Pode o historiador fazer história daquilo
que se passa diante de seus olhos? É possível fazer história das reviravoltas
diárias da política, ou das mudanças sociais e culturais que se desenrolam no
nosso cotidiano? Questões como essas têm motivado os historiadores a pensarem
em uma “história do tempo presente”. Mas como se daria essa história?
A rejeição da história como um estudo
exclusivamente do passado já fora defendida pelos historiadores há tempos.
Vemos, por exemplo, Marc Bloch, em Apologia
da história, ou o Ofício do historiador (1944), contestar a visão
tradicional de que historiadores estudam tão somente o passado, definindo a
disciplina como “a ciência dos homens no tempo”. Ao longo do século XX, porém,
o estudo da política, sociedade e cultura da atualidade foi, no geral, objeto
mais da Sociologia, Ciência Política e Antropologia que da História. Os
historiadores mantiveram preocupações constantes com o problema da “distância histórica”:
deveria o historiador manter um distanciamento (temporal, cronológico), em
relação a um fenômeno para poder estudá-lo? Embora, por vários séculos desde a
Antiguidade, historiadores tenham feito história dos eventos que se passavam em
seus tempos de vida, ao menos desde o século XIX o problema da “distância” se
tornou obstáculo a essa prática. Para os historiadores do século XIX, o
historiador só poderia estudar um evento após um certo espaço de tempo ter sido
decorrido (de preferência, uma geração, um período em torno de trinta anos).
Dessa maneira, o historiador não escreveria movido por paixões e emoções do
momento, prejudiciais à imparcialidade considerada indispensável para a escrita
da história naquele momento. Além disso, ao deixar algumas décadas passarem, o
historiador poderia escrever sem se preocupar com os sentimentos daqueles sobre
os quais escreve, especialmente se estes já tiverem falecido. No Brasil, nessa
época, a principal instituição de escrita da história de então, o Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro (IHGB, fundado em 1838), surgiu com uma ideia para
garantir essa distância: a “arca do sigilo”, um baú de fechaduras reforçadas
onde seriam guardados todos os documentos e escritos sobre história recente. O
baú permaneceria fechado, só sendo aberto após a morte dos depositários dos
papéis colocados ali. Desse modo, ficava impedida a escrita da história
contemporânea.
No final do século XX, o interesse em
repensar esses obstáculos, e uma nova atenção aos fatos e à história política,
motivou, principalmente na França, uma nova abordagem sobre a história recente.
Em 1978-79, foi inaugurado no país o Instituto
de História do Tempo Presente. E o que definia “tempo presente” nessa
concepção? Como separar o que seria presente, do passado? No pensamento
francês, seria a “possibilidade de se recorrer ao testemunho oral como fonte”,
como assinala Mateus Pereira. O tempo presente, assim, é o tempo da
“experiência vivida”, na definição de François Bédarida (PEREIRA, 2011, p. 58).
Esse postulado nos leva à centralidade da memória no pensar a história do tempo
presente, bem como a outra variedade de história que trabalha com a experiência
vivida: a história oral, em crescimento desde os anos 1950.
Porém, a ideia de uma experiência já
vivida pressupõe que fazemos história de algo recente, mas já transcorrido. Algo
de que nos lembramos, pois já foi vivido (não está sendo mais). Os proponentes
da “história do tempo presente” na França diferenciavam esse gênero do que
chamavam de “História Imediata”, as tentativas de escrever história de eventos
que se passam no agora que vive o
historiador. Para Chauveau e Tétart, “o procedimento da história imediata é
mais parecido com as técnicas jornalísticas do que com as da ciência histórica”
(CHAUVEAU; TÉTART, p. 22). Nesse sentido, a história do imediato tem valor como
“testemunho” (CHAUVEAU; TÉTART, p. 24); é uma visão sobre os acontecimentos
imediatos, da ordem do dia.
A partir desse breve panorama, deixamos
algumas reflexões para nossos leitores: é possível fazer história dos
acontecimentos imediatos? É possível uma história da crise política que ainda
se desenrola no Brasil atual, por exemplo? É uma necessidade para o historiador
assumir alguma “distância” em relação ao que estuda? O que definimos como
“tempo presente”, e como podemos pensá-lo historicamente?
Referências
bibliográficas
CHAUVEAU, Agnès; TÉTART, Philippe. Questões para a história do presente. Bauru,
SP: Edusc, 1999.
PEREIRA, Mateus Henrique de Faria. “A
história do tempo presente: do futurismo ao presentismo?” Humanidades, no. 58, junho de 2011, p. 56-65.
Prof. Pedro Afonso Cristovão dos Santos
Prof. Pedro Afonso Cristovão dos Santos