O título de nosso post de hoje é o título
de um artigo publicado na Revista de
História da Universidade de São Paulo, número 46, 2º trimestre de 1961. O
texto, com o subtítulo “Contribuição brasileira ao estudo do problema”, é uma
súmula de palestras realizadas por João Cruz Costa (1904-1978) na Universidade
de Montevidéu, como parte do III Curso Internacional de Verão da instituição,
entre 9 e 15 de fevereiro de 1960. O curso foi organizado pelo Conselho
Interuniversitário Regional (CIR), patrocinado pelas universidades do Uruguai,
Buenos Aires e Chile, para pensar os problemas e perspectivas da universidade
no nosso continente. Cruz Costa traria, para o evento, a visão e a situação da
universidade brasileira naquele momento.
João Cruz Costa, filósofo nascido em São
Paulo, foi um dos principais professores das primeiras décadas da então Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências da Universidade de São Paulo (USP), sendo um dos
responsáveis pela criação do Departamento de Filosofia. Cruz Costa foi autor de
estudos pioneiros em história das ideias no Brasil, como A filosofia no Brasil: ensaios (1945) e Contribuição à história das ideias no Brasil (1956). Sua carreira
na USP foi interrompida em 1965, afastado pelo regime civil-militar instituído
com o golpe de 1964.
Em “A Universidade Latino-Americana:
suas possibilidades e responsabilidades”, Cruz Costa desenvolve um apanhado da
história do ensino e da cultura no Brasil desde os tempos da colônia. Cruz
Costa abre o artigo mencionando a falta de contato entre o Brasil e os países
da América hispânica, e em diversos momentos confessa seu desconhecimento da
situação da cultura e das universidades no restante da América Latina. Seu
apanhado histórico retoma inclusive as origens da universidade como instituição
medieval, e os passos de sua implementação no Brasil (onde se atém à criação da
Universidade de São Paulo – revelando também pouco conhecimento da história das
universidades em outras partes do país).
Quais seriam, portanto, as
possibilidades e responsabilidades da Universidade na América Latina? Cruz
Costa entende a Universidade como criadora de cultura; para ele, “educação popular e Universidade são as
verdadeiras criadoras de cultura” (COSTA, 1961, p. 408, destaque no
original). Para o autor, a América
Latina ainda estaria nas margens da cultura europeia. O autor reconhece, por
outro lado, “experiências”
latino-americanas (brasileira, mexicana, argentina etc.) formadas desde os
princípios da conquista europeia. E a “cultura é experiência viva. (...) Assim, pois, nós, partindo da experiência
que é a nossa, também podemos criar e colaborar em um novo humanismo e não
apenas nos apresentarmos, na história, como fornecedores de matérias primas”
(COSTA, 1961, p. 409, destaque no original). Um problema com a cultura
latino-americana seria seu confinamento às elites. E nesse ponto entraria a
principal responsabilidade da Universidade latino-americana:
O analfabetismo, o baixo nível de
vida do povo, torna difícil, senão impossível, o bom êxito – e eu diria a própria Universidade. Esta
ressente-se sempre da situação em que se encontram as massas. Impõe-se, pois, -
e é essa a grande responsabilidade
da Universidade latino-americana – tudo fazer para elevar o nível de vida das
massas dos nossos países. (...).
Não basta, pois, alfabetizar. É
preciso mais.
Não basta ter cultura e afirmar que
se ama o povo, e que por isso queremos alfabetizá-lo e elevar-lhe o nível de
vida. É necessário refletir sôbre as próprias condições de nossa cultura e
indagar da natureza das razões que lhe dão, talvez, no momento atual, uma certa
aparência irrisória e que a tornam ineficaz. E essas razões são, sem dúvida
nenhuma, muito concretas...
São muito concretas, pois,
governantes há que não consideram o capital investido na escola – primária,
secundária e superior – como a mais lucrativa e perfeita das suas aplicações.
Infelizmente, muita gente que governa – ou que pretende governar – faz da
política cultural, simples demagogia, como já se viu em meu país.
Se a Universidade quiser subsistir
nos nossos países, é mister que se pague bem aos professôres, que se lhes
proporcione meios de obter bons laboratórios e bibliotecas. É mister constituir
e pagar bem os professôres primários, os da escola secundária – extensão que é
da Universidade, sem o que esta nunca existirá e será apenas privilégio de
alguns (COSTA, 1961, p. 410, destaques no original).
A principal responsabilidade da
Universidade latino-americana é com a educação
pública e popular, segundo Cruz Costa: “só assim, a nossa Universidade será
criadora de cultura, da cultura de um continente em que se fundem tôdas as
raças e tôdas as idéias” (COSTA, 1961, p. 411).
Deixamos a nossos leitores o link para o
acesso ao texto completo do artigo de João Cruz Costa: http://revhistoria.usp.br/images/stories/revistas/046/A004N046.pdf
(acesso em 29 de novembro de 2016). Passados mais de cinquenta anos das
reflexões de Cruz Costa, o que pensamos hoje sobre as possibilidades e
responsabilidades da Universidade na América Latina? O que nossa experiência na
UNILA nos tem mostrado até aqui? Em momento de debates sobre o futuro dos
investimentos públicos em educação, como nos soa o que Cruz Costa afirmou sobre
a política cultural dos governantes de seu tempo?
Obs.: O texto que baseou nosso post de
hoje nos foi indicado pelo colega Thiago Lima Nicodemo, professor de Teoria da
História na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Prof. Pedro Afonso Cristovão dos Santos