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Da década de 1970 a 2020: Jacques Le Goff, a Nova História e as previsões sobre o futuro da historiografia


O historiador francês Jacques Le Goff (1924-2014) foi um dos maiores especialistas em Idade Média. O autor era membro da terceira geração da Escola dos Annales (1968-1989) e se dedicou à antropologia histórica do Ocidente medieval. Na obra A Nova História (1979), Le Goff discute as gerações dos Annales, defende o valor das memórias coletivas para a construção de narrativas históricas, aponta a necessidade do diálogo da história enquanto ciência com os outros saberes científicos e avalia como a história de pessoas comuns é tão relevante para os processos históricos quanto a história dos “Grandes Homens”.


Le Goff explica que há três fenômenos que indicam a emergência de um novo campo do saber como a Nova História. Um desses fenômenos é a afirmação das ciências, (sejam elas novas, ou surgidas a décadas), que atravessam a fronteira da divulgação universitária; a Sociologia é um bom exemplo disto. Outro ponto são as renovações em níveis de problemática, ou de ensino das ciências tradicionais. E o mais importante, a interdisciplinaridade que se traduz no surgimento de ciências compostas que se unem, como, por exemplo, a Antropologia histórica.
            Para Le Goff, no campo renovado das ciências, a história ocupa um lugar original. Esta deve sua originalidade a duas características fundamentais, a sua renovação total em termos de teoria e metodologia e o enraizamento dessa renovação em tradições sólidas e antigas. Além do mais, Le Goff aponta a importância da Geografia Humana para a Nova História na busca simultânea do Espaço-Tempo. A Cartografia (Mapas de Pesquisa e Explicativos) é um exemplo desta importância, pois ela justifica os desejos de longa duração inscritos no espaço.
            A Nova História não se contenta em abrir novos horizontes ou setores para si mesma. Ela deve se afirmar como História Geral, ou Total, reivindicando a renovação de todo o campo do saber histórico. Tendo dito isso, Le Goff defende que a história econômica não é e não poderia ser desvinculada da história social. A história é pura e simples em sua unidade, ela é toda social por definição.
          Uma das originalidades da Nova História está por um lado em se basear na longa e sólida tradição e por outro na revolta contra a história positivista que nasceu no século XIX. Le Goff esclarece que parte das conquistas técnicas do método positivista permanecem válidas. A Nova História apenas substitui o método que utilizava somente textos e documentos escritos, para uma multiplicidade de documentos: escritos de todo o tipo, documentos figurados, produtos de escavações arqueológicas, documentos orais etc. A Nova História ampliou o campo e a concepção de documentos históricos.


A base da Nova História é sem sombra de dúvidas a Escola dos Annales, explica Le Goff,  pois foi este grupo de historiadores que buscou somar a história econômica (que até então era ignorada pelos franceses) à história social, percebendo que os dois campos eram inseparáveis. Não por coincidência o projeto teve seu início em 1929, ano da quebra da bolsa de valores de Nova Iorque. Além disso, dos anos 1924 aos anos 1939 a luta dos Annales foi contra a história política (história-narrativa e história de acontecimentos), pois essas metodologias mascaram o verdadeiro jogo da história.
Le Goff faz críticas à noção de fato histórico por não haver realidade histórica acabada que se entregaria por si própria ao historiador. Os Annales desejam uma história problemática e não automática, uma história capaz de olhar para os problemas do tempo presente, uma história que permite compreender um mundo no qual a instabilidade é definitiva, uma história que vá além do Eurocentrismo. Deve-se recusar o ídolo das origens, ao mesmo ponto em que se deve estar atento às relações entre passado e presente, isto é, compreender o presente pelo passado, assim como o passado pelo presente. Para tanto, há a necessidade de um método seriamente regressivo. 
Para Jacques Le Goff, a Nova História foi definida pelo aparecimento de novos problemas e novos métodos que renovarão domínios que antes eram tradicionais. Isso principalmente por conta do aparecimento de novos objetos no campo da história que até então eram reservados somente à antropologia.

A história caminha mais ou menos depressa, porém as forças profundas da história só se deixam perceber ao longo do tempo, por isso há a necessidade de pensar a história a partir da longa duração. Um sistema econômico e social, por exemplo, muda lentamente. Karl Marx (1818-1883) compreendeu isso graças a seu conceito de modo de produção, bem como com a teoria da passagem da escravidão para o feudalismo. A longa duração também pode ser definida como uma medida da história, distinguindo os períodos pelos seus costumes, mentalidades ou de acordo com suas técnicas e formas energéticas.
Para Le Goff a história em curto prazo é incapaz de assimilar e explicar as permanências e mudanças, portanto é preciso estudar o que muda lentamente, o que corresponde às estruturas. A Nova História deve fazer com que as mudanças sejam mais bem compreendidas.

Para Le Goff era fundamental que houvesse diálogo entre a Nova História e os outros Campos da ciência. Os três Campos que mais dialogavam com a história naquele momento eram a psicanálise, a matemática social e as Ciências biológicas

Em relação à história das mentalidades, Le Goff esclarece que foram Lucien Febvre (1878-1956) e Marc Bloch (1886-1944), que primeiro foram atraídos pela psicologia coletiva e pelos fenômenos espirituais da história. Os dois abriram enfoques de uma história nova, a das mentalidades. No entanto, eles só exploraram dois aspectos desse novo domínio: a noção da aparelhagem mental e a de sensibilidade.


Le Goff promove um novo saber histórico, que exige uma nova concepção do documento e uma nova crítica desse documento. Para o autor o documento não é inocente e tampouco decorre apenas da escolha do historiador, pois o próprio documento é parcialmente determinado por sua época e por seu meio. Portanto o documento é produzido consciente ou inconscientemente pela sociedade de seu tempo.
É necessário que haja um "retratamento" da noção de tempo, a matéria da história, defende Le Goff. Deve-se demolir a ideia de um tempo único, homogêneo e linear e construir conceitos operacionais dos diversos tempos de uma sociedade histórica com base no modelo da multiplicidade dos tempos sociais.
Além disso, é fundamental que ocorra o aperfeiçoamento dos métodos de comparatismo permanentes, que possibilitem para os historiadores comparar apenas o que é comparável, evitando uma definição que coloque sob o mesmo rótulo realidades distantes no tempo e no espaço.
Le Goff demonstra uma preocupação com as ideias e teorias, pois até agora, a Nova História tentou escapar de dois perigos: ser sistemática de um lado e puramente empírica de outro, à imagem da escola positivista.

Para o historiador, havia três hipóteses para o futuro da história: 1) A história seguiria prosseguindo com uma experiência em relação às outras ciências humanas, absorvendo-as e tornando-se ciência global dos homens no tempo; 2) Ou poderia produzir uma fusão entre as três Ciências sociais mais próximas:  "história sociologia" ou "antropologia histórica"; 3) Ou deixaria de ser sem fronteiras e pararia de flertar com todas as outras ciências humanas. Assim a história criaria um novo território, operando um novo corte epistemológico.
 Em todo caso, Jacques Le Goff defendia que com a Nova História a ciência histórica se tornaria maior. Passados pouco mais de quarenta anos das previsões de Le Goff quanto ao futuro da história, para qual dos caminhos apontados pelo medievalista francês teria se dirigido a história?

Gilson José de Oliveira Neto, estudante do curso de História Bacharelado da UNILA, e bolsista do projeto de extensão Blog de História da UNILA

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