Benvenuto Cellini - Saleiro de Francisco I (1543) - Kunsthistorisches Museum, Viena.
Já vimos como a arte está associada a um
sentimento de admiração na cultura ocidental. Mas é muito pouco para
conceituarmos o que é arte. Jorge Coli acrescenta que a arte é marcada pelo supérfluo,
ou seja, por aquilo que não é vital para os homens. A arte não teria, portanto,
uma função específica e muitos objetos perdem a sua utilidade original quando
ganham o estatuto de arte. No entanto, isso não deve ser visto necessariamente como
algo negativo:
“Mário de Andrade disse uma vez que a arte
não é um elemento vital, mas um elemento da vida. Não nos é imediatamente
necessária como a comida, as roupas, o transporte e descobrimos nela a
constante do supérfluo, do inútil. (...).
Benvenuto Cellini, em 1540, realiza, para o
rei Francisco I da França, um saleiro. Mas “um saleiro que em nada se assemelha
aos saleiros comuns”, como diz o próprio artista em suas memórias, pois se
trata de uma extraordinária escultura dos deuses do mar e da terra, Netuno e Ops,
sobre um pedestal ricamente ornado (...). A desproporção entre a função banal e
o trabalho artístico é evidente e assinala fortemente o quanto a arte significa
supérfluo.
Não se trata apenas de embelezamento, de
ornamento. Trata-se de algo próprio à ideia que possuímos da arte. Em nossa
cultura, ela se encontra no domínio da pura gratuidade. (...).
Já vimos como a instalação de um objeto em
museus transforma-o em arte. A colher de pau de minha avó, o porta-garrafas, a
roda de bicicleta, o mictório de Duchamp, colocados em pedestal ou vitrina,
permitem a eclosão de sentimentos, de instituições evocadoras. A forma da
colher, os traços que o tempo nela deixou, o eriçamento do porta-garrafas, a
beleza abstrata da roda de bicicleta, a estranheza do mictório, surgem como por
encanto. Mas, ao mesmo tempo, note-se que esses objetos perderam sua função
utilitária: “artística”, a colher de pau deixou de fazer sabão. Sua
transformação em arte acarretou o gratuito: ela não faz mais parte de um
sistema racional de utilidade. E, livre, o supérfluo emerge como essencial.
(...).
Tentemos explicar melhor. No passado, e ainda
hoje, os objetos artísticos possuíram funções sociais e econômicas que
permitiram sua constituição e seu desenvolvimento: antes de ser arte, (...)
[um] crucifixo foi objeto de culto (...). Da igreja (...) para o museu (...) a
passagem impõe a perda da função primitiva.” (COLI, Jorge. O que é Arte. 15 ed. São Paulo: Brasiliense, 1995. p. 87-91).
Peças sacras do Museu Aleijadinho de Ouro Preto, Estado de Minas Gerais.
Prof. Paulo Renato da
Silva.