“Viver sem conhecer o passado é andar no escuro”
Partindo do personagem principal, que se torna imortal ao ser escolhido pelo Deus Munhã, e sua amada Janaína, que seguem lutando ao longo da História do Brasil contra Anhangá, que em muitas culturas indígenas representa o mal, o filme é centrado em quatro momentos, três deles, remontam momentos históricos brasileiros. O primeiro, os conflitos entre os Tupinambás, aliados aos franceses, e os Tupiniquins, aliados aos portugueses, o genocídio da nação Tupinambá pelos portugueses e a criação da Vila de São Sebastião do Rio de Janeiro, que posteriormente se torna a cidade do Rio de Janeiro, e a escravidão das crianças indígenas nas lavouras portuguesas de cana.
O segundo momento, retrata a Balaiada, revolta popular ocorrida entre 1838 e 1841 no Maranhão, que contou com ampla participação da população sertaneja, dos povos escravizados e dos Quilombolas, que cansados dos abusos dos agentes governamentais, se revoltam e após meses de batalha tomam a cidade de Caxias, tal conflito tomou tais proporções que gerou uma resposta feroz da corte portuguesa que, motivada pela recente independência do Haiti e temendo a perda de seu Império, abriu os cofres para o Cel. Luiz Alves de Lima e Silva, o qual foi responsável pelo massacre dos revoltosos e condecorado por seu feito, inicialmente como Barão e após como Duque de Caxias, atualmente é conhecido como Herói pacificador e patrono do exército Brasileiro, esse episódio também mostra como a fuga de Carinana, Raio e Sete Estrelas, bravos vaqueiros que eram também líderes na Balaiada, iniciou o movimento dos Cangaceiros, uma forma de continuar lutando contra as desigualdades e explorações da Coroa.
O terceiro momento se passa em 1968, no Rio de Janeiro, no contexto da Ditadura Militar, retrata a militância estudantil e sua passagem para as guerrilhas, mostra as mortes e torturas praticadas, em um segundo momento, demonstra como a realidade dos que vivem na favela fazem dos moradores das mesmas, novos cangaceiros, ou “Lampião da cidade”, nesse momento há uma frase que acho digna de nota: “Meus heróis nunca viraram estátua, morreram lutando contra os caras que viraram”.
O quarto momento do filme, é uma projeção de um novo conflito do personagem contra Anhangá, se passa em 2096, também na cidade do Rio de Janeiro, onde milícias particulares controlariam a segurança e ocorrida a privatização da água do Aquífero Guarani as desigualdades sociais se tornam ainda mais latentes e um copo d’água valeria mais que uma garrafa do melhor uísque e a população mais pobre viveria nos esgotos, bebendo água do mar contaminada e sendo morta sem julgamento. Nesse momento há referências sobre senso comum, apropriação de tudo em prol do lucro e a presença de um possível Presidente Pastor que afirma que “somente a fé do povo pode fazer que chova”.
A ficção se encerra com a conclusão de que “A única maneira de vencer Anhangá é não desistir”, e com frases de efeito como “O passado é o que está acontecendo agora” e “viver sem conhecer o passado é viver no escuro”, Bolognesi traz uma obra genial aos amantes de História Social Brasileira, aliada com os recursos da animação em estilo HQ. A trama é envolvente, provocativa, sensível e não teme mostrar as fraquezas, as dores e as realidades dos personagens, que mesmo fictícios, remontam e projetam as histórias daqueles que foram esquecidos pelos livros didáticos, além de nos dar uma nova ótica sobre os eventos.
Trailer do filme Uma História de Amor e Fúria: vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=e8pzqnvV4AY, acesso em 7 de dezembro de 2018.
Autora: Iara Siqueira Mills, estudante do quarto período de História - América Latina na UNILA.