Hoje a
Argentina dorme enlutada com mais um acidente ferroviário e, novamente, na
linha Sarmiento, cujo nome homenageia o presidente Domingo Faustino Sarmiento
(1868-1874), justamente um dos principais entusiastas das ferrovias no país.
Sarmiento
acreditava que as ferrovias garantiriam a ocupação e integração do território e
viabilizariam o desenvolvimento das comunicações e do comércio. Tratava-se de
um instrumento da “civilização” contra a “barbárie” dos povos originários e do
interior do país. As ferrovias foram um dos principais símbolos da tradição
liberal do país, um elemento central na imagem da Argentina “europeizada”.
Os
argentinos chegaram a ter um dos sistemas ferroviários mais
expressivos da América Latina. Porém, o acidente de hoje, além da evidente comoção
provocada pelas mortes e feridos, tem algo de simbólico: acentua uma crise de autoimagem
da Argentina que vem de longo tempo, mas que se acentuou com a ditadura militar
e, mais recentemente, com a crise de 2001. No caso das ferrovias, a crise é
atribuída, sobretudo, às privatizações da década de 1990, a “década menemista”.
A
estatização de parte das ferrovias anunciada há poucos dias pelo governo da
presidente Cristina Kirchner demonstra o peso das ferrovias não apenas na
economia, mas também na identidade nacional. Resta saber se o governo conterá a crise do sistema ferroviário ou contribuirá para o seu agravamento. Temo que a segunda hipótese
seja a mais provável.
Em tempo, existem reações positivas a essa crise de autoimagem: setores da sociedade argentina têm rompido com a imagem de país “europeizado” e, gradualmente, buscado e valorizado as tradições dos povos originários e afro-americanos, como já destacamos aqui em outras oportunidades.
Em tempo, existem reações positivas a essa crise de autoimagem: setores da sociedade argentina têm rompido com a imagem de país “europeizado” e, gradualmente, buscado e valorizado as tradições dos povos originários e afro-americanos, como já destacamos aqui em outras oportunidades.
Llegada del Ferrocarrill a Cordoba (1871), de Luis Gonzaga Cony. No quadro, o trem "avança" em direção à catedral da cidade, uma alegoria da razão/ciência "vencendo" a religião. No centro, na parte superior, retratos de Sarmiento e do presidente Bartolomé Mitre (1862-1868), respectivamente, à esquerda e à direita do observador.
Prof.
Paulo Renato da Silva.