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Argentinos no Uruguai e uruguaios na Argentina nos relatórios das comissões da verdade dos dois países: as pesquisas do Mestrado em História da UNILA

Prosseguimos com mais uma quinta-feira dedicada às pesquisas do Programa de Pós-Graduação em História da UNILA (PPGHIS). Hoje compartilhamos postagem do mestrando do PPGHIS Guilherme da Conceição de Lima, que apresenta sua pesquisa sobre uruguaios e argentinos nos relatórios das comissões da verdade dos dois países. Boa leitura!


 “El Vecino”: O Retrato de uruguaios na Argentina e de argentinos no Uruguai nas comissões da verdade de suas ditaduras.

O Museu Sitio de Memoria ESMA, memorial das vítimas da ditadura argentina (Imagem de https://zanzemos.com/museu-da-ditadura-na-argentina/, acesso em 28/05/2020)


A dissertação de mestrado “El Vecino”: O Retrato de uruguaios na Argentina e de argentinos no Uruguai nas comissões da verdade de suas ditaduras, busca estabelecer uma abordagem transnacional e conectada das ditaduras argentina e uruguaia durante as décadas de 1970 e 1980. A ideia da pesquisa enseja investigar as relações e os métodos de colaboração destes regimes ditatoriais no período em que foi instaurada a aliança no Cone Sul das ditaduras e da Operação Condor, no modo que fora montado um discurso e combate aos indivíduos considerados subversivos. Amparado pelas documentações existentes reunidas pelas comissões da verdade destes países (os “Nunca Más”), a pesquisa enseja discutir como fora articulada a visão construída do uruguaio na Argentina e do argentino no Uruguai, enquanto perduraram nestes países os regimes militares.
O projeto parte especificamente para uma mirada mais demorada sobre a memória do estrangeiro argentino e uruguaio, e sua construção dentro das comissões da verdade montadas por ambos os países após o fim de suas ditaduras nos anos 1980. Neste caminho trilhado, tem-se como centro perceber as nuances, narrativas e elaborações dos indivíduos e suas trajetórias enquanto prisioneiros políticos, privados de seus direitos mais básicos de existência, e de como as perspectivas de memória serão um fator fundamental para entender como fora retratado o “vecino” da outra margem do Rio da Prata nas comissões da verdade argentina e uruguaia.
A relação entre os regimes militares uruguaios e argentinos foi facilitada pela situação geográfica limítrofe dos países, tendo fronteiras extremamente permeáveis (terrestres e marítimas), contribuindo para as trocas e entendimentos dos militares para obter seus objetivos referentes ao combate dos opositores de seus regimes. Essa permeabilidade das fronteiras acarretou em inúmeras formas de translado fronteiriço. Esta configuração de mobilidade e circulação de pessoas no caso Argentina-Uruguai, tornava a permeabilidade das fronteiras evidente. Argentinos buscavam refúgio no Uruguai e vice-versa. Casos de repatriamentos forçados de cidadãos exilados entre estes países se tornou um operativo rotineiro.
O objetivo geral, portanto, é investigar como se deu a configuração da figura do argentino dentro das comissões da verdade uruguaia e do uruguaio nos seus homônimos argentinos e como posteriormente, estas comissões descontroem e desmistificam os argumentos utilizados pelas ditaduras de estarem combatendo um inimigo interno, agentes subversivos que ameaçavam a ordem institucional e os valores da civilização ocidental. A ideia com o estudo é perceber como se deu a presença do vizinho da outra margem do Rio da Prata retratado nas páginas de documentos como os Nunca Más, na elaboração do “outro”, seja este considerado um elemento subversivo ou agente responsável por ações de repressão orquestradas pelos estados autoritários platenses.
O referencial teórico da pesquisa é sobretudo ligado a estudos referentes a memória e direitos humanos. Estes concebem o norte do estudo, pois as principais fontes para a realização da pesquisa estão embasadas em documentos, registros e testemunhos do período que tratam diretamente com estes aspectos. A memória é ferramenta essencial para o historiador, porém o trato com a mesma deve ser de sumo zelo e delicadeza, pois muitas vezes a memória mexe com uma amálgama de subjetividades e temas espinhosos, tanto em nível individual quanto coletivo. No caso do presente trabalho, ele vai lidar com os relatos das comissões da verdade, de lembranças e testemunhos de uma memória e eventos traumáticos para as populações argentina e uruguaia, se relacionando diretamente com a dor advinda de um passado recente. Com isso, é essencial que o trato com a temática não possa ser de nenhuma maneira superficial ou leviano.
Nesta seara, a percepção dos direitos humanos é outro elemento utilizado como vetor para alavancar o trabalho. Partindo da memória construída dos crimes cometidos pelas juntas militares durante o período em que estiveram à frente dos governos, as comissões da verdade surgem como material utilizado no presente para levar aos tribunais aqueles que cometeram sistemáticas violações dos direitos humanos durante os regimes militares. O que se percebe então, é que a realização das comissões da verdade são uma concreta ação para resgatar partes da memória de toda a repressão, clima de terror e perseguição política realizada pelos regimes ditatoriais na América do Sul. Elas foram criadas com o intuito de não deixar que os crimes cometidos durante o estado de exceção, controlado pelas forças militares, não caia no esquecimento no âmbito político e social de cada país. Os Nunca Más acabam sendo instrumento muitas vezes utilizados pelas vítimas das ditaduras como prova perante os tribunais penais, para punir e trazer justiça para aqueles que sofreram com as arbitrariedades ocorridas enquanto perdurou o autoritarismo nas décadas de 1970 e 1980 no Uruguai e Argentina.

Guilherme Da Conceição De Lima – Mestrando do PPGHIS-UNILA
Orientador: Prof. Paulo Renato da Silva

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