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Pesquisando imprensa ilustrada e fontes visuais na UNILA

Nesta série de entrevistas, apresentaremos algumas das pesquisas desenvolvidas na área de História da UNILA. Iniciamos com as professoras e professores colaboradores do Blog de História da UNILA, projeto de extensão vinculado ao Laboratório de Estudos Culturais (LEC) da UNILA. As entrevistas mostrarão um pouco dos interesses de pesquisa e áreas de atuação destas pesquisadoras e pesquisadores, e das possibilidades de orientação para estudantes de graduação e pós em História que queiram estudar e pesquisar na UNILA.

 

A conversa de hoje é com a Profa. Rosangela de Jesus Silva, professora de História da Arte e Cultura latino-americanas e pesquisadora na área de História das Imagens e fontes visuais. A profa. Rosangela atua nos cursos de graduação em História da UNILA e nos programas de mestrado em Literatura Comparada e no Mestrado em História (PPGHIS) da UNILA.

 

1) Profa. Rosangela, obrigado por colaborar com o Blog de História da UNILA. Em primeiro lugar, gostaríamos de conhecer um pouco mais sobre seus interesses de pesquisa e temas de sua preferência para orientação na graduação e pós-graduação.

 

Rosangela de Jesus Silva: Desde minha graduação tenho me dedicado a pesquisas em torno da imprensa ilustrada no século XIX, inicialmente no Brasil e depois fui expandindo para pensar diálogos transnacionais na América Latina, sobretudo com a produção argentina e paraguaia. No meu doutorado também estudei um pouco da produção pictórica de Angelo Agostini e me aproximei de discussões em torno da pintura no século XIX e início do XX, bem como de debates em torno da construção de símbolos nacionais e discussões de nacionalidade e identidades através das imagens. Atualmente, no curso de História, trabalho com duas disciplinas que apontam para pensar a história da América Latina a partir de fontes não escritas, como as visuais. Tenho lido e me interessado bastante pelas discussões em torno das possibilidades de desenvolvimento do trabalho do historiador ao relacionar a história e as imagens. Há nesses cruzamentos uma infinidade de possibilidades teóricas e metodológicas para lidar com as imagens plurais, bem como de aproximações interdisciplinares que são bastante desafiadoras, mas instigantes.

 

2) Tendo em vista sua área de atuação, o que um potencial estudante de pós-graduação, especificamente, deveria levar em conta ao propor um projeto em seu campo de estudos?

Eu estou disposta a aceitar desafios de pesquisas que coloquem fontes visuais na América Latina como premissas de suas investigações, problematizando seus usos e possibilidades para o fazer do historiador, sobretudo do ponto de vista da ampliação que os Estudos Visuais apresentam. Tenho mais familiaridade com imagens fixas como as gráficas, a pintura e a fotografia, mas pensando nas possibilidades de aprofundamento de análises que o cruzamento de fontes visuais permite, bem como na profusão de imagens que temos hoje em circulação é algo muito importante nos enfrentarmos aos desafios que a produção audiovisual e que a internet nos coloca. Há debates em torno da História Digital e da História Pública com a qual teremos que lidar mais cedo ou mais tarde. Mas é claro que me sinto mais confortável com imagens e debates produzidos entre o XIX e o XX na América Latina.

 


Capa do primeiro número da Revista Illustrada, de 1876, pelo artista Angelo Agostini (1843-1910). Disponível em http://memoria.bn.br/DOCREADER/DOCREADER.ASPX?BIB=332747&pagfis=1, acesso em 24/03/2021


3) Com que fontes históricas você trabalha, ou já trabalhou? Poderia comentar um pouco sobre as especificidades dessas fontes?

Como comentei acima trabalho há bastante tempo com Imprensa ilustrada, sobretudo litografias. No trabalho com essa fonte é preciso considerar discussões da história da imprensa, além de elementos técnicos do desenvolvimento da indústria gráfica, a qual permitirá a reprodução e ampliação tanto da qualidade quanto da quantidade das imagens. Outro aspecto bastante presente é o diálogo constante entre imagem e texto, maneiras de ver e ler no período. Há discussões importantes também a serem consideradas em torno do papel da imprensa e dessas imagens na construção de imaginários visuais, mas também de formação de opinião pública, de recepção, de como o público leitor também interferia na promoção de determinadas construções visuais nesta imprensa.

No caso da pintura precisamos considerar os aspectos técnicos de produção da mesma, as convenções em torno da produção da arte nas academias ou escolas de formação artística, mas também de autoria, da seleção de temas, da circulação, da recepção, de pensar visibilidades e invisibilidades, aproximações e distanciamentos de projetos políticos e culturais, entre outras questões que podem ser suscitadas a partir da definição de um tema, de um período ou de um determinado artista.

 

4) Sua pesquisa abrange que períodos históricos? Por que você chegou a esse recorte temporal? O que esse período tem, para a pesquisa histórica, de possibilidades para novas investigações?

O meu recorte temporal está na segunda metade do século XIX na América Latina. Nessa escolha há o fato do momento em que essas publicações começam a ganhar espaço e se consolidar. O desenvolvimento do elemento técnico aí é fundamental pois com o aperfeiçoamento de técnicas de reprodução de imagens, as quais começam a chegar por aqui ainda na primeira metade do século XIX, essas publicações vão ganhando fôlego justamente a partir de 1860. Logo é a partir desse momento que teremos uma quantidade cada vez maior desse tipo de publicação. No caso da América Latina o século XIX marca momentos importantes de rupturas com as colônias e de configurações de reorganização dos cenários políticos, econômicos, sociais e culturais. A imprensa se consolida como espaço de debates e de disputas de diversos grupos e projetos de poder, logo, de proposições acerca dessas reorganizações. Nesse ambiente de enfrentamentos e proposições a imagem agrega a possibilidade tanto de divulgar rostos, obras de arte, configurações espaciais conformando ideias em torno de identidades e do nacional, da ciência, quanto de construir uma crítica ácida através dos desenhos satíricos. Entender e problematizar essas construções visuais que marcam formas de relacionamentos sociais, políticos e culturais me parecem apontar para um grande trabalho ainda a ser feito. Acredito que há um grande potencial também para pensarmos trânsitos e circulações transnacionais de ideias e imagens as quais podem nos ajudar e entender processos contemporâneos como a construção de rivalidades e estereótipos acerca de nossos vizinhos, por exemplo.

A Ilha Fiscal (sede da última grande festa dada pela família real no Brasil, em 9 de novembro de 1889), fotografia de Marc Ferrez (1843-1923), circa 1885. Disponível em http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/6696, acesso em 24/03/2021. Coleção Instituto Moreira Salles 


5) Que abordagens e referências teóricas você citaria como relevantes em seu campo de pesquisa?

Eu confesso não ser muito ortodoxa com referências teóricas, de forma a buscar diálogos, às vezes até interdisciplinares, o trabalho com imagens acaba exigindo isso também. Busco dialogar com a História Cultural em seus aspectos de valorização dos sujeitos em suas diferentes práticas e agências tanto no âmbito de produção quanto de recepção, o que me parece fundamental quando lidamos com imprensa. Meus estudos com imagens se deram no universo da História da Arte e, por muito tempo, me senti deslocada, já que imagens de imprensa não eram objetos privilegiados da área, embora a disciplina tenha caminhado no sentido de expandir e problematizar o próprio conceito de arte. Assim algumas discussões da antropologia visual e mais recentemente dos Estudos Visuais, sobretudo no seu aspecto de não hierarquização de imagens, abordagens interdisciplinares e possibilidades de análises entre texto e imagem me tornaram simpática e uma leitora curiosa de alguns autores desse campo de estudos que é bastante plural.

É claro que não posso deixar de mencionar aqui estudos acerca da imprensa, especificamente da imprensa Ilustrada, com contribuições e publicações importantes nos últimos anos, entre eles o livro Revistas Ilustradas: modos de ler e ver no Segundo Reinado (2011) que reúne vários pesquisadores no Brasil que se enfrentam com as diversas possibilidades de pesquisa com essa fonte e Imprensa, Humor e Caricatura (2011), organizado por Isabel Lustosa, resultado de um evento sobre o tema. Na Argentina os trabalhos de Sandra Szir e a publicação de livros como Impresiones porteñas. Imagen y palabra en la historia cultural de Buenos Aires (2009) e Atrapados por la Imagen: arte y política en la cultura imprensa argentina (2013), ambos organizados por Laura Molosetti e Marcela Gené, são apenas algumas referências que apontam para a atualidade e interesse pelo tema nos últimos anos.

 

6) Você gostaria de acrescentar algo mais, sobre seus interesses de pesquisa e possibilidades de orientação, para os leitores do Blog de História da UNILA?

Só agradecer a oportunidade e convidar estudantes de História e interessados(as) pelos debates historiográficos no Sul Global a conhecer nosso programa de mestrado!

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