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Concepções de Tempo e História: experiências de tempo e formas de vida

Para o historiador, entender os conceitos de tempo é fundamental. Para  Fernand Braudel (1902-1985), esta era a especificidade de seu trabalho (Braudel, 1965), a temporalidade. É preciso conhecer o contexto dos acontecimentos e processos estudados e estes estão inseridos em um tempo. Para compreender a existência no tempo, é preciso entender a coexistência das temporalidades e durações, além dos processos de mudanças e continuidades.

Braudel apresenta os três tempos da história, sendo estes a longa duração, ou a estrutura, o tempo de média duração, a conjuntura e o de curta duração, o acontecimento. O passado não é um conjunto de acontecimentos independentes, estes estão ligados e interagem com diferentes durações. A conjuntura envolve um período de tempo maior que os acontecimentos, pode durar décadas. Já a estrutura tem uma temporalidade maior, passa por diversas gerações e é mais estável, porém não imutável. A estrutura envolve os acontecimentos delimitando as ações das pessoas. Mesmo que estas possam fazer suas escolhas livremente, só as fazem dentro das possibilidades existentes na estrutura.

Podemos observar o tempo a partir das perspectivas de diacronia e sincronia, sendo a primeira a passagem de tempo e a segunda os instantes ou presentes. Em cada sincronia seria possível fazer uma história diferente, alterando o futuro da diacronia, por isso cada momento histórico tem um leque de possibilidades. Ao olhar o passado, o historiador deve pensar nas possibilidades que existiam dentro da estrutura.

Para o conceito moderno de história, o tempo é uma flecha, apontando para passado e futuro, de forma linear, em direção ao progresso. Porém esta não é a única forma de se compreender o tempo, diferentes culturas tiveram e têm diversas concepções de tempo e formas de organizá-lo ou representá-lo. Na Grécia Antiga, o tempo não tinha nem começo nem fim, percorrendo infinitamente sobre uma circunferência, e algum acontecimento se repetiria quando chegasse ao mesmo ponto do círculo, fechando um ciclo. A China Antiga também tinha uma visão de tempo cíclico, porém este coexistia com um tempo que flui sobre uma linha reta infinita.

Na cultura japonesa estão presentes três tipos de tempo: o primeiro é o tempo histórico em linha reta, sem começo nem fim; o segundo tipo é o tempo rotativo, da natureza, também sem início ou fim, a sucessão das quatro estações; e o terceiro é o tempo da vida, limitado, com começo e fim. Os três tempos são voltados para uma ênfase no “viver o agora”.

As sociedades mesoamericanas e andinas também tinham diferentes cronótopos históricos. Os mesoamericanos tinham uma ideia de turnos sucessivos e regulares de tempo, em direção circular e reconheciam pluralidade de tempos que conviviam entre si. Os povos andinos viam o tempo como dois pólos do cosmo que existiam simultaneamente, sendo o superior hanan (presente) e o inferior hurin (passado/futuro). Além disso, o tempo não era contado de forma contínua e ininterrupta, seu calendário excluía o período entre a colheita e a plantação, por acreditarem que estes dias não tinham a mesma importância dos outros.

Louise vendo a escrita dos heptapods. Imagem disponível em https://listasnerds.com.br/10-curiosidades-sobre-o-filme-a-chegada/, acesso em 01/08/2023.
 

Para pensar uma forma diferente de tempo, podemos ver como exemplo o filme A Chegada, do diretor Denis Villeneuve. No filme, alienígenas chegam à terra e a linguista Louise Banks é chamada para tentar se comunicar com eles. Ela descobre uma linguagem circular, em logogramas, não linear, assim como o tempo para estes seres, os heptapods. O filme não segue uma linearidade de tempo: os acontecimentos, que no início parecem ser flashbacks, estão ligados e formam uma história em que passado, presente e futuro acontecem ao mesmo tempo. Ao aprender a linguagem dos alienígenas Louise começa a ver o tempo da mesma forma que eles.

 

Referências:

 

BRAUDEL, Fernand. História e Ciências Sociais: a longa duração. Revista de História, v.30, n 62, p. 261-294, 1965.

LINARES, F. N. ¿Dónde queda el pasado? Reflexiones sobre los cronotopos históricos. In. GUEDEA, V. El historiador frente a la historia del tiempo en Mesoamérica. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2004.

KATO, S. Tempo e espaço na cultura japonesa. São Paulo: Estação Liberdade, 2012.

 

Érika Francisca dos Santos, estudante de História da UNILA.

 

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