Pular para o conteúdo principal

"Materiais educativos, uma experiência de produção e aplicação no contexto boliviano''

No dia 29 de agosto de 2017  a disciplina de Tópicos Especiais em Estudos Culturais, ministrada pela professora Mirian Oliveira do curso de História - América Latina, realizou uma aula aberta com o professor Leonardo Martinez, professor visitante do curso de Antropologia da UNILA, com o tema: "Materiais educativos, uma experiência de produção e aplicação no contexto boliviano''. 
O professor Leonardo apresentou uma proposta inovadora no campo da educação, em um projeto interdisciplinar que focava a produção de materiais didáticos para alunos de escolas públicas na Bolívia. O material contava com recursos variados, desde diferentes mídias, testemunhos em áudio, vídeo clipes, textos e fotografias. A metodologia aplicada a este recurso contava com três estágios com uma pré-produção com consultas bibliográficas, visitas preliminares às comunidades, a produção com a realização de entrevistas, gravações e fotografias e a pós-produção com transcrições e traduções. Os materiais educativos  eram intra e interculturais.
No decorrer da aula aberta o professor Leonardo apresentou a história do sistema educacional na Bolívia, abordando questões problemáticas desde a implementação, os processos inovadores como o Ayllu Warisata (1931-1941) que a grosso modo tinha propostas de uma escola sem horário para os alunos, sem  provas e bilinguismo. No entanto, este processo não foi tão eficiente devido ao fato de que a inclusão do indígena consistia no abandono de sua própria cultura, no qual as próprias comunidades começaram a considerar sua língua e cultura atrasada, demonstrando a base eurocêntrica desse tipo de educação desigual.
Na década de 90, com a entrada das políticas neoliberais houve um novo processo de tentativa de incluir os indígenas na educação boliviana, processo associado ao contexto internacional da época em que a questão étnica entrou em debate. Com isso houve a implementação do sistema de educação intercultural bilíngue – EIB.  Na reforma educativa de 1994, foi produzido um material de educação bilíngue, porém a produção foi feita fora do contexto boliviano, sem utilizar a própria comunidade indígena no processo de criação. Nesse contexto, a ideologia neoliberal trouxe alguns aspectos positivos no que diz respeito ao trato do estado com as populações indígenas, deixando de ter um trato paternalista, com a criação de leis de descentralização do estado, participação popular, dos municípios, serviço nacional de áreas protegidas e reformulação de leis agrárias, esta última com aspectos negativos e aspectos positivos para as comunidades, lei florestal e titulação de terras indígenas.
Em 2010 houve a criação da Lei Sinani Perez 2010 onde a proposta era a educação intracultural, intercultural e plurilingue, passando de EIB para EIIP. Houve uma valorização dos saberes e conhecimento locais e língua originária. Um viés descolonizador e comunitário, uma proposta de igualdade de oportunidades e o resgate de línguas em extinção. Houve o abandono do paternalismo, da visão exótica em relação aos indígenas, o desenvolvimento de materiais didáticos com as próprias comunidades.
Com a abertura do debate ao final da aula aberta foi discutido a importância do material didática com a proposta intra e intercultural, problematizando esses dois conceitos no qual se presumiu que uma proposta intracultural era fundamental para assumir a cultura local que foi estereotipada por décadas e desvalorizada devido ao eurocentrismo que permeou a sociedade, e intercultural para que as culturas realmente dialoguem entre si, não de forma plenamente harmoniosa, mas incluindo os conflitos, pois este processo intercultural constitui uma relação dialética entre as culturas.


Rodrigo Ishihara Abranches

Revisão: Pedro Afonso Cristovão dos Santos

Postagens mais visitadas deste blog

A "Primavera dos Povos" na Era do Capital: historiografia e imagens das revoluções de 1848

  Segundo a leitura de Eric J. Hobsbawm em A Era do Capital , a Primavera dos Povos foi uma série de eventos gerados por movimentos revolucionários (liberais; nacionalista e socialistas) que eclodiram quase que simultaneamente pela Europa no ano de 1848, possuindo em comum um estilo e sentimento marcados por uma atmosfera romântico-utópica influenciada pela Revolução Francesa (1789). No início de 1848 a ideia de que revolução social estava por acontecer era iminente entre uma parcela dos pensadores contemporâneos e pode-se dizer que a velocidade das trocas de informações impulsionou o processo revolucionário na Europa, pois nunca houvera antes uma revolução que tivesse se espalhado de modo tão rápido e amplo. Com a monarquia francesa derrubada pela insurreição e a república proclamada no dia 24 de fevereiro, a revolução europeia foi iniciada. Por volta de 2 de março, a revolução havia chegado ao sudoeste alemão; em 6 de março a Bavária, 11 de março Berlim, 13 de março Viena, ...

A multidimensionalidade na migração de retorno de brasileiros e brasileiras do Paraguai (1970-2020)

  Fonte: Editora Acervus, 2025. O livro A multidimensionalidade na migração de retorno de brasileiros e brasileiras do Paraguai (1970-2020) é fruto da minha tese de doutorado, defendida pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Passo Fundo, Rio Grande do Sul, em agosto de 2024. A obra trata de um tema central nos estudos migratórios: o retorno. Este, mesmo sendo parte integrante da dinâmica da migração, é pouco estudado. Sendo assim, com base em amplo referencial teórico e trabalho de campo, visa-se demonstrar as múltiplas formas e causas da migração de retorno. Em termos teórico-metodológicos, trata-se de um estudo dos movimentos migratórios contemporâneos a partir do uso da história oral. A tessitura do corpus documental da pesquisa constituiu-se de entrevistas aprofundadas, que buscaram reconstituir trajetórias de vidas e de migrações, recolhidas entre migrantes retornados e retornadas, situados e situadas na fronteira entre os dois países no estado do Par...