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O “Progresso” Atribuído Pela Revista Painel à Itaipu: Da Exaltação às Desilusões (1973-1978) – Parte II

Após 1976, quando as obras da construção da hidrelétrica de Itaipu seguem aceleradas, o crescimento populacional da cidade de Foz do Iguaçu ultrapassa cem mil habitantes e começam a aparecer alguns problemas logísticos no meio urbano iguaçuense, como a questão da habitação, aumento de comunidades carentes, falta de asfaltamento e, sobretudo, como enfatizado pela revista Painel, o descontentamento do empresariado da cidade. Segundo Emilio Gonzalez (2005), a população de Foz, antes da década de 1970, registrava cerca de 33 mil habitantes e atingiria seu maior número na década de 1990 com 270 mil habitantes. Esse grande número de pessoas que migraram para a região se atribui a duas causas: o aumento de vagas na obra de Itaipu (o que também fez crescer as atividades comerciais para atender à população crescente) e, na década de 1990, a paridade entre o real e o dólar que atraia visitantes à cidade e oportunidades de emprego no turismo de Foz do Iguaçu, no comércio de Ciudad del Este, no Paraguai, e na passagem de mercadorias “importadas” pela Ponte da Amizade.

Tendo em vista esses problemas, a Painel realiza uma série de críticas direcionadas à usina e à administração pública apontando que esses problemas eram um impedimento para o desenvolvimento da cidade.

O interessante em algumas dessas matérias da Painel de 1975 a 77, que tratam especificamente de assuntos relacionados à infraestrutura da cidade, à gestão pública e à Itaipu, é perceber que toda aquela idealização formada ao redor dos acordos de cooperação para o desenvolvimento da cidade entre o governo federal e o município, que preparariam a cidade e a desenvolveriam para receber a obra de Itaipu e que seguiriam após sua concretização, é sucedida por uma desilusão que se transforma em reivindicação – apesar de em algumas matérias a idealização da obra ainda estar presente.

Nesse período, a revista Painel representa muito fortemente os interesses do empresariado da cidade. Entretanto, chega a publicar, também, algumas matérias sobre a reivindicação de proprietários e camponeses que seriam deslocados pela formação do lago de Itaipu. Esse tipo de alfinetada que a Painel publicou na época pode ser verificado na matéria intitulada O adormecer de Alvorada do Iguaçu (PAINEL, jun. 1976 p. 20), na qual expõe a dificuldade que alguns comerciantes e fazendeiros de Alvorada do Iguaçu (região rural de Foz do Iguaçu) enfrentavam com as precárias e atrasadas indenizações dos terrenos que seriam submersos pelo lago no início da década de 1980, e a falta de comprometimento do governo federal com esses moradores.

Entre 1975 e 1976, a própria revista deixa a entender que o investimento em infraestrutura na cidade – que tem repercussão direta no comércio e no turismo – não estava sendo executado pelo governo federal e, quando executado, “processam-se as obras, no maior menosprezo ao público”, de maneira desordenada, “fruto da imprevisão, da irresponsabilidade administrativa" (MOREIRA, jul. 1976, p. 12).

Matéria escrita por António Moreira e publicada na Painel n°30 em julho de 1976. Imagem de obra não concluída no centro de Foz do Iguaçu


Ao final de 1977, o teor das matérias relacionadas à hidrelétrica e à administração pública volta a ser predominantemente positivo em relação à Itaipu e à administração pública, expondo elogios às obras tais como asfalto, conjuntos habitacionais e investimentos no turismo.

Voltando à análise de Langaro, apresentada na postagem anterior, o autor argumenta que os viajantes atribuíam o desenvolvimento futuro da região aos “homens ilustres e grandes empresários” (LANGARO, 2018, p. 175). Podemos notar que, desde o período em que foi assinado o tratado de Itaipu em 1973, surge uma esperança eufórica de que Itaipu resolveria todos os “atrasos” da região. Essa mesma noção a Painel atribui à Itaipu. O desenvolvimento econômico e social seria proporcionado por uma grande obra inovadora representando o desenvolvimento, a tecnologia e a inovação. Uma cidade esquecida no oeste paranaense, lembrada pela sua beleza natural e pelas fronteiras, passaria a conhecer o “progresso”. É interessante percebermos como a noção de progresso se apresenta como um processo linear que estaria em constante desenvolvimento. Além disso, comumente o que é usado para medir o nível de progresso de um local é a tecnologia, daí a relação que a revista estabelece entre Itaipu – “a maior hidrelétrica do mundo” – e o progresso da região. Essa noção de progresso que vimos nos autores do início do século XX, e que ainda presenciamos na década de 1970 quando a Painel trata de Itaipu, é baseada em um progresso que resultaria da tecnologia, do desenvolvimento das forças produtivas e da dominação crescente sobre a natureza.

Esse apego a modelos de desenvolvimento faz com que essas regiões que são caracterizadas à “margem” das grandes cidades – sobretudo as capitais – que possuem grandes centros industriais, fiquem secundarizadas por uma historicidade que as condena a uma percepção de “atraso”. Seguindo essa lógica, esse “atraso” só é revertido quando a tecnologia adentra nessas regiões. No caso de Foz do Iguaçu, Itaipu foi, aos olhos da Painel, a representação da superação do “atraso” nos primeiros anos da construção da usina. Contudo, as críticas feitas nas páginas da revista indicam como o “progresso” de Itaipu foi – e é – um processo pautado por tensões, não linear e tampouco cumulativo, não somente para os deslocados pela formação do lago, mas inclusive para setores empresariais favorecidos pela instalação da usina, ainda que o grau dos problemas vivenciados pelos grupos seja bastante diferente.

Em postagens posteriores pretendemos desenvolver como seguiu a cobertura da revista em relação à construção de Itaipu. Buscaremos analisar como, durante as obras, diferentes setores sociais da cidade e região são representados na e pela Painel. É necessário analisar, ainda, o cunho das críticas à usina em meio à ditadura militar. Ainda que o Brasil vivesse a “transição” para a democracia, Foz do Iguaçu permanecia como área de segurança nacional. Isso pode explicar, em parte, o equilíbrio instável entre os elogios e as críticas à Itaipu na revista Painel.

Referências bibliográficas
GONZALEZ, Emilio. Memórias que Narram a Cidade: experiências sociais na constituição urbana de Foz do Iguaçu. PUC/SP, 2005. Disponível em:<https://leto.pucsp.br/bitstream/handle/12772/1/EMILIO%20GONZALEZ.pdf>. Acesso em: 6 ago. 2020.
LANGARO, Jiani Fernando. Sertão, Civilização e Progresso Olhares sobre a Fronteira Brasil-Paraguai-Argentina (1896-1937). Territórios & Fronteiras, Cuiabá, vol.11, n.1, jan-jul., 2018. Disponível em: <http://www.ppghis.com/territorios&fronteiras/index.php/v03n02/article/view/806>. Acesso em: 06 ago. 2020.
MOREIRA. A. Por uma cidade mais humana. Painel. Foz do Iguaçu, ano IV, n.30, jul. 1976 p.12-13.
PAINEL. O adormecer de Alvorada do Iguaçu. Painel, Foz do Iguaçu, ano IV, n. 29, p. 20-21, jun. 1976.
 
Gustavo Alves Lima, estudante do curso de História-Licenciatura da UNILA e bolsista da Pró-Reitoria de Extensão (PROEX)


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