Nas aulas de América Latina de hoje, comentamos sobre o papel da Guerra das Malvinas (1982) na última ditadura militar argentina (1976-1983). Dentre outros pontos, falamos sobre o grande apoio recebido inicialmente pelos militares ao ocuparem as Ilhas Malvinas.
O escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) era um antiperonista ferrenho e apoiou o golpe de 1976. Porém, se distanciou dos militares e foi uma das vozes – um tanto isoladas – que se manifestaram contra a Guerra das Malvinas desde o início. O conto Juan López e John Ward, a seguir, é quase um testemunho do escritor sobre o confronto:
“Coube-lhes por sorte uma época estranha.
O planeta tinha sido dividido em diversos países, cada um provido de lealdades, de queridas memórias, de um passado sem dúvida heróico, de direitos, de agravos, de uma mitologia peculiar, de próceres de bronze, de aniversários, de demagogos e de símbolos. Essa divisão, cara aos cartógrafos, auspiciava as guerras.
López nascera na cidade junto do rio imóvel; Ward, nos arredores da cidade pela qual caminhou Father Brown. Estudara castelhano para ler o Quixote.
O outro professava o amor a Conrad, que lhe fora revelado numa sala de aula da rua Viamonte.
Talvez tenham sido amigos, mas viram-se uma única vez frente a frente, em umas ilhas muitíssimo famosas, e cada um dos dois foi Caim, e cada um, Abel.
Foram enterrados juntos. A neve e a decomposição conhecem-nos.
O fato que narro passou-se em um tempo que não podemos entender.” (BORGES, Jorge Luis. Juan López e John Ward. Obras Completas de Jorge Luis Borges. São Paulo: Globo, 1999. v. III. p. 560).
Prof. Paulo Renato da Silva.