“De maneira geral, as cartas podem ser divididas em duas categorias. De
um lado estão as cartas da população sem uma intenção determinada, apenas de
agradecimento, congratulações e homenagem. Pessoas que haviam conseguido um
emprego outra vez, por exemplo, agradeciam por ter de novo comida suficiente. Outros
adoravam Hitler com euforia devido a seus sucessos políticos, como a anexação
da Áustria ao Reich alemão. (...).
(...).
A segunda categoria pode ser descrita como cartas de demandas e pedidos.
“Pessoas absolutamente normais” esperavam de Hitler uma melhora de sua situação
social. A esse grupo pertenciam aqueles que realmente vegetavam abaixo do
limite da pobreza. Mas entre eles incluíam-se também os que se consideravam
rebaixados em sua classe social ou que tinham a impressão de ser pressionados
pelos comerciantes alemães.
O terror estatal cada vez maior também teve como consequência um aumento
das petições de clemência. Porém, todos os pedidos que chegavam às chancelarias
de Hitler para que libertassem o marido, filho, cunhado ou tio preso, iam
diretamente para os arquivos sem respostas ou eram encaminhadas para o Reichsführer da SS Heinrich Himmler. (...).
(...).
A quantidade e o conteúdo das cartas estavam, como esperado, diretamente
associados aos acontecimentos políticos. Imediatamente após a tomada do poder e
depois da anexação da Áustria, Hitler recebeu muitas cartas entusiásticas.
No bem-sucedido ano de 1934, também houve, porém, vozes críticas. Entre
elas, estavam cartas de judeus que se sentiam feridos em sua honra e exigiam de
Hitler que a recuperasse. Durante a guerra, Hitler recebeu muito menos cartas,
o que leva a crer que a confiança em sua pessoa diminuíra. Essa descoberta não é
nova. Ian Kershaw já chamara a atenção nos anos 1980 para a decadência do “mito
de Hitler” em sua análise detalhada de relatos da atmosfera na época. Götz Aly
corroborou a recente descoberta com alguns indicadores confiáveis, por exemplo,
a diminuição da poupança ou a redução da cota de recém-nascidos com o nome
Adolf.
(...). Não há dúvida: os alemães viram em Hitler o novo “Messias”, o “redentor”,
o “salvador” da vergonha e da desonra. Eles o viram como o Führer que os
levaria da miséria profundamente sentida do Tratado de Versalhes, a “Paz
vergonhosa de 1919” ,
a alturas nunca antes alcançadas.
(...).
Mesmo assim, houve pessoas que rejeitaram o regime completamente ou que
estipularam um limite pessoal dizendo “até aqui e não mais adiante”. Algumas
delas se opuseram. A escala do comportamento opositor ia da emigração interna
até a recusa total. Alguns se esforçaram, e nem sempre foram bem-sucedidos,
para manter a “decência” e a “honra” no dia a dia. (...).” (EBERLE, Henrik. Cartas para Hitler. São Paulo: Planeta,
2010. p. 13-16).
Prof. Paulo Renato da Silva.
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