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A história na era digital - parte IV

Apresentamos hoje a última parte de nossa entrevista com Pedro Telles da Silveira (UFRGS), que nos proporcionou um diálogo muito rico a respeito da prática da história na era digital. A entrevista completa, com tradução para o espanhol, será disponibilizada posteriormente em link aqui no blog.

Pedro Afonso Cristovão dos Santos: Em termos de ensino e pesquisa, que considerações metodológicas você julga necessário incorporar aos cursos de história, para situar melhor os estudantes nessa nova realidade de arquivos digitais?

Pedro Telles da Silveira: O chamado “letramento digital” me parece ser proveitoso para os estudantes de história atuais e futuros. Trata-se de um conhecimento ainda restrito à curiosidade intelectual e profissional dos estudantes, e não de saberes que foram incorporados institucionalmente às grades curriculares dos cursos de história. Creio que algumas noções básicas de programação deveriam fazer parte já do currículo escolar, afinal trata-se de uma linguagem com a qual nos defrontamos cotidianamente. Isso não deveria ser feito às expensas das humanidades, retiradas dos currículos para dar espaço às novas tecnologias e disciplinas. Por fim, tem-se de considerar que as condições para isso ser feito no Brasil de modo satisfatório ainda estão muito longe de serem alcançadas, uma vez que existem outras questões a respeito da educação que são muito mais urgentes.
No caso do ensino universitário, contudo, penso que uma mudança significativa seria ensinar os estudantes de história a atuarem como parte daquela cadeia de produção do conhecimento que mencionei anteriormente. Atualmente se discute a respeito da profissionalização e a inserção de historiadores e historiadoras em espaços alternativos à academia, mas em que momento se ensinará os futuros historiadores e historiadoras a preencher editais de financiamento, formulários de avaliação, coordenar ou realizar a prestação de contas de projetos? Parecem questões insignificantes, mas são problemas enfrentados por graduandos e graduados em história quando atuam profissionalmente e que eles têm de aprender na prática.
Por isso, não creio que os historiadores ou historiadoras precisem necessariamente saber programar ou criar uma identidade visual para suas iniciativas, mas uma alteração significativa em sua formação já seria se eles ou elas soubessem onde encontrar o programador ou o designer que os auxiliarão a realizar seus projetos, que aí sim serão interdisciplinares.

Pedro Afonso Cristovão dos Santos: Por fim, você gostaria de recomendar alguma leitura essencial a respeito de História Digital?

Pedro Telles da Silveira: Existe uma bibliografia interessante sendo produzida no Brasil a respeito da história digital em suas interfaces com a história contemporânea e com a história pública, da qual destaco os trabalhos de Anita Lucchesi (2014), atualmente doutoranda em Luxemburgo, os quais são ao mesmo tempo pioneiros e representam o estado da arte da reflexão no ambiente acadêmico brasileiro. Além dessa bibliografia, existem os trabalhos do infelizmente já falecido Roy Rosenzweig, nome de ponta do campo nos Estados Unidos, e os historiadores ligados ao Center for History and New Media, que produzem uma interessante reflexão sobre o tema.  Existe, também, a produção italiana sobre o assunto, bastante extensa e que pode ser acessada facilmente em periódicos como Diacronie e Memoria e Ricerca.  Na França, por fim, um nome a ser destacado é o de Serge Noiret (2015), um dos responsáveis por essa ligação entre a história digital e a história pública.
Considero, todavia, que os caminhos para a reflexão passam por uma diálogo intenso e uma apropriação efetiva dos debates de outras áreas. Existem muitas obras relevantes sendo produzidas nos campos da teoria da comunicação e dos software studies que abordam problemas com os quais os historiadores e historiadoras poderão em muito ganhar. O trabalho de Lev Manovich (2001; 2013) é um exemplo, além de outros que citei ao longo dessa entrevista. Os problemas levantados não são somente metodológicos ou historiográficos, mas também filosóficos, teóricos e políticos. Por esse motivo, há um campo muito grande a explorar – e ele será melhor estudado caso se olhe para além das fronteiras da disciplina histórica.

Referências:

LUCCHESI, Anita. Digital History e Storiografia digitale: estudo comparado sobre a escrita da história no tempo presente (2001-2011). Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em História Comparada/UFRJ, 2014, dissertação de mestrado.

MANOVICH, Lev. Software Takes Command. New York/London: Bloomsbury, 2013.

_____. The Language of New Media. Cambridge, Mass.: The MIT Press, 2011.

NOIRET, Serge. “História Pública Digital”, in Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, pp. 28-51, maio 2015.

Prof. Pedro Afonso Cristovão dos Santos


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