No trecho a seguir, E. H. Carr explora o sentido da História na Antiguidade, ou a inexistência dele:
“Tal como as antigas civilizações da Ásia, a civilização clássica greco-romana era basicamente desprovida do sentido da história. (...) Heródoto como pai da história teve poucos continuadores; e os escritores da Antiguidade Clássica, de um modo geral, não se preocuparam muito nem com o futuro nem com o passado. Tucídides acreditava que nada de significativo tinha ocorrido anteriormente aos acontecimentos por ele narrados, e que não era provável que acontecesse algo de importante posteriormente. Lucrécio inferiu a indiferença do homem em relação ao futuro da sua insensibilidade relativamente ao passado:
“Considerem o modo como épocas passadas de tempo eterno, anteriores ao nosso nascimento, não constituíram assunto de nosso interesse. Isto é um espelho que a natureza nos coloca à frente, relativo ao tempo futuro posterior à nossa morte.”
As visões poéticas de um futuro melhor tomavam a forma de visões de um retorno à passada idade de ouro – uma perspectiva cíclica que assimilava os processos da história aos da natureza. A história não era uma deslocação para algum objectivo: por não existir um sentido do passado, também não se tinha um sentido do futuro. Apenas Virgílio, que na sua quarta écloga tinha dado um retrato clássico de um regresso à idade do ouro, teve uma inspiração momentânea na Eneida para quebrar com a visão cíclica: ‘Imperium sine fine dedi’ foi um pensamento destituído de características clássicas que, mais tarde, grangeou a Virgílio a fama de ser reconhecido como um profeta quase cristão.
Foram os Judeus e, posteriormente, os Cristãos que introduziram um elemento totalmente novo, ao postularem uma meta em direcção à qual se deslocava o processo histórico – o ponto de vista teleológico da história. Desta maneira, a história adquiria um sentido e um objectivo, à custa da perda do seu caráter secular. A consecução de uma meta significaria automaticamente o fim da história: ela própria transformada numa teodiceia.” (CARR, E. H. Que é a História? Lisboa: Gradiva. p. 91-92).
O que o autor destaca sobre o sentido da História na Antiguidade – ou sobre a inexistência dele – nos leva a pensar, por exemplo, sobre como projetamos para o passado características, elementos e necessidades surgidos e consolidados posteriormente. Frequentemente tomamos “Heródoto” como “os gregos” e, assim, assumimos como cânone algo que originalmente não era expressivo nem mesmo em sua própria sociedade.
Para pensar: a que meta se refere o autor quando menciona a novidade introduzida por judeus e cristãos no sentido da História?
Prof. Paulo Renato da Silva.