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Historiadorxs formadxs na UNILA: entrevista com Igor da Silva Batista

Publicamos hoje no blog nova entrevista com historiadorxs formadxs nestes primeiros dez anos do curso de História - América Latina da UNILA. Semana passada, pudemos ler sobre a experiência de Tania Rodríguez Ravera, estudante uruguaia que veio para Foz viver o curso de História da UNILA. Hoje, nossa conversa é com Igor da Silva Batista, nascido e criado em Foz do Iguaçu-PR. A história de sua família confunde-se com a própria história da construção da Usina Hidrelétrica Binacional de Itaipu, como Igor nos conta, o que lhe deu grande estímulo para realizar sua monografia de conclusão de curso sobre os trabalhadores que construíram Itaipu e o bairro de Foz que abrigou grande parte deles, a Vila C. Boa leitura a todxs!


Igor, muito obrigado por aceitar a entrevista. Inicialmente eu gostaria que você se apresentasse aos nossos leitores e leitoras.

Igor da Silva Batista: Oi! Sou o Igor da Silva Batista, tenho 27 anos e sou natural de Foz do Iguaçu. A minha vida é toda ligada à Usina Hidrelétrica de Itaipu. Meus pais vieram para Foz do Iguaçu por causa da construção da usina. Aqui eles se conheceram, casaram e tiveram dois filhos. Nasci e moro até hoje no bairro que foi construído para abrigar os trabalhadores da barragem, a Vila C.

 

O que te levou a cursar História-América Latina na UNILA?

Sempre tive dúvidas sobre qual curso fazer. Em 2011 prestei vestibular na Unioeste1 para o curso de Direito, mas não consegui passar. Pensei em fazer alguma engenharia ou cinema, ou seja, estava com bastante dúvida, mas História sempre foi minha paixão no ensino médio, muito por causa da minha professora, a Silvete, que sempre foi dedicada em ensinar seus alunos e incentivá-los nos estudos. Por isso, quando entrei na UNILA em 2012, fui focado em ingressar no curso de História e seguir a minha paixão.

Outro fator muito importante que me fez escolher o curso de História foi a gratuidade, já que não tinha condições nem pretensão de fazer a minha graduação na rede privada de ensino. Também pesou na minha escolha a oferta do curso à noite, o que possibilitou que eu estudasse e trabalhasse.

 

Muitos estudantes de História costumam relatar impactos no curso ao se depararem com algo bem diferente do que conheciam ou acreditavam. Você teria algum exemplo para dividir conosco?

O primeiro grande impacto que tive foi uma aula prática com o professor Paulo Renato no centro da cidade, onde pudemos observar os cruzamentos das vias, símbolos e outros fatores que construíram a história de Foz do Iguaçu. Resumidamente, uma história fortemente ligada ao militarismo, o que conseguimos observar em vários traços da cidade.

Outro impacto foi a desconstrução da palavra “descobrimento”. Este termo sempre foi usado no ensino fundamental e médio, dando a entender que a história e cultura europeia são superiores e que, antes dos europeus chegarem, as Américas eram um lugar vazio. Na universidade esta palavra ganhou um novo sentido. O que aconteceu foi o “roubo” das riquezas e cultura dos povos originários.

 

Como o curso contribuiu para aprofundar ou mudar o seu conhecimento sobre a América Latina? Como foi o convívio e o aprendizado com professores e estudantes de outros países?

O curso fez com que eu mudasse conceitos sobre o que é a América Latina, além de aprofundar os meus conhecimentos, como nas aulas do professor Alexandre Camera Varella sobre os povos originários, um tema que foi pouquíssimo abordado no ensino médio. O curso também me deu a possibilidade de conhecer outros temas do mundo, como a disciplina sobre religiões sul-asiáticas, ministrada pela professora Mirian Santos Ribeiro de Oliveira, na qual todas as aulas foram de profundo conhecimento sobre religiões que eu pouco conhecia.

Fazer uma graduação em uma universidade onde alguns colegas de turma são de outras nacionalidades é algo muito bom e ajuda a quebrar barreiras e preconceitos que foram acumulados ao longo do tempo. Como morador da fronteira, sempre ouvi diversas piadas que atacavam a imagem dos paraguaios, como sendo preguiçosos e burros. Tendo um contato mais profundo com estudantes do Paraguai, consegui quebrar essa barreira preconceituosa. Poder conversar, trocar experiências e viver a rotina com pessoas de outros países que você nunca imaginou ter contato foi algo inovador e o que me fez abraçar a base da UNILA, que é a diversidade.

O "Painel do Barrageiro", exposto no Mirante Central de Itaipu, obra dos artistas Poty Lazzarotto e Adoaldo Lenzi (imagem disponível em https://100fronteiras.com/foz-do-iguacu/noticia/vivaz-cataratas-resort-expoe-mural-de-poty-lazarotto/, acesso em 17/06/2021). O mural foi uma das imagens analisadas por Igor em sua monografia: "o painel foi uma forma que Itaipu encontrou para homenagear os milhares de trabalhadores que passaram pelo canteiro de obra da barragem, porém a imagem que o painel passa é de 'homens desbravadores' (...). [O]s trabalhadores que chegavam a Foz do Iguaçu, seriam os novos colonizadores, responsáveis por trazerem o 'progresso' para a região" (BATISTA, 2016, p. 31) 


Na monografia de conclusão de curso você analisou memórias de ex-trabalhadores de Itaipu. Para você, o que foi mais surpreendente na pesquisa?

A minha monografia estava ligada com a minha vida pessoal. Nasci e vivo até hoje na mesma casa no bairro da Vila C, onde os seus primeiros moradores foram trabalhadores da hidrelétrica. Entre esses pioneiros estão meus avós maternos, tios, meus pais e tantos outros conhecidos. Cresci com a imagem de que, na época da construção da Itaipu, tudo era do bom e do melhor e que não existiam problemas. Trabalhei com a oralidade, entrevistando ex-funcionários da usina e ouvi deles este mesmo discurso, porém, relatando também os problemas que aconteceram na época, como mortes, demissões, medo. Foi algo surpreendente. O que mais me tocou de todas as entrevistas foi o depoimento da minha vizinha. Ela trabalhou por anos dentro da construção e também no hospital e relatou que era comum chegar homens com o corpo totalmente queimado, com baldes cheios de sangue embaixo das macas. Em determinado momento, ela parou imediatamente a conversa e pude ver no olhar dela o medo, mesmo depois de tanto tempo, por estar compartilhando o que acontecia dentro da barragem, o que a ditadura militar na época conseguia esconder.

 

Atualmente você trabalha como Agente de Endemias. Apesar de não ser na área de História, a formação como historiador já te ajudou ou te ajuda no trabalho?

Sou servidor público municipal. Trabalho no Centro de Controle de Zoonoses, no combate à dengue, leishmaniose, raiva, dentre outros temas que abordamos dentro da divisão. Atualmente sou coordenador do Programa de Educação em Saúde e Mobilização Social. Ter uma graduação foi o diferencial para ter assumido este cargo. O curso em si me ajuda nas relações interpessoais, na conversa com colegas, em explicar a rotina do trabalho e, claro, para às vezes iniciar discussões e combater fake news, como a de que “a ditadura não existiu”.

 

1 Universidade Estadual do Oeste do Paraná.


Referência:


BATISTA, Igor da Silva. A Itaipu e o "progresso": uma análise da memória de ex-trabalhadores (1973-2016). 82 p. Monografia (Graduação em História - América Latina) - Universidade Federal da Integração Latino-Americana, Foz do Iguaçu, 2016. Disponível em https://dspace.unila.edu.br/handle/123456789/690, acesso em 17/06/2021.

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