O craque argentino Diego Armando Maradona.
Em tempos de Olimpíadas e de preparação do Brasil para sediar a Copa do
Mundo de 2014, segue uma interessante análise sobre a Copa do Mundo de 1978
realizada na Argentina em plena ditadura militar. Já que o mundo todo estava
com os olhos no país, por que os argentinos não aproveitaram a oportunidade
para protestar em massa contra os militares?
“A relação entre política e esporte é essencialmente cultural: quanto e
como se poderá manipular politicamente o esporte depende de como e quanto de
esporte existe nas raízes da cultura de massas. Para os argentinos, o futebol
tem uma enorme importância social e simbólica; para muitas representações
culturais e identidades populares, uma dimensão significativa do que os
argentinos são, e são no mundo, é futebolística. Dado que a disputa, nessa
oportunidade, seria em casa, para muitos não havia desculpas: ganhar equivalia
a confirmar a auto-imagem futebolística nacional, ao passo que perder seria uma
humilhação. Por outro lado, as ambigüidades da relação política-esporte
apresentam dificuldades à compreensão histórica. Não é fácil tirar conclusões,
por exemplo, do fato de que o público alemão presente ao estádio nas Olimpíadas
de Berlim de 1936 ovacionou – diante de uma tribuna de autoridades nazistas
semivazia e silenciosa – Jesse Owens, norte-americano e negro, em seus triunfos
atléticos. Que importava aos alemães, esportivamente
falando, que um estrangeiro, um “não-ariano”, ganhasse os cem metros rasos?
Quanto mais central é, dentro de um universo cultural, um esporte, tanto mais
provável que, numa competição internacional, seus efeitos de identidade sejam
capturados pelas oposições ideológicas coletivas do nacionalismo. Sobretudo se,
como acontece no caso argentino, o nacionalismo é ao mesmo tempo um componente
ideológico-cultural de primeira ordem nas identidades sociais e populares. Em
1978, este vínculo de ordem mais geral se encarnou em um contexto específico: o
Mundial foi vivido por muitos como uma oportunidade para recompor a auto-estima
maltratada por sucessivos fracassos e frustrações. O leitor ao qual pareça
chocante ou inverossímil o que acaba de ler, poderá julgar de interesse
declarações como as de Ernesto Sábato (...). Ernesto Sábato, homem de letras,
declarou:
Isto é prova de maturidade, de nobreza, de mobilização
popular plena de generosidade e desinteresse. Algo muito encorajador [...]
Minha hipótese é que a Argentina sofreu tantos revezes [sic] nacionais, que se voltou para esta competição como se quisesse
mostrar aos estrangeiros e mostrar ou demonstrar a si mesma que é capaz de
levar a cabo algo, e algo nada desdenhável. Não sou patrioteiro, mas devo
confessar que este fato me emocionou. Em meio a tantas tristezas, quando a vida
é cada dia mais dura, me comove a reserva de paixão nacional que há em nosso
povo (La Razón, 13.06.1978).
(...).
Quem pôs o dedo na ferida deste entusiasmo argentino foi um sarcástico
Jorge Luis Borges (Somos, 23.06.1978):
“não é possível que um país se sinta
representado pelos jogadores de futebol. É como se nos representassem os
dentistas. A Argentina tem duas coisas que nenhum país do mundo possui: a
milonga e o doce de leite. Querem mais identidade do que isso?” (NOVARO,
Marcos; PALERMO, Vicente. A Ditadura
Militar Argentina (1976-1983): do golpe de Estado à restauração democrática.
São Paulo: EDUSP, 2007. p. 209-211).
Prof. Paulo Renato da Silva.
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