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Eu não sou seu negro (2016): o racismo na história dos Estados Unidos

O documentário Eu não sou seu negro (2016), dirigido pelo cineasta e ativista haitiano Raoul Peck, traça um panorama e uma análise crítica do racismo na história dos Estados Unidos a partir de obra não concluída do escritor James Baldwin (1924-1987). Baldwin, autor de romances, ensaios, peças de teatro e poemas, além de militante e ativista social, registrou, no escrito Remember This House, seu convívio com três ativistas históricos do movimento pelos direitos civis nos EUA: Medgar Evers (1925-1963), Malcolm X (1925-1965) e Martin Luther King Jr. (1929-1968).
Três militantes com distintas filosofias, e diferentes concepções sobre a questão racial nos EUA, bem como sobre as formas de luta a serem adotadas. Evers, militante da National Association for the Advancement of Colored People (NAACP [Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor]), defendia o fim da segregação em espaços públicos e instituições como universidades, por meio de ações públicas (como boicotes), jurídicas e políticas. Malcolm X, convertido ao Islã e membro, durante certo tempo, da Nation of Islam, defendia o pan-africanismo, bem como a autodeterminação e autodefesa da população negra. Martin Luther King, ministro batista, defendia direitos civis para os negros por meio da não-violência e da desobediência civil. Em comum, os três acabaram compartilhando um destino trágico, em três assassinatos que marcaram a luta pelos direitos civis e a história norte-americana nos anos 1960.
O documentário, narrado pelo ator Samuel L. Jackson, retrata os encontros e o convívio de James Baldwin com os três ativistas, apresentando suas impressões sobre cada um. Tendo suas vidas e mortes como eixo, e a década de 1960 como pano de fundo inicial, o documentário resgata a própria história de vida de Baldwin, e suas percepções, desde a infância, sobre a questão racial em seu país. Um intelectual brilhante, Baldwin analisou o racismo na sociedade americana a partir de uma profunda reflexão sobre a cultura do país; desde as promessas não cumpridas de igualdade e liberdade, até a construção, pelo cinema e outros meios de comunicação de massa, da imagem de heroísmo associada ao homem branco (reforçada, em especial, pelo cinema de faroeste norte-americano, simbolizado pelos personagens interpretados por John Wayne), tendo por contraparte a marginalização do negro. Assim, além do profundo texto que serve como narrativa do filme, o documentário é particularmente interessante nos momentos em que reproduz cenas de filmes clássicos do cinema americano acompanhadas da crítica de Baldwin, e nas imagens recuperadas da participação de Baldwin em programas de televisão e debates gravados, onde podemos ver a grande capacidade do autor de analisar a sociedade americana e discutir o problema do racismo. Tal análise configura-se como uma denúncia da história americana e de posições humanistas que de fato centram a história numa categoria de sujeito só pertencente ao homem branco, reflexões que vão muito além do caso norte-americano.

Deixamos o trailer legendado do filme como convite à sua audiência:


Prof. Pedro Afonso Cristovão dos Santos

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