No dia 26 de maio de 2018 o malinês Mamoudou Gassama escalou em 30 segundos até o quarto andar de um prédio onde havia uma criança pendurada na varanda de um apartamento em Paris, e a resgatou. Esse ato sem dúvida mereceu elogios e recompensas e foi apreciado pelo mundo inteiro. Mamoudou se tornou um herói.
O heroísmo do jovem foi recompensado pelo presidente Emmanuel Macron, tornando Mamoudou, um imigrante sem documentos, legal. Ofereceram a ele trabalho no corpo de bombeiros de Paris. No final, para demonstrar, como sugere Benjamin Griveaux - Secretário de Estado do Primeiro Ministro e Porta-voz do Governo - como esse “ato de imensa bravura [é] fiel aos valores de solidariedades da [...] República [...]” Mamoudou foi convidado a se naturalizar francês. Pois, segundo a imigração francesa, “se tornar francês é a honra de pertencer a uma grande nação que se construiu durante séculos”.
No site oficial da administração francesa, entre os requisitos solicitados para a naturalização, estão: a adesão aos valores da República - um manual cívico é disponibilizado para os solicitantes - e o conhecimento no nível B1 da língua nacional. Esses requisitos não são cumpridos por Mamoudou, que com apenas oito meses na França, carregando consigo o significado de estar ilegal, não pôde assimilar os valores da República. Conforme suas entrevistas, se observa que seu domínio do francês não chega ao B1. Nessas circunstâncias perguntamos: o jovem não poderia se inserir na sociedade francesa com seus papéis regulamentados, sem necessariamente se naturalizar francês? Definitivamente não devem existir heróis negros, Africanos! Segundo Eric Hobsbawm (1917-2012) a noção de nação é importante para o entendimento da sociedade, afinal, sérios acontecimento da humanidade se pautaram no discurso nacionalista. Daí a segunda pergunta: o que é nesse caso “fazer parte de uma nação”?
No primeiro capítulo do livro Nações e Nacionalismo Desde 1780, o historiador inglês de ascendência judia-polonesa trata do princípio de nacionalidade em várias épocas e espaços até seu uso moderno. Antes de 1884 a nação era relacionada a um grupo de habitantes independentemente da língua ou da etnicidade, apenas da disposição desses diferentes povos em viverem sobre as mesmas leis e valores. Anos posteriores, a língua, a etnicidade, a religião, o território e as lembranças históricas em comum, seriam os fundamentos para o nacionalismo.
Hobsbawm define dois conceitos de nação: em revolucionário-democrático, antes do final do século XIX; nacionalista, nos últimos anos do século XIX. A diferença reside no fato da nação deixar de ser um fenômeno emergente das massas, para ser pensada como política pelos governos de Estado, adquirindo assim seu sentido moderno. E claro, a teoria evolucionista não podia deixar de ser aplicada neste caso. A nação era vista como um estágio de evolução da sociedade humana que saía do tribal em direção à união mundial.
Entre 1830-1880 a ideologia liberal definiu três pontos que classificavam as nações viáveis: ter associação histórica com um estado existente ou com um passado recente razoavelmente durável; ter uma elite cultural longamente estabelecida, possuindo uma linguagem vernácula administrativa e literária escrita; c) ter capacidade para a conquista. Essa ideologia liberal atribuía ao Estado-nação sobretudo um significado econômico, devendo ser grande territorialmente e demograficamente. Posto isso, a nação Francesa entre outras era incontestável.
Essas mudanças nos entendimentos da nação podem ser lidos em Hannah Arendt (1989) - filósofa alemã judia, da teoria política (1906-1975) - como umas das causas da Segunda Grande Guerra. A autora analisa o princípio de cidadania no período entre as duas Grandes Guerras e o caracteriza por uma crise do Estado-nação com relação aos direitos do Homem.
Segundo a autora, a busca incessante de heterogeneidade dos Estados-nação modernos levou a adoção de duas medidas pelos governantes: a assimilação ou a liquidação dos diferentes. Por exemplo, os tratados de paz da Primeira Grande Guerra criaram Estados-nação com vários povos, estabelecendo forçosamente entre eles relações hierárquicas. Com isso foi garantido somente aos da mesma origem nacional o direito de ser cidadão, de usufruir da proteção das instituições legais. O que acarretou mais tarde, às práticas de desnaturalização em massa dos indesejáveis, criando “os sem Estado” e consequentemente “os sem direitos e proteção”.
O acontecido com Mamoudou Gassama diz muito sobre como os Estados-nação homogêneos, na quase segunda década do século XXI, não se sustêm mais. Mostra como a legalização de imigrantes e refugiados só se complica quando convém. Inclusive na nossa América, a nação da mesma forma excluiu “indesejáveis” nas suas formações. Em busca do avanço social, econômico, cultural e heterogêneo. A questão da língua sempre foi muito presente, quando não se obrou ao desaparecimento delas se criou uma diglossia dentro das nações. Desse ponto, entendemos que a violência sempre esteve na base da soberania dos Estados-nação e consequentemente a negação dos direitos humanos.

HOBSBAWM, Eric. Nações e Nacionalismo Desde 1780. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1990. Capítulo 1
Da Redação. Refugiado resgata menino pendurado em 4º andar de prédio e vira herói. Veja, 28 maio 2018. Disponível em: https://veja.abril.com.br/mundo/refugiado-resgata-menino-pendurado-em-4o-andar-de-predio-e-vira-heroi/>. Acesso em 29 de junho 2018.
Naturalisation. Disponívl em:. Acesso em: 28 de junho 2018
GRIVEAUX, Benjamin. Mamoudou Gassama a eu un comportement héroïque en sauvant à #Paris la vie d’un enfant sans penser à la sienne. Cet acte d’une immense bravoure, fidèle aux valeurs de solidarité de notre république, doit lui ouvrir les portes de notre communauté nationale. #MamoudouGassama. Paris, 27 de maio de 2018. Twitter: @BGriveaux. Disponível em:. Acesso em: 29 de junho 2018.
Vidéo «Devenir français». 2016. 27 seg. Disponível em:. Acesso em: 28 de junho 2018.
Estudante: Loudmia Amicia Pierre-Louis
O heroísmo do jovem foi recompensado pelo presidente Emmanuel Macron, tornando Mamoudou, um imigrante sem documentos, legal. Ofereceram a ele trabalho no corpo de bombeiros de Paris. No final, para demonstrar, como sugere Benjamin Griveaux - Secretário de Estado do Primeiro Ministro e Porta-voz do Governo - como esse “ato de imensa bravura [é] fiel aos valores de solidariedades da [...] República [...]” Mamoudou foi convidado a se naturalizar francês. Pois, segundo a imigração francesa, “se tornar francês é a honra de pertencer a uma grande nação que se construiu durante séculos”.
No site oficial da administração francesa, entre os requisitos solicitados para a naturalização, estão: a adesão aos valores da República - um manual cívico é disponibilizado para os solicitantes - e o conhecimento no nível B1 da língua nacional. Esses requisitos não são cumpridos por Mamoudou, que com apenas oito meses na França, carregando consigo o significado de estar ilegal, não pôde assimilar os valores da República. Conforme suas entrevistas, se observa que seu domínio do francês não chega ao B1. Nessas circunstâncias perguntamos: o jovem não poderia se inserir na sociedade francesa com seus papéis regulamentados, sem necessariamente se naturalizar francês? Definitivamente não devem existir heróis negros, Africanos! Segundo Eric Hobsbawm (1917-2012) a noção de nação é importante para o entendimento da sociedade, afinal, sérios acontecimento da humanidade se pautaram no discurso nacionalista. Daí a segunda pergunta: o que é nesse caso “fazer parte de uma nação”?
No primeiro capítulo do livro Nações e Nacionalismo Desde 1780, o historiador inglês de ascendência judia-polonesa trata do princípio de nacionalidade em várias épocas e espaços até seu uso moderno. Antes de 1884 a nação era relacionada a um grupo de habitantes independentemente da língua ou da etnicidade, apenas da disposição desses diferentes povos em viverem sobre as mesmas leis e valores. Anos posteriores, a língua, a etnicidade, a religião, o território e as lembranças históricas em comum, seriam os fundamentos para o nacionalismo.
Hobsbawm define dois conceitos de nação: em revolucionário-democrático, antes do final do século XIX; nacionalista, nos últimos anos do século XIX. A diferença reside no fato da nação deixar de ser um fenômeno emergente das massas, para ser pensada como política pelos governos de Estado, adquirindo assim seu sentido moderno. E claro, a teoria evolucionista não podia deixar de ser aplicada neste caso. A nação era vista como um estágio de evolução da sociedade humana que saía do tribal em direção à união mundial.
Entre 1830-1880 a ideologia liberal definiu três pontos que classificavam as nações viáveis: ter associação histórica com um estado existente ou com um passado recente razoavelmente durável; ter uma elite cultural longamente estabelecida, possuindo uma linguagem vernácula administrativa e literária escrita; c) ter capacidade para a conquista. Essa ideologia liberal atribuía ao Estado-nação sobretudo um significado econômico, devendo ser grande territorialmente e demograficamente. Posto isso, a nação Francesa entre outras era incontestável.
Essas mudanças nos entendimentos da nação podem ser lidos em Hannah Arendt (1989) - filósofa alemã judia, da teoria política (1906-1975) - como umas das causas da Segunda Grande Guerra. A autora analisa o princípio de cidadania no período entre as duas Grandes Guerras e o caracteriza por uma crise do Estado-nação com relação aos direitos do Homem.
Segundo a autora, a busca incessante de heterogeneidade dos Estados-nação modernos levou a adoção de duas medidas pelos governantes: a assimilação ou a liquidação dos diferentes. Por exemplo, os tratados de paz da Primeira Grande Guerra criaram Estados-nação com vários povos, estabelecendo forçosamente entre eles relações hierárquicas. Com isso foi garantido somente aos da mesma origem nacional o direito de ser cidadão, de usufruir da proteção das instituições legais. O que acarretou mais tarde, às práticas de desnaturalização em massa dos indesejáveis, criando “os sem Estado” e consequentemente “os sem direitos e proteção”.
O acontecido com Mamoudou Gassama diz muito sobre como os Estados-nação homogêneos, na quase segunda década do século XXI, não se sustêm mais. Mostra como a legalização de imigrantes e refugiados só se complica quando convém. Inclusive na nossa América, a nação da mesma forma excluiu “indesejáveis” nas suas formações. Em busca do avanço social, econômico, cultural e heterogêneo. A questão da língua sempre foi muito presente, quando não se obrou ao desaparecimento delas se criou uma diglossia dentro das nações. Desse ponto, entendemos que a violência sempre esteve na base da soberania dos Estados-nação e consequentemente a negação dos direitos humanos.
Entrevista de Mamadou Gassama na BFM TV explicando o ocorrido. Disponível em: <https://www.bfmtv.com/politique/je-n-ai-pas-reflechi-je-l-ai-sauve-mamoudou-gassama-raconte-son-acte-heroique-1457574.html>. Acesso em 13 de set. 2018.
Bibliografias e Fontes
ARENDT, Hannah. Origem do totalitarismo. Tradução Roberto Raposo. São Paulo: Companhia da letras. 1989. Parte II, Cap. 5HOBSBAWM, Eric. Nações e Nacionalismo Desde 1780. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1990. Capítulo 1
Da Redação. Refugiado resgata menino pendurado em 4º andar de prédio e vira herói. Veja, 28 maio 2018. Disponível em: https://veja.abril.com.br/mundo/refugiado-resgata-menino-pendurado-em-4o-andar-de-predio-e-vira-heroi/>. Acesso em 29 de junho 2018.
Naturalisation. Disponívl em:
GRIVEAUX, Benjamin. Mamoudou Gassama a eu un comportement héroïque en sauvant à #Paris la vie d’un enfant sans penser à la sienne. Cet acte d’une immense bravoure, fidèle aux valeurs de solidarité de notre république, doit lui ouvrir les portes de notre communauté nationale. #MamoudouGassama. Paris, 27 de maio de 2018. Twitter: @BGriveaux. Disponível em:
Vidéo «Devenir français». 2016. 27 seg. Disponível em:
Estudante: Loudmia Amicia Pierre-Louis