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“Se não fosse a Dandara eu levava chicotada”

Nosso blog retorna de férias com um post especial, escrito pela estudante do curso de História - América Latina da UNILA Marina T. Costa, como parte da disciplina de Introdução à História, ministrada pelo Prof. Paulo Renato da Silva. Em seguida, publicamos a tradução da postagem para o espanhol, feita pela estudante da UNILA Mariela Raquel Melgarejo López. Boa leitura!


O funk carioca enquanto manifestação cultural das massas brasileiras tem tanto sua origem quanto seu desenvolvimento diretamente relacionado com o estilo de vida e as experiências dos sujeitos nas periferias e favelas do Rio de Janeiro. Mesmo que sua receptividade por outros segmentos de classe tenha aumentado e o preconceito cultural elitista com o gênero venha se dissipando, ainda é por meio dele que os marginalizados dos centros urbanos nacionais encontram expressão para suas vivências e, através das suas produções artísticas, pode-se vislumbrar diversos campos de conflito como o racismo velado, as opressões de gênero e a desigualdade social.
O presente texto tem como propósito, partindo dessa concepção do funk carioca e de uma produção específica do gênero, analisar uma desconstrução e reapropriação, feita pela perspectiva dos marginalizados, das identidades produzidas por meio das bases ideológicas da sociedade brasileira.
MC Carol – nome artístico da jovem negra da periferia de Niterói, Carolina de Oliveira Lourenço – lançou em julho de 2015 a música “Não Foi Cabral”. O que primeiro chamou atenção da mídia foi o conteúdo inesperado da letra. Sem fazer referência a temas que são recorrentes tanto para a artista individualmente quanto para o estilo em geral, a composição tratava do acontecimento histórico da chegada das caravelas portuguesas ao litoral do Brasil.
Professora me desculpe
Mas agora vou falar
Esse ano na escola
As coisas vão mudar
Nada contra ti
Não me leve a mal
Quem descobriu o Brasil
Não foi Cabral [...]
(MC Carol – “Não foi Cabral”)
      A cantora inicia a música contestando a narrativa eurocêntrica proposta pelas instituições de ensino que ameniza as violações praticadas pelos “conquistadores”. Além da composição problematizar o uso do termo “descobrimento” para tratar da chegada dos europeus ao Brasil, ela aborda o genocídio dos índios e a luta dos negros escravizados no país. O funk, dentre outras expressões populares, torna-se não somente um meio de expressão de excluídos, como também um meio de resgatar a memória dos mesmos, restabelecendo um outro ponto de vista narrativo da formação da sociedade brasileira.

Ninguém trouxe família
Muito menos filho
Porque já sabia
Que ia matar vários índios

13 Caravelas
Trouxe muita morte
Um milhão de índio
Morreu de tuberculose

Falando de sofrimento
Dos tupis e guaranis
Lembrei do guerreiro
Quilombo Zumbi

Zumbi dos Palmares
Vítima de uma emboscada
Se não fosse a Dandara
Eu levava chicotada
 (MC Carol – “Não foi Cabral”)
Nas últimas estrofes a causa negra, questão na qual MC Carol está pessoalmente envolvida, como ressalta no último verso, é destacada. A compositora aproxima o sofrimento dos índios e dos negros, grupos sociais que são historicamente marginalizados. Além de evidenciar a causa negra, a discussão contesta a narrativa forjada para justificar uma identidade nacional, que embora coloque o afrodescendente e o indígena como elementos da formação mítica do povo brasileiro, os subjugam e os mantém na condição de inferiorizados.
A partir do engajamento, utilizando o funk como meio de expressão, a perspectiva de outros grupos sociais constrangidos vem à superfície. MC Carol reafirma sua identidade enquanto mulher negra periférica por meio do resgate da heroína Dandara e traz outra perspectiva sobre a história levando em consideração a memória de outras classes excluídas.

Bibliografia consultada:

        BOECKEL, Cristina. Professores analisam funk de MC Carol que contesta a história do Brasil. Globo, 09/07/2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/musica/noticia/2015/07/professores-analisam-funk-de-mc-carol-que-contesta-historia-do-brasil.html>. Acesso em: 10 de Maio de 2016.
COUTO, J. A Construção do Brasil: ameríndios, portugueses e africanos, do início do povoamento a finais de quinhentos. Lisboa: Edições Cosmos, 1995.
CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios no Brasil: história, direitos e cidadania. São Paulo: Claro Enigma, 2012.
ORTZ, Renato. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo: Brasiliense, 2006.
FERREIRA, Marieta de Moraes; FRANCO, Renato. Identidade e memória. História: reflexão e ensino. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013.


Marina Tubbs – estudante do curso de História – América Latina da UNILA.

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