrutura de adesão e pertencimento, com a
qual os estudantes, em sua maioria, voluntariamente concordaram. A experiência
teve de ser interrompida, pois o movimento fugiu do controle do professor, atraindo
estudantes de outras classes e afetando atividades normais da escola. Ron Jones
preparou então a última parte da lição: um comício no qual os alunos
assistiriam a um pronunciamento televisionado do “líder” da “Terceira Onda”. Após
reunir todos os estudantes em um auditório para o suposto pronunciamento, o
professor Jones explicou o que se passava: não havia pronunciamento, não havia
líder, tampouco “Terceira Onda”. Ele havia, de fato, conseguido demonstrar a
seus estudantes como funcionava a mentalidade fascista, e responder à questão
de como puderam os alemães ignorar as atrocidades do regime e comparecer em
apoio a Hitler e seu partido. Os alemães, na década de 1930, se dirigiam aos
comícios da mesma maneira que os próprios alunos haviam se dirigido ao
“comício” fictício organizado pelo professor: guiados por uma mentalidade que
lhes deu um senso de pertencimento, que identificou “inimigos” de seu modo de
vida, e os deu força, disciplina e segurança enquanto agiam coletivamente. O
professor Jones concluiu o experimento com a exibição de um filme sobre o
fascismo. Vale dizer que sua experiência levanta sérias questões éticas também, a respeito do trabalho do professor com os alunos, sobretudo pela maneira como o professor Jones conduziu a atividade sem esclarecê-la previamente aos estudantes.
A história da “Terceira Onda” foi dramatizada no cinema,
mais recentemente no filme alemão A Onda
(2008), dirigido por Dennis Gansel. O experimento nos remete a debates atuais
sobre o surgimento (ou ressurgimento) de movimentos neofascistas, em particular
na Europa, em geral calcados na xenofobia e em narrativas que culpam os
imigrantes por problemas como o desemprego. A questão que inquietou os alunos e
o professor norte-americano retorna constantemente ao tratarmos do fascismo:
com puderam as pessoas comuns ignorar as evidências do que se passava e
permitir a ascensão do totalitarismo? Isso poderia ocorrer conosco, atualmente,
mesmo com nossas experiências históricas como alerta?
Perspectiva semelhante, de pensar nossas reações,
atualmente, a líderes como Adolf Hitler, é explorada no filme alemão Ele está de volta (2015), dirigido por David
Wnendt e baseado no romance homônimo de Timur Vermes, publicado em 2012. O
filme, misto de comédia e documentário, imagina o que aconteceria se Adolf
Hitler voltasse à vida na Alemanha atual. Na parte cômica, a narrativa
centra-se na descoberta de Hitler por um produtor de TV, que busca
transformá-lo em celebridade, ao perceber que o povo o vê como um imitador
perfeito do ditador. O filme discute, com isso, tanto nossa cultura midiática
atual, como o uso, pelo nazi-fascismo, dos meios de comunicação de massa mais
modernos para difundir sua ideologia. A parte de documentário do filme é talvez
a mais interessante (e surpreendente): acompanhamos o personagem Hitler
abordando pessoas comuns nas ruas da Alemanha, que têm suas reações registradas
nas câmeras. O filme capta, assim, o discurso xenófobo difundido naquela
sociedade, nas falas de indivíduos que reclamam da situação atual do país, da
presença de imigrantes, e, em alguns casos, chegam a declarar sua simpatia pelo
ditador. Além de mostrar o estado atual de organizações neonazistas na
Alemanha.
Essas experiências didáticas e obras de ficção nos permitem
discutir questões importantes em História, em particular a possibilidade do
passado nos deixar lições. O estudo e o conhecimento do fascismo nos garantem
que esse fenômeno (ou versões dele) não voltará a ocorrer em nossas sociedades?
Ou continuamos sujeitos, como os estudantes secundaristas norte-americanos em
1967, a apelos de uma política fascista de massas? Desde o gradual
desaparecimento, a partir de fins do século XVIII, da concepção de história mestra da vida, uma história que
orientava o presente com base em lições do passado, os historiadores e
filósofos da história tendem a desconsiderar a possibilidade de aprendermos com
o passado, enfatizando nossas diferenças em relação a outros períodos
históricos. Considerando eventos e períodos ainda próximos no tempo, como o
fascismo, podemos de fato nos compreender como muito distintos das gerações que
apoiaram os regimes totalitários do século XX?
Nosso post deixará hoje indicações de filmes e leituras para
aprofundarmos nossa discussão. Começamos com o trailer de A Onda e o documentário A
Onda: Experimento Escolar e Nazismo, que relata a experiência de Ron Jones:
A ascensão do nazismo na Alemanha foi também
tema do filme O Ovo da Serpente
(1977), de Ingmar Bergman:
Deixamos ainda o link do site de informações sobre cinema
IMDB sobre o filme Ele está de volta:
http://www.imdb.com/title/tt4176826/
Para uma reflexão sobre a ascensão de movimentos totalitários,
deixamos como sugestão a obra clássica de ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
Recomendamos ainda o relato do próprio professor Ron Jones a respeito de seu
experimento (em inglês): http://www.thewavehome.com/1976_The-Third-Wave_story.htm,
acesso em 9 de novembro de 2016.
Prof. Pedro Afonso Cristovão dos Santos