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Historiadorxs formadxs na UNILA: entrevista com André Sabino

Publicamos hoje no Blog de História da UNILA entrevista com André Sabino, formado em História - América Latina pela nossa universidade. Complementando nossas entrevistas anteriores com egressos do curso, André nos conta sobre sua experiência na UNILA e os impactos que a proposta pedagógica da universidade trouxe sobre sua visão de mundo. André nos fala ainda de sua monografia de conclusão de curso, um estudo sobre a historicidade budista a partir do Templo Chen Tien de Foz do Iguaçu.


André, muito obrigado por nos conceder essa entrevista. Inicialmente, gostaríamos que você se apresentasse aos nossos leitores e leitoras.

André Felipe Delfino dos Reis Sabino: Meu núcleo familiar nasceu na cidade de São Paulo com pais paulistanos, porém meus avós paternos são cearense e baiano e meus avós maternos são paulistana e mineiro, frutos do êxodo rural do século passado. Fui a Foz movido fortemente pelo projeto de integração latino-americana pluricultural da UNILA, especialmente no nível de profundidade que um curso de história com esta ênfase regional poderia fornecer, além da curiosidade de viver em uma cidade de fronteira.


O que te levou a cursar História-América Latina na UNILA?

A história já me impressionava com suas desnaturalizações, com as possibilidades de encontros com as alteridades, desde que fazia cursinho ou que assistia a vídeos de falas de intelectuais universitários. Em suas participações em telejornais, ou em palestras e aulas que eram disponibilizadas gratuitamente online. Pensadores de rua como Eduardo Marinho também tiveram grande impacto nessa viagem. Tive a possibilidade de realizar viagens para fora do Brasil em 2014. Um momento central para repensar minha trajetória, fruto da acumulação de anos de trabalho indesejado. Já era formado em área completamente oposta: Tecnologia da Construção Civil modalidade Edificações, pela FATEC-SP, e trabalhava com um perito judicial, o que me garantia um bom salário para a época. Naquele ano, fui fazer um mochilão pela Turquia e alguns países adjacentes da Europa durante 6 meses, além de uma posterior viagem a trabalho pela Argentina durante 2 meses, fazendo trabalho voluntário em uma creche do Terceiro setor. Estas diversas experiências me puseram em contato com muita riqueza e diversidade de outras culturas, desenvolvendo em mim uma imensa vontade de conhecer melhor minha região de origem e suas diversas culturas, suas origens. No fundo queira conhecer melhor minha própria história. Achei que a graduação em história me daria boas condições para isso. Fui sem pensar em trabalho, nem em remuneração. Um movimento arriscado, porém, nem tanto, para alguém cuja família situa-se no estrato médio da classe média.

Estátua do Buda Amitabha, na Praça Buda, no Templo Chen Tien de Foz do Iguaçu. Foto de André Sabino, imagem incluída em sua monografia de conclusão de curso (SABINO, 2019, p. 116)

Muitos estudantes de História costumam relatar impactos no curso ao se depararem com algo bem diferente do que conheciam ou acreditavam. Você teria algum exemplo para dividir conosco?

Meu primeiro grande impacto foi ao descobrir a imensa dificuldade em chegar a uma representação mais fiel da história. Esperava chegar a uma verdade inquestionável e livre de qualquer interpretação, jamais havia imaginado o tamanho da complexidade e da quantidade de perspectivas possíveis sobre um mesmo acontecimento histórico, muito menos o quanto a redução de tal complexidade favorece os interesses e os discursos que dominam a política de Estado.

 

Como o curso contribuiu para aprofundar ou mudar o seu conhecimento sobre a América Latina? Como foi o convívio e o aprendizado com professores e estudantes de outros países?

Nunca havia considerado a que ponto a sujeição colonial poderia chegar. O impacto colonial ainda é tão presente na contemporaneidade latino-americana que parece nos prender em repetidas sujeições aos centros de poder eurocêntricos. Isso em nível de subjetivação, de imaginação coletiva, de configuração econômica e tecnológica. Com tantas diversidades no continente e no Caribe, partilhamos acontecimentos que nos estruturam constantemente em adesão ou repulsa a um ideal hierárquico. Creio que o curso me evidenciou a dualidade que marca nossa partilha regional, com semelhanças e diferenças. Um exemplo: as ditaduras militares que todos os países Latino-americanos viveram por influência das políticas internacionais dos EUA e sua aplicação ou falta de justiça de transição, variando muito de acordo com cada país.

A UNILA possibilita uma variedade de encontros inacreditável. São muitas as dificuldades materiais para a permanência em Foz do Iguaçu, só que há uma compensação impressionante para quem consegue ficar. A riqueza das trocas de saberes e de experiências pessoais é intensa e sempre provoca nosso desejo. Não poderia ser diferente com o professor Jean Bosco Kakozi Kashindi. Poder ter aula sobre história da África com um professor nativo especialista no tema é de um privilégio que deveria virar direito. Foi uma experiência enriquecedora e que desmoronou preconceitos e estereótipos, além de me provocar a estudar muito mais sobre o tema. É uma grande perda e uma enorme ausência não haver mais espaço para disciplinas com especialistas da área.

 

Na monografia de conclusão de curso você analisou a ideia de tempo no budismo a partir do Templo budista de Foz do Iguaçu. Para você, o que foi mais surpreendente na pesquisa?

A pesquisa e a escrita históricas fecharam um ciclo muito importante em minha formação. Nunca havia lido nem escrito tanto sobre um mesmo assunto, muito menos um assunto que conformou uma verdadeira paixão intelectual em saber mais sobre uma religião e um pensamento filosófico em grande parte radicalmente diferente do que já havia tido contato. Creio que foi o estudo de uma alteridade forte para a hegemonia de conceitos ocidentais a que somos submetidos, inclusive os conceitos de tempo. Me liguei ao tema no nível da prática, experienciei muito de perto aquelas concepções de mundo e de tempo, principalmente o tempo do silêncio e das meditações. Como ainda trago comigo, em meu cotidiano, tais conceitos no yoga que pratico em casa ou com meus educandos, ou ao tentar lidar com algum problema que fuja a meu controle, dentre outros desafios do dia-a-dia.

Atividade da disciplina “História das Religiões Sul-Asiáticas” do curso de História – América Latina da UNILA, no ano de 2016. André aparece à direita na foto, sentado em posição de lótus (Foto: Lúcio Fukumoto, 26/06/2016)

 

Atualmente, qual tem sido sua atuação profissional ou universitária? A formação como historiador já te ajudou ou te ajuda no trabalho?

Minha formação me ajuda muito no trabalho, por mais que não esteja trabalhando diretamente na área tradicional de um historiador. Atualmente trabalho como educador de esportes no Circo Social Grajáu de São Paulo, pelo Centro de Defesa da Criança e do adolescente - CEDECA. É um ambiente que possibilita uma interdisciplinaridade impressionante, sendo que planejamos quinzenalmente as atividades, com um tema gerador (atualmente território), que é aproveitado nas modalidades de esportes, artes circenses, teatro, dança, percussão e artes visuais. Não fechamos durante a pandemia por ordem da prefeitura, então, com número reduzido de crianças pudemos experimentar inovações. Foi trabalhando com crianças e adolescente, muitos deles em situação de vulnerabilidade, que tenho conseguido realizar atividades que envolvem esporte e história. Fizemos alguns jogos indígenas como o cabo de guerra, baseado nos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas (que vinha tomando proporções continentais até o golpe de Estado que sofremos em 2016), práticas de pintura corporal e roda de conversa sobre sua importância e suas significações (Salve para a Rosangela! [profa. Rosangela de Jesus Silva, responsável pelas disciplinas de História da Arte e História e Imagens da UNILA]). Além disso já brincamos com outras práticas esportivas como o ultimate, tão famoso na Colômbia, e o yoga. Esta última, ainda quero aprofundar mais com eles para que vivenciem o tempo do silêncio com toda a importância ao encararem a angústia. Tive muita sorte de encontrar este emprego depois de quase um ano de desemprego, auxílio emergencial e frustrações. Tenho me sentido pleno ao poder exercer uma função social tão significativa e rica e ainda aplicar minha formação de uma forma não ortodoxa. Por outro lado, também vejo de perto a violência a que estes jovens são submetidos e ressinto com eles.

 

Referência:

SABINO, André F D R. ​ Historicidade no Templo Chen Tien de Foz do Iguaçu (1996-2019). 2019. 116 fls. Trabalho de Conclusão de Curso (História- América Latina) - Universidade Federal da Integração Latino-Americana, Foz do Iguaçu, 2019. Disponível em: http://dspace.unila.edu.br/123456789/5611, acesso em 22/07/2021.


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