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“A PALAVRA DE MUSSOLINI SERÁ OUVIDA NO BRASIL”: PROPAGANDA E COLABORAÇÃO FASCISTA-INTEGRALISTA NAS PÁGINAS DO JORNAL “A OFFENSIVA”

    Os discursos, símbolos e figuras da extrema-direita vêm se tornando cada vez mais populares. Isso não acontece apenas com personalidades nacionais, como, por exemplo, o ex-presidente Jair Bolsonaro no Brasil ou Javier Milei na Argentina, mas também com figuras nacionalistas internacionais que passam a ser assimiladas por setores da direita de outros países, inclusive na América Latina. Foi o que ocorreu com a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos em 2024, fato que gerou grande reação em grupos bolsonaristas brasileiros, que comemoraram a eleição do empresário estadunidense (O GLOBO, 06/11/2024).             Nos anos 1930,ocorria a ascensão de movimentos fascistas e inspirados no fascismo em todo o planeta, e no Brasil não foi diferente. Fundada em 1932 pelo escritor e jornalista Plínio Salgado (1895-1975), a Ação Integralista Brasileira foi o primeiro partido político de mobilização nacional no país, e uma das instituições partidárias mais relevantes naquele contexto (TRINDADE, 1979). 
     Buscamos com esse texto analisar, de forma breve, um trecho sobre um discurso do ditador fascista italiano Benito Mussolini (1883-1945), presente no periódico integralista A Offensiva. Com o auxílio de bibliografia específica sobre o tema, pretendemos demonstrar que o fascismo italiano e o integralismo brasileiro não somente possuíam laços de colaboração ideológica entre si, principalmente relativos à propaganda italiana no Brasil, como também que a imprensa periódica era um dos principais instrumentos utilizados por essa aliança. Desse modo, aspiramos, com essas reflexões, mostrar que as relações de simpatia e apoio entre atores e grupos políticos de direita não são uma novidade. 

  A PROPAGANDA FASCISTA NO BRASIL 
     De acordo com João Fábio Bertonha (2007), a Itália fascista tardou em iniciar um movimento massivo de propaganda do regime ao redor do mundo, pois em um momento inicial, principalmente nos anos 1920, o governo de Mussolini estava mais preocupado na manutenção do regime no próprio país (BERTONHA, 2007, p. 84). Entretanto, isso não quer dizer que não houvesse propaganda fascista fora da península itálica. Os Estados Unidos foram um importante alvo dessa divulgação, com o uso de instituições como o The Italian American Society e o The Institute of Italian Culture (órgãos não-governamentais voltados para a comunidade ítalo-americana em território estadunidense) (BERTONHA, 2007, p. 84-85). 
     No Brasil, durante esse período, os instrumentos de propaganda eram focados, principalmente, em atingir italianos e descendentes de italianos residentes no país. No entanto, esses instrumentos eram poucos e precários, se resumindo ao meio cultural, com a distribuição de livros sobre a Itália e com financiamentos de viagens de jornalistas brasileiros à Roma (BERTONHA, 2007, p. 85). 
    É na década de 1930 que tudo muda de figura, com a criação de departamentos específicos de propaganda pelo governo de Mussolini, que teriam um impacto substancial fora da Itália, inclusive em território brasileiro (BERTONHA, p. 86). Esse impacto, todavia, não teria o mesmo peso se o interesse fascista no Brasil não tivesse crescido na primeira metade dos anos 1930, com a propagação da cartilha ideológica sendo o principal meio de concretizar esse interesse (BERTONHA, 2007, p. 86-87). 
    Com a Itália de Mussolini “crescendo os olhos” ao potencial de expansão ideológica na América, iniciou-se um envio em massa de artigos, fotos e outros materiais para serem publicados em jornais brasileiros, além da potencialização dos métodos de propaganda já citados (BERTONHA, 2007, p. 86-87). A propaganda do “Duce”, porém, não se limitava a materiais escritos, havendo também a vinculação da exibição de filmes italianos e de programas e discursos de Mussolini via transmissão direta de rádio, como nas rádios Inconfidência, de Belo Horizonte, Gaúcha, de Porto Alegre, e Cultura, de São Paulo (BERTONHA, 2007, p. 92). Contudo, as retransmissões não foram o principal foco da propaganda fascista no país, papel que cabia à imprensa periódica. Isso se deu, segundo Bertonha, pela América Latina não constituir um alvo prioritário das atividades radiofônicas do governo italiano, e pelo processo de retransmissão no continente contar com dificuldades técnicas (BERTONHA, 2007, p. 92). 
     O potencial de penetração dos ideais nacionalistas no país por meio da imprensa não foi percebido somente pelos fascistas italianos. Muito pelo contrário, segundo Oliveira (2009), os periódicos integralistas exerceram um papel fundamental para a popularização do integralismo no Brasil, pois foram responsáveis pela divulgação e difusão de suas doutrinas (OLIVEIRA, 2009, p. 14). Isso acontecia pois a propaganda, através de jornais e revistas, tinha um custo consideravelmente baixo, permitindo com que um número maior de tiragens fossem produzidas e distribuídas ao público, tornando o acesso aos ideais integralistas muito mais fácil a um grande número de pessoas (OLIVEIRA, 2009, p.14-15). 
     A partir de 1936, devido ao crescimento exponencial do integralismo como força política no Brasil, o governo fascista italiano, que antes via a AIB como adversária e concorrente, passa a apoiar o movimento, enviando subsídios financeiros aos integralistas (BERTONHA, 2001, p. 86-87). Essa mudança nas relações entre Roma e o integralismo tinha o objetivo de afastar a influência de Berlim em setores do partido de Plínio Salgado, além de constituir uma tentativa de atrair o Brasil para o polo ideológico do Eixo (BERTONHA, 2001, p. 87). A aproximação entre fascistas e integralistas passou, portanto, a reverberar também na propaganda presente nos periódicos da AIB. 

 O JORNAL A OFFENSIVA E O DISCURSO DE MUSSOLINI 
     Nesse sentido, conforme José d' Assunção Barros (2021), os jornais atuam como meios extremamente eficazes na captação de massas, visto que não somente informam, como também buscam transmitir ideias e valores (BARROS, 2021, p. 425). Através destes, procuram transformar e influenciar os contextos nos quais estão inseridos (BARROS, 2021, p. 145-146). 
    No caso dos integralistas, existiram cerca de 138 jornais com o objetivo de difundir a ideologia do movimento em todo o seu o período de existência, distribuídos nacional, regional e localmente (SENTINELO, 2011 apud ALMEIDA, 2019, p. 115). O jornal “A Offensiva” era um desses órgãos periódicos do integralismo no país, e com 748 edições, foi um dos principais e mais longevos jornais-propaganda do movimento. Editado no Rio de Janeiro, à época, capital da república, e dirigido por Madeira de Freitas (1893-1944), o jornal circulou em todos os estados do país entre 1934 e 1938 (PASCHOALETO, 2011, p. 156). 
      edição em que se encontra o trecho de nosso interesse se trata do número 323 do periódico, publicado em 29 de outubro de 1936. Já na primeira página, temos, no canto inferior esquerdo, a seguinte manchete: “A palavra de Mussolini será ouvida no Brasil”. Em seguida, junto a uma fotografia do ditador, a matéria anuncia: “No próximo dia 1 de novembro, domingo, das 12 ás 12.20 horas, Benito Mussolini dirigirá um discurso ao povo italiano (grifo meu), evocando a Marcha sobre Roma, cujo 15° anniversario transcorreu hontem” (A OFFENSIVA, 29/10/1936). 

Figura 1: Printscreen de A Offensiva, 29/10/1936, p. 1.

     O texto continua afirmando que o pronunciamento, que estaria “despertando grande interesse no mundo”, motivou uma solicitação do Ministério de Imprensa e Propaganda da Itália ao Departamento de Propaganda da AIB, pedindo sua retransmissão nos rádios brasileiros. A matéria informava, em seguida, que o diretor do dito departamento integralista já estava tomando as providências necessárias para que emissoras de rádio interessadas em retransmitir o discurso no Brasil o pudessem fazê-lo (A OFFENSIVA, 29/10/1936). 
     É interessante relembrar: o discurso, que seria, evidentemente, transmitido em língua italiana, era dirigido ao “povo italiano”. A intenção da retransmissão era, portanto, muito clara: influenciar e impactar politicamente a grande comunidade de imigrantes e de descendentes de imigrantes italianos residentes no país, seja nos grandes centros urbanos, seja nas colônias rurais dos interiores. 
     Na mesma edição, inclusive na mesma página, há uma cobertura sobre outro discurso que o “Duce" havia realizado no dia anterior, ainda como parte das comemorações organizadas pelo governo fascista em relação ao aniversário da Marcha sobre Roma. Segundo o jornal, Mussolini, “rodeado de immensa multidão”, entregou medalhas a combatentes da guerra contra a Etiópia no continente africano, e após adentrar ao palácio do governo, “se dirigiu ao povo”, dizendo que o próximo ano seria de ainda mais glórias para a Itália, e que esta lutaria “até a última gota de sangue pelo Império” (A OFFENSIVA, 29/10/1936). 

Considerações finais 
   Com esse breve texto, buscamos trazer, primeiramente, um histórico da propaganda fascista italiana fora do continente europeu, especialmente no Brasil. Em seguida atestamos a importância que a imprensa periódica teve para a disseminação dos ideais integralistas no país, e como ela foi também utilizada pelo governo fascista com esse mesmo propósito em território brasileiro, através da vinculação de materiais de propaganda nas páginas dos jornais. 
     Ademais, entendemos que a descrição e os anúncios de retransmissões de discursos de Benito Mussolini nos rádios brasileiros eram parte fundamental desse mecanismo de propaganda, através da colaboração de jornais integralistas, como “A Offensiva”. Vimos, por fim, em um pequeno trecho, como esse mesmo jornal descreveu em suas páginas um discurso do ditador italiano e anunciou a retransmissão de outro via rádio. 
     Compreender a colaboração de grupos fascistas e inspirados pelo fascismo nos anos 1930 é importante para nos auxiliar a identificar padrões e táticas em grupos políticos da atualidade, especialmente em personagens e agentes mais à direita. É necessário esclarecer que esse texto abrange apenas um pequeno recorte, e que o tema é passível de uma série de problemáticas a serem estudadas. 

Referências Bibliográficas 
ALMEIDA, Daniela Moraes de. O jornal A Offensiva e seu papel nas relações entre os fascismos da América do Sul: o caso entre a Legión Cívica Argentina e o Integralismo brasileiro. IN: GONÇALVES, Leandro Pereira; 
SIMÕES, Renata Duarte. Entre tipos e recortes: histórias da imprensa integralista. V. 3. Autografia, Rio de Janeiro, 2019. 
BARROS, José D'Assunção. Sobre o uso dos jornais como fontes históricas: uma síntese metodológica. Revista Portuguesa de História, Coimbra, v. 52, 2021, p. 397-419. 
BERTONHA, João Fábio. Divulgando o Duce e o Fascismo em terra brasileira: a propaganda italiana no Brasil, 1922–1943. Revista de História Regional, v. 5, n. 2, 2007. ______. Entre Mussolini e Plínio Salgado: o Fascismo italiano, o Integralismo e o problema dos descendentes de italianos no Brasil. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 21, nº 40, 2001, p. 85-105. 
OLIVEIRA, Rodrigo Santos de. Imprensa integralista, imprensa militante (1932-1937). Tese (Doutorado em História) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. 
O GLOBO. Bolsonaristas comemoram vitória de Trump nas redes sociais: 'Contra tudo e contra todos’. 06 de novembro de 2024. Disponível em: https://oglobo.globo.com/blogs/sonar-a-escuta-das-redes/post/2024/11/bolsonaristas-comemoram-vitoria-de-trump-nas-redes-sociais.ghtml. Acesso em 28/03/2025 às 20:13. 
PASCHOALETO, M. A. As percepções acerca do Nazismo presentes nas páginas do jornal integralista A Offensiva. Revista Espaço Acadêmico (UEM) , v. 10, 2011, p. 155-162. 
TRINDADE, Hélgio. Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 30. Difel, 2º edição, São Paulo, 1979. 

Fontes 
A OFFENSIVA. Rio de Janeiro, Ano III, Nº 323, 29 de outubro de 1936. Fundo Plínio Salgado. Arquivo Público Histórico de Rio Claro/SP. 

Diego Monteiro, estudante de História - Licenciatura da UNILA

Revisão: Rosangela de Jesus Silvaprofessora da área de História da UNILA.

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