Apesar das mudanças em curso, o conceito de arte ainda é bastante conservador e pautado por uma tradição europeia. Diante disso, como encarar o artesanato, tão comum entre nós latino-americanos? A seguir apresentamos um resumo dos debates sobre o artesanato, a partir do livro Culturas Híbridas de Néstor García Canclini:
“Por que tão poucos artesãos chegam a ser reconhecidos como artistas? (...). Ao conceber-se a arte como movimento simbólico desinteressado, um conjunto de bens “espirituais” nos quais a forma predomina sobre a função e o belo sobre o útil, o artesanato aparece como o outro, o reino dos objetos que nunca poderiam dissociar-se de seu sentido prático. (...). [Além disso,] A Arte corresponderia aos interesses e gostos da burguesia e de setores cultivados da pequena burguesia, desenvolve-se nas cidades, fala delas e, quando representa paisagens do campo, faz isso com óptica urbana. (Disse bem Raymond Williams: “Uma terra que se trabalha não é quase nunca uma paisagem; a própria idéia de paisagem supõe a existência de um observador separado”.) O artesanato, ao invés disso, é visto como produto de índios e camponeses, de acordo com sua rusticidade, com os mitos que aparecem em sua decoração, com os setores populares que tradicionalmente o fazem e o usam.
(...).
O outro argumento rotineiro que opõe a Arte à arte popular diz que os produtores da primeira seriam singulares e solitários enquanto os populares seriam coletivos e anônimos. (...).
(...).
Não faltam autores que ataquem essa divisão. Mas foram quase sempre folcloristas ou antropólogos preocupados em reivindicar o valor artístico da produção cultural indígena, historiadores da arte dispostos a reconhecer que também existem méritos fora das coleções dos museus. Essa etapa já deu resultados estéticos e institucionais. Demonstrou-se que nas cerâmicas, nos tecidos e retábulos populares é possível encontrar tanta criatividade formal, geração de significados originais e ocasional autonomia com respeito às funções práticas quanto na arte culta. Esse reconhecimento deu entrada a certos artesãos e artistas populares em museus e galerias.” (CANCLINI, 2003, p. 242-245).
Referências bibliográficas:
CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas. São Paulo: EDUSP, 2003.
Prof. Paulo Renato da Silva.