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No “Alcorão” não há Camelos.

          O escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) foi polêmico. De qualquer maneira, seu estilo irônico e provocador segue estimulando reflexões atuais. A seguir, uma crítica ao nacionalismo nas artes e no pensamento:
          “Creio que Shakespeare se teria assombrado se tivessem dito que, como inglês, não tinha o direito de escrever Hamlet, de tema escandinavo, ou Macbeth, de tema escocês. O culto argentino da cor local é um recente culto europeu que os nacionalistas deveriam rejeitar por ser forâneo.
          Encontrei dias atrás uma curiosa confirmação de que o verdadeiramente nativo costuma e pode prescindir da cor local; encontrei esta confirmação na História do Declínio e Queda do Império Romano, de Gibbon. Gibbon observa que no Alcorão, livro árabe por excelência, não há camelos; creio que se houvesse alguma dúvida sobre a autenticidade do Alcorão, bastaria essa ausência de camelos para provar que ele é árabe. Foi escrito por Maomé, e Maomé, como árabe, não tinha por que saber que os camelos eram especialmente árabes; para ele eram parte da realidade, não tinha por que distingui-los; em compensação, a primeira coisa que um falsário, um turista, um nacionalista árabe teriam feito seria povoar de camelos, de caravanas de camelos, cada página; mas Maomé, como árabe, estava tranqüilo: sabia que podia ser árabe sem camelos.” (O escritor argentino e a tradição. Obras Completas de Jorge Luis Borges. São Paulo: Globo, 1998. p. 291-292. v. I).
          Trata-se de uma crítica pertinente para ajudar na construção da UNILA. Poderíamos resumir o problema colocado do seguinte modo: o que é particular da América Latina e o que é universal?
          Prof. Paulo Renato da Silva.

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