“Núcleo Integralista, Núcleo Proletário”: Os trabalhadores e os sindicatos no jornal integralista “A Offensiva”
1. INTRODUÇÃO
Em outubro de 1932, o político e escritor brasileiro Plínio Salgado (1895-1975) publicou o manifesto que seria a base doutrinária de um dos maiores movimentos político-sociais de extrema direita da América Latina, o Integralismo. Com fortes inspirações fascistas, o movimento logo alcançou um grande número de adeptos e militantes, e marcou os cenários político e social brasileiros da primeira metade do século XX.
Um dos principais meios de propaganda e comunicação da Ação Integralista Brasileira (AIB) foi a imprensa periódica, sobretudo através do jornal A Offensiva, publicado no Rio de Janeiro e distribuído nacionalmente entre 1934 e 1938 (Oliveira, 2009, p. 151).
Através deste texto, considerando A Offensiva como nossa fonte de pesquisa, buscamos analisar criticamente a seção sindical do jornal em três diferentes números publicados entre 03 e 05 de novembro de 1936. Tratam-se, respectivamente, das edições 327, 328 e 329 do periódico. Nesta análise, procuramos compreender como os integralistas responsáveis pela publicação do jornal enxergavam o “proletariado”, as atividades sindicais na década de 1930 e o próprio papel do integralismo para com os trabalhadores.
Estudar os periódicos de movimentos autoritários no Brasil na primeira metade do século XX, bem como entender como eles buscavam se comunicar com uma classe trabalhadora, se faz pertinente para que possamos compreender o conjunto de estratégias que determinados grupos políticos adotavam para buscar exercer um controle sobre os trabalhadores.
2. A OFFENSIVA
Além de ter sido o primeiro movimento de massas no Brasil organizado nacionalmente, e ter conseguido o expressivo número de mais de meio milhão de filiados pelo país, a Ação Integralista Brasileira foi também, segundo Oliveira, o primeiro partido ou movimento brasileiro a se utilizar radicalmente e sistematicamente da imprensa como um meio fundamental de propaganda (Oliveira, 2009, p. 14).
A extensa rede de jornais e revistas doutrinárias do Integralismo chegou a mais de 100 periódicos e foi, para Oliveira, a principal forma de inserção social do movimento no Brasil dos anos 1930. Entre os de maior relevância, havia a revista Anauê!, os jornais O Monitor Integralista e A Razão, além da fonte tratada neste texto, A Offensiva.
A Offensiva nasceu com status de órgão oficial da AIB no país. Até sua criação, de acordo com Oliveira, havia uma carência em relação a um projeto de expansão ideológica do movimento, de forma organizada, com uma doutrina planificada (Oliveira, 2009, p. 151). O objetivo do jornal era justamente levar os dogmas do integralismo a todos os cantos e lares do país.
O jornal possuía como principais objetivos a “difusão da ideologia integralista, a doutrinação dos militantes e a consolidação e manutenção do poder pessoal de Salgado dentro da Ação Integralista Brasileira” (Oliveira, 2009, p. 166). Além disso, enquanto principal veículo de comunicação e propaganda da AIB, o periódico foi base e inspiração para uma série de outros periódicos integralistas, mesmo que estes não possuíssem os mesmos recursos para publicação (Oliveira, 2009, p. 166).
3.O PAPEL SOCIAL DOS JORNAIS E O JORNAL COMO FONTE HISTÓRICA
De acordo com José d'Assunção Barros (2005), os jornais funcionam como um poderoso canal de comunicação, projetado para alcançar e engajar grandes públicos ou parcelas consideráveis da população. Eles se destacam por sua capacidade de cobrir uma vasta gama de temas de interesse público, embora haja também publicações mais focadas em nichos específicos, como economia, ciência, humor ou esportes (Barros, 2005, p. 590).
Para o(a) historiador(a), e não somente para ele(a), os jornais não constituem apenas meios de informação, mas principalmente meios de comunicação. Isso acontece pois, segundo Barros, os jornais não mostram apenas informações, mas também comunicam ideias e valores. Além disso, eles representam múltiplos interesses, formando um campo complexo onde diversos fatores interagem entre si (Barros, 2005, p. 590).
Considerar o jornal como um tipo de ‘fonte realista’, uma fonte que, embora possa mentir, distorcer ou manipular informações, ainda assim se apresenta ao leitor como comprometida em transmitir a realidade, exige compreender que o discurso realista veiculado pelos jornais está longe de ser neutro (Barros, 2005, p. 592).
4.A SEÇÃO SINDICAL EM A OFFENSIVA
Nas três edições abordadas, identificamos algumas palavras de ordem na parte superior da página, onde havia duas frases ao lado do título da seção. Do lado esquerdo: “Trabalhadores do Brasil uni-vos contra o capitalismo e contra o communismo”; enquanto do lado direito: “O integralismo dará aos trabalhadores trabalho, salário justo e educação”.
Printscreen de A Offensiva, n. 327, 05/11/1936, p. 9.
A primeira frase reforça a posição anticomunista do jornal e do integralismo, mas carrega mais do que isso. Parece-nos uma referência ao verso final do Manifesto Comunista de Karl Marx e Friedrich Engels, mas adaptado e ressignificado à ideologia e aos interesses integralistas. Os alvos da convocação não são os “proletários do mundo”, mas os “trabalhadores do Brasil”. Mais do que um chamado à classe trabalhadora, há uma evocação do aspecto nacional destes trabalhadores, isto é, o aspecto do nacionalismo surge como um elemento importante para o integralismo.
Ao convocar os trabalhadores a lutar contra o capitalismo, o jornal manifesta o apelo ao anticapitalismo da ideologia integralista. Essa posição buscava, a nosso ver, pautar o integralismo como um movimento que entenderia e lutaria contra as injustiças sociais e condições de exploração vividas pelos trabalhadores naquele período, se colocando como uma alternativa ao modelo capitalista e a outras ideologias que circulavam entre militantes operários, sobretudo, é claro, ao comunismo.
A segunda frase, por sua vez, são promessas feitas à classe trabalhadora em um futuro Estado Integral, organizado de forma corporativa. De acordo com João Fábio Bertonha (2013), o pensamento corporativo de Miguel Reale – outro expoente do integralismo brasileiro – previa um Estado de “colaboração entre classes”, onde a figura do “bom patrão” era bem vista (Bertonha, 2013, p. 274-275). Logo, o integralismo concederia boas condições de vida aos trabalhadores, prometendo salários justos, instrução e garantia plena de emprego. Entretanto, isso não necessariamente significaria a emancipação do proletariado, muito menos um rompimento com a estrutura de classes.
Na página sindical da edição 327, há um texto do político Jeová Mota (1907-1992), uma importante figura do integralismo no nordeste brasileiro e fundador da Legião Cearense do Trabalho (LCT), grupo nacional-sindicalista que se incorporou à AIB em 1932. Denominado “A verdadeira politica dos syndicatos”, o texto aborda a função dos sindicatos na ideologia integralista. Na visão de Mota, os integralistas seriam grandes estudiosos da situação sindical do Brasil naquele período, e deveriam “esclarecer as massas trabalhadoras sobre a melhor maneira dellas defenderem seus direitos e prerogativas em tudo o que diz respeito aos seus syndicatos” (A Offensiva, n. 327, 03/11/1936, p. 9).
O texto de Mota acentua bem o papel que o sindicato e suas atividades teriam para o integralismo. O sindicato constituiria um órgão ativo de controle e orientação da classe trabalhadora. Caberia aos integralistas, grandes estudiosos, que conheceriam os verdadeiros problemas dos trabalhadores, liderar suas lutas e os guiar em direção às suas reivindicações. Para justificar isso, Mota apela ao fator mais sagrado para os integralistas: sua doutrina.
Mota publicou mais um texto dedicado à questão sindical na edição 328, denominado “Integralismo e syndicato”. Novamente, o político destaca o dever dos integralistas para com as atividades sindicais e repete os mesmos argumentos do texto anterior. Além disso, cita na íntegra e ressalta alguns pontos do manifesto integralista de outubro de 1932. Segundo Mota, este demonstraria uma suposta “base sindicalista” da doutrina do integralismo e a sonhada importância que os sindicatos teriam na estrutura político-econômica do futuro Estado Integral brasileiro. O trecho citado por Mota é o seguinte: “Extinctos os partidos, o governo municipal repousará na VONTADE DAS CLASSES. Dentro destas, nenhum influencia estranha poderá ser exercida, porque todos se sentem AMPARADOS PELA PROPRIA CLASSE a que pertencem” (A Offensiva, n. 328, 04/11/1936, p. 9).
É importante ressaltar que o conceito de “classe” para o integralismo diferia muito da concepção marxista ou liberal. As classes seriam grupos profissionais que atuariam de forma orgânica na sociedade organizada no Estado Integral, cada qual com sua própria função. Os indivíduos se inscreveriam em suas respectivas classes, que os representariam nas diferentes instâncias governamentais do Estado (Câmaras Municipais, Congressos Provinciais e Congresso Geral) (Salgado, 1932).
Para Jeová Mota, isso seria uma mostra de que o integralismo levaria em conta os interesses das profissões para organizar o futuro governo. O indivíduo, amparado por sua classe, se sentiria forte para lutar contra as injustiças e influências de outros indivíduos ou grupos mais poderosos. Para o autor, o integralismo faria do sindicato o espelho da vontade popular, impedindo que interesses políticos ou econômicos deturpassem suas ações. Ressalta ainda a responsabilidade do sindicato em suprir as necessidades de trabalho, acabando com as “humilhações dos pedidos de emprego”.
Na edição 329, de 05 de novembro de 1936, reparamos em mais um texto de Jeová Mota, novamente com o tema do sindicalismo, mas, desta vez, um pouco distinto dos anteriores. Em “Itabirito”, Mota inicia destinando o texto a todos aqueles que acusavam o integralismo de ser um movimento de “reacção burgueza e de sentido anti-proletario”. A essas pessoas, ele fazia o convite para que fossem até a cidade mineira de Itabirito, que tivessem contato com os trabalhadores que lá viviam e que visitassem o núcleo integralista local. Segundo Mota, quem o fizesse veria que a cidade era um importante centro industrial, com várias fábricas de tecido, curtume (manejo de couro) e sapatarias. Lá existiria um “operariado trabalhador, honesto, mas sujeito a soffrimentos e injustiças sem conta” (A Offensiva, n. 329, 05/11/1936, p. 9).
Conforme Mota, em Itabirito haveria uma ampla negação de direitos básicos aos operários, além de altos níveis de exploração. Seria no núcleo integralista da cidade, uma “salinha modesta", que os trabalhadores reclamavam suas dores e direitos e onde juntavam “forças para a caminhada pela sua libertação”. Para Mota, o núcleo era exemplo para todo o Brasil, pois seu chefe seria um operário, assim como seus secretários e oradores.
É nítida a correlação que Mota faz entre os sindicatos, os trabalhadores e o integralismo. É como se, para Mota, não existisse integralismo sem sindicalismo, assim como o contrário. Em todos os textos que analisamos, ao defender a AIB de acusações de ser um partido anti-proletariado, Mota busca disputar influência e espaço ideológico nas massas. Com o comunismo em crescente expansão e popularização entre os movimentos operários e com o declínio de ideologias como o anarquismo no Brasil, o integralismo buscava também garantir seu lugar entre essas populações, e o jornal A Offensiva constituiu um dos instrumentos para isso.
5.CONCLUSÃO
A análise da seção sindical do jornal A Offensiva nas edições de 03, 04 e 05 de novembro de 1936 revela as complexas estratégias de propaganda e doutrinação da Ação Integralista Brasileira (AIB) voltadas à classe trabalhadora brasileira durante seu auge de popularidade. O periódico, como "órgão oficial da AIB", buscava ativamente ressignificar o papel dos trabalhadores e sindicatos, apresentando o integralismo como uma alternativa ao capitalismo e, sobretudo, ao comunismo.
Os textos de Jeová Mota, figura importante do Integralismo, destacam o dever dos militantes de atuar nos sindicatos, concebidos como "órgãos adequados" para a defesa dos direitos dos trabalhadores. Essa atuação visava controlar e orientar a classe operária, defendendo uma suposta "base sindicalista" da doutrina integralista e a importância dos sindicatos na estrutura de um futuro Estado corporativo. A crítica ao comunismo, acusado de promover a "doutrina da submissão" , em contraste com a "coragem, a esperança" e o "Amor à Pátria" integralista , sublinha a disputa por influência entre as massas.
É importante ressaltar que este trabalho é apenas um recorte e que, para uma melhor compreensão desse tema na imprensa integralista, seria necessário uma pesquisa que se aprofundasse melhor na questão dos trabalhadores e sindicatos, analisando uma amostragem maior de edições do jornal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, José D’Assunção. Considerações sobre a análise de jornais como fontes históricas, na sua perspectiva sincrônica e diacrônica. História Unisinos 26(3):588-604, Setembro/Dezembro 2022 Acesso em 14 mar.2025. Disponível em: https://revistas.unisinos.br/index.php/historia/article/view/21514.
BERTONHA, João Fábio. O pensamento corporativo em Miguel Reale: leituras do fascismo italiano no integralismo brasileiro. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 33, nº 66, 2013, p. 269-286.
SALGADO, Plínio. Manifesto de 7 de outubro de 1932. Disponível em https://integralismo.org.br/manifesto-de-7-de-outubro-de-1932/. Acesso em 05/07/2025 às 18:28.
OLIVEIRA, Rodrigo Santos de. Imprensa integralista, imprensa militante (1932-1937). Tese (Doutorado em História) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.
FONTES
A Offensiva. Rio de Janeiro, Ano II, Nº 327, 03 de novembro de 1936. Fundo Plínio Salgado. Arquivo Público Histórico de Rio Claro/SP.
A Offensiva. Rio de Janeiro, Ano II, Nº 328, 04 de novembro de 1936. Fundo Plínio Salgado. Arquivo Público Histórico de Rio Claro/SP.
A Offensiva. Rio de Janeiro, Ano II, Nº 329, 05 de novembro de 1936. Fundo Plínio Salgado. Arquivo Público Histórico de Rio Claro/SP.
Diego Monteiro e Laura Maria Casuin Nunes, estudantes de História - Licenciatura da UNILA.
Revisão: Paulo Renato da Silva – professor da área de História da Unila.