A seguir, artigo que publiquei no Jornal do Tocantins em 23 de junho do ano passado:
"Na edição 320 da revista Veja, de 23 de outubro de 1974, foi publicada uma extensa reportagem sobre os desafios enfrentados pelos médicos no Brasil. Parte da reportagem tratou da experiência pioneira desenvolvida por Eduardo Manzano e sua esposa Heloísa em Porto Nacional: ambos, ainda residentes na cidade, são os fundadores da COMSAÚDE, entidade que desde 1969 desenvolve ações junto à comunidade nas áreas de saúde, desenvolvimento e educação. Vejamos como foi iniciada a parte sobre Porto Nacional:
“A recepção que Porto Nacional, um sonolento município goiano que se aninha entre os sopés da selva amazônica e as barrancas do Tocantins, ofereceu, há seis anos, a Eduardo Manzano e a sua mulher, Heloísa, compareceram apenas anônimos piuns, pernilongos e moscas. Nos dias seguintes, os recém-chegados forasteiros travaram contato com as baratas e os ratos, defrontaram-se com a miséria e a promiscuidade, chocaram-se com a resignação e a indiferença.” (p. 104).
No Brasil, não é novidade para ninguém que há um desequilíbrio entre as regiões do país. Entretanto, costumam ser destacadas apenas as disparidades econômicas. Na reportagem acima vemos um desdobramento dessas disparidades na “cultura nacional”: a imagem de que o norte do país seria um espaço dominado pela natureza e, portanto, sem História, como mostram o destaque dado aos animais e o emprego das palavras “sonolento”, “resignação” e “indiferença”.
Na edição 324, de 20 de novembro de 1974, foi publicada uma crítica de Eduardo Manzano à reportagem:
“Sr. Diretor: Lamentamos que o quadro sobre Porto Nacional (...) não tenha refletido a realidade de nossa experiência que é a substituição do caráter personalista do médico pelo trabalho de equipe de saúde. Por outro lado, houve desvirtuamento de nossa entrevista, uma vez que informamos que, por se tratar de um município há muitos anos bem servido de médicos, nossa chegada não causou repercussão, o que foi entendido que só pernilongos e moscas nos receberam.” (p. 10-11).
Contudo, a crítica de Eduardo Manzano foi publicada na seção de cartas de leitores da revista. Foram apenas treze linhas; a reportagem sobre Porto Nacional tinha recebido duas metades de página. É bastante provável que a imagem transmitida pela reportagem tenha repercutido muito mais do que a carta de Manzano.
O episódio mostra o quanto é difícil superar a imagem do norte enraizada na “cultura nacional”: a repórter Lucila Camargo – como destaca a revista, uma “paulista de Campinas” – veio à região, mas parece ter enxergado apenas o que já existia em sua cabeça.
O caso indica, ainda, que a “integração nacional” necessita ir além de aeroportos, estradas, ferrovias e pontes e precisa incluir ações que promovam a produção cultural da região e que garantam mais espaço para o norte nos meios de comunicação de massa.
Em tempo, todas as edições da Veja – desde a primeira, publicada em 1968 – podem ser consultadas no site <http://acervoveja.digitalpages.com.br>. Trata-se de um material que oferece vastas e variadas possibilidades de pesquisa."
“A recepção que Porto Nacional, um sonolento município goiano que se aninha entre os sopés da selva amazônica e as barrancas do Tocantins, ofereceu, há seis anos, a Eduardo Manzano e a sua mulher, Heloísa, compareceram apenas anônimos piuns, pernilongos e moscas. Nos dias seguintes, os recém-chegados forasteiros travaram contato com as baratas e os ratos, defrontaram-se com a miséria e a promiscuidade, chocaram-se com a resignação e a indiferença.” (p. 104).
No Brasil, não é novidade para ninguém que há um desequilíbrio entre as regiões do país. Entretanto, costumam ser destacadas apenas as disparidades econômicas. Na reportagem acima vemos um desdobramento dessas disparidades na “cultura nacional”: a imagem de que o norte do país seria um espaço dominado pela natureza e, portanto, sem História, como mostram o destaque dado aos animais e o emprego das palavras “sonolento”, “resignação” e “indiferença”.
Na edição 324, de 20 de novembro de 1974, foi publicada uma crítica de Eduardo Manzano à reportagem:
“Sr. Diretor: Lamentamos que o quadro sobre Porto Nacional (...) não tenha refletido a realidade de nossa experiência que é a substituição do caráter personalista do médico pelo trabalho de equipe de saúde. Por outro lado, houve desvirtuamento de nossa entrevista, uma vez que informamos que, por se tratar de um município há muitos anos bem servido de médicos, nossa chegada não causou repercussão, o que foi entendido que só pernilongos e moscas nos receberam.” (p. 10-11).
Contudo, a crítica de Eduardo Manzano foi publicada na seção de cartas de leitores da revista. Foram apenas treze linhas; a reportagem sobre Porto Nacional tinha recebido duas metades de página. É bastante provável que a imagem transmitida pela reportagem tenha repercutido muito mais do que a carta de Manzano.
O episódio mostra o quanto é difícil superar a imagem do norte enraizada na “cultura nacional”: a repórter Lucila Camargo – como destaca a revista, uma “paulista de Campinas” – veio à região, mas parece ter enxergado apenas o que já existia em sua cabeça.
O caso indica, ainda, que a “integração nacional” necessita ir além de aeroportos, estradas, ferrovias e pontes e precisa incluir ações que promovam a produção cultural da região e que garantam mais espaço para o norte nos meios de comunicação de massa.
Em tempo, todas as edições da Veja – desde a primeira, publicada em 1968 – podem ser consultadas no site <http://acervoveja.digitalpages.com.br>. Trata-se de um material que oferece vastas e variadas possibilidades de pesquisa."
Para pensarmos: como conciliar a integração latino-americana com a nacional? Vale lembrar que problemas muito semelhantes existem no interior da maioria dos países latino-americanos.
Prof. Paulo Renato da Silva.