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De Chávez a Maduro: o baque da transição

O blog publica hoje colaboração do jornalista Lucas Berti, sobre as últimas eleições na Venezuela. O texto foi escrito antes do pleito, e apresenta análise da história recente do país, em especial da transição entre os governos Hugo Chávez e Nicolás Maduro. A colaboração foi feita por intermédio da estudante do curso de História - América Latina da UNILA Bia Varanis. Agradecemos ao Lucas e à Bia por essa participação no blog.



De forma atemporal e independente dos resultados, as eleições presidenciais na Venezuela refletem além das fronteiras. A simples expectativa por votações em nível federal, que coloca a densa crise política do país à prova, evoca mais do que um teste de fogo interno aos caribenhos. Pelo grande nível de desconfiança em torno da votação, o chavismo virou presa. E Maduro, por tabela, também.
Em 2014, quando Nicolás Maduro debutava no poder em Miraflores, sede do poder em Caracas, o país a noroeste da Amazônia ainda vivia o luto pela morte de Hugo Chávez. O icônico líder político, que assumiu o poder em 1999 com seu imaginário guerrilheiro, deixava a seu sucessor, em 2013, não só a missão de perpetuar uma forma controversa de fazer política, mas a necessidade de se blindar diante de um período que viria a ventar contra nos anos seguintes.   
O leme que guiava os rumos da América, antes virado à esquerda em meados de 2010, acompanhou o padecimento dos principais governos socialistas pelo continente. A saúde do chavismo, então, calhou de padecer junto com a de Chávez.
À medida que o vermelho desbota abaixo do Equador, Maduro, responsável por dar sequência à solidez representativa de Chávez, começava a sofrer com a crise. Sem o respaldo da esquerda nos países vizinhos e com a desvalorização do preço dos barris de petróleo, produto base da economia, o madurismo enfrentava sua primeira zona de turbulência.
Com a baixa da commodity somada à sucessiva chegada da centro-direita nas capitais latinas, a falta de carisma do novo presidente ficou evidente. Sem manejo para fazer boa diplomacia, viu a economia entrar em uma espiral inflacionária, com alta de preços estimada em 68,5% em 2014, de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do país.
O mandatário não conteve o efeito dominó. Em 2015, a inflação acumulada no país chegou a alarmantes 180%, à época a mais alta do mundo segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). O efeito afetou o Produto, que começava a recuar em larga escala diante da gestão conflituosa. No ano seguinte, as projeções jogavam taxas acima de 600%. A sucessão de erros seguia.
A derrocada econômica, que levava o Bolívar (moeda local) a uma desvalorização galopante – também por conta da emissão em excesso de papel-moeda – intensificou uma grava crise de abastecimento, tirando produtos básicos da gôndola de supermercados e farmácias e derrubando o poder de compra da população.
Para um governo de cunho social, que oscilava, segundo as críticas, entre o estigma de regime populista e uma mera tentativa de dar sobrevida ao assistencialismo, ver a população à míngua da fome e da escassez era um sinal de declínio. A partir desse ponto, a imagem da Venezuela no mundo além de seu território era de caos socioeconômico. E Nicolás Maduro seguia como personificação da ruína.
Política estremecida
Já imersa em um nevoeiro de fragilidade institucional que ajudou a derrubar a popularidade de Maduro ano a ano, o contexto político da Venezuela seguiu um script tempestuoso.
Ainda no primeiro semestre de 2017, o governo decidiu votar pela polêmica Assembleia Nacional Constituinte, um órgão de poder que, além de tomar o poder legislativo, poderia alterar leis, tomar decisões eleitorais e estaria, inclusive, acima das ordens presidenciais.
Desde o anúncio das votações, em maio daquele ano, manifestantes foram às ruas pelo veto da medida que, segundo eles, centralizava ainda mais o poder. O governo respondeu com repressão, deixando mais de 120 mortos e revelando uma intransigência característica dessa gestão feita com punho de ferro. Até agosto, pelo menos 70 fatalidades foram atribuídas a forças de segurança do governo, segundo a ONU.  A ideia de regime ganhava força.
Já cercada pelo abismo geral, mas respaldado pela ANC, Maduro entrou em 2018 fazendo pedidos emergenciais para que as eleições fossem antecipadas de dezembro para abril e, depois, para 20 de maio.  A cúpula internacional respondeu às alterações.
Sob acusações de fraude, a principal votação do país não deve ser reconhecida por órgãos do exterior, bem como por boa parte do Mercosul e pela política agressiva de Donald Trump, que não esconde seu posicionamento contrário ao que chama de “ditadura”.
As eleições podem tanto dar fim ao madurismo, como podem colocar mais seis anos em seu horizonte de liderança. Ainda que diga adeus ao cargo, Nicolás Maduro seguirá à sombra de Chávez no canto mais frio da desaprovação popular, entregando um país que patina na maior crise de sua história. Caso vença, terá a inevitável missão de recuperar a quarta nação mais populosa da América e tentar, enfim, sondar um legado que nunca existiu.  

Lucas Berti é jornalista e escreve sobre América Latina no Da Fronteira Pra Lá e também em seu twitter @lucasberti.

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