O filósofo franco-argelino Albert Camus,
nasceu na Argélia em 1913 no período em
que a ocupação europeia estava partilhando a África. Na infância, o autor era
chamado pelos outros franceses de Pied-Noir (Pé-negro), apelido pejorativo dado
para aqueles franceses que nasciam no solo africano.
Camus perdeu seu pai quando era
ainda muito jovem, nos anos de 1914, primeira guerra mundial, na batalha do rio
Marne, uma batalha entre franceses, alemães e ingleses, que matou mais de um
milhão de pessoas.
Além dos eventos absurdos que o autor
vivenciou em sua infância, ele era muito pobre. O fato é que Camus só conseguiu
estudar por ter recebido incentivo de seus professores, que ele nunca
esqueceu e não deixou de lembrá-los ao ganhar o Nobel de Literatura em
1957.
Camus cresceu e casou-se na Argélia,
porém, em 1940 questões de saúde, teve
de ir a Paris, isso antes da segunda guerra definitivamente estourar. Neste
mesmo período, Hitler se preparava para invadir a França e assim o faz. Camus
não poderia mais voltar à sua terra natal e em alguns relatos, o autor diz que
era como viver em meio aos ratos.
Na época ele trabalhava como
jornalista e se juntou ao Partido Comunista francês para se opor à invasão nazista.
É importante lembrar que muitos comunistas morreram resistindo. Apesar disso, o
autor discorda de algumas questões do partido, sobretudo naquelas que envolviam
a União Soviética, então decidiu se afastar.
Foi nesse mesmo período, no ano de
1942, que o autor publicou o romance O
Estrangeiro. Nesta obra ele parte da filosofia Existencialista para criar
um protagonista totalmente apático, niilista, indiferente às questões do mundo
ao seu redor.
No
romance, Meursault é a personificação do absurdo em Camus. Inclusive,
foi essa a obra que aproximou o filósofo Jean Paul Sartre do autor, gerando
para a história da filosofia, uma bela amizade que terminaria em fortes
desentendimentos políticos-filosóficos.
Para Camus, nem o ser humano, nem o
universo é absurdo, ele entende que o sentimento de Absurdo nasce da relação
entre esses dois e isso acontece precisamente porque o homem tenta impor de várias
maneiras ao universo, clareza, sentido e unidade. A sensação de absurdo vem da
resistência que o universo tem aos nossos conceitos.
A Existência é o próprio absurdo,
pois a priori a vida não possui um sentido e nossa vontade de encontrar esse
sentido nos faz ficar perdidos na sensação de absurdo, na sensação de mal-estar
que a cultura moderna produz. A morte também gera essa sensação, pois ela
também nos é estranha, ela também nos é absurda.
O pensamento filosófico de Albert
Camus parte do existencialismo ao absurdismo e o autor busca expressá-los em
suas obras na forma de ciclos.
No ensaio filosófico O Mito de Sísifo (1942) a consciência do
absurdo está presente desde o princípio, quando nos deparamos com a figura de
Sísifo, o personagem cujo a história trágica, é a condenação de levar por toda
eternidade uma pedra até o topo de uma montanha alta e perigosa, sabendo desde
o princípio que a pedra rolará novamente para solo assim que lá chegar.
Sísifo é a imagem da própria
condição humana. O chamado “proletário dos deuses”, tem consciência de sua
vida, de sua tragédia, mas ainda sim encara o seu destino, encara o absurdo.
“Sísifo
sempre recomeça por mais absurda que sejam as tarefas humanas ele mantém a sua
consciência e continua seu trabalho. A luta para fazer a pedra chegar ao seu
cume, basta para encher o coração de um Homem. É preciso imaginar Sísifo
feliz.” - Albert Camus
No romance O estrangeiro (1942) o absurdo está presente tanto na falta de
sentido na vida do protagonista Meursault, como nos próprios eventos que constroem
a narrativa da história. Em apenas um final semana Meursault perde sua mãe, se casa, mata
uma pessoa e vai preso.
Já na peça de teatro Calígula (1941), o autor constrói na própria imagem do personagem a
noção de absurdo.
Mas talvez a obra de maior
importância para este artigo, seja o ensaio filosófico O homem revoltado (1951). Camus supera a ideia de absurdo e discute
os princípios morais da filosofia, como os conceitos de Justiça e sobretudo
Revolta do ponto de vista histórico e como o único sentido capaz de superar o
absurdo, a falta de sentido.
O
assassinato de George Floyd e a Revolta Camusiana
George Floyd vivia em Minneapolis,
tinha 46 anos, chegou a atuar como a atleta e também no hip-hop local, era
muito bem conhecido na comunidade, apelidado pelos amigos de “Gigante Gentil”.
Em uma manhã de segunda-feira, 25 de
maio, Floyd foi a um pequeno comércio realizar uma simples compra, porém,
quando George foi pagar pelos produtos que estava comprando, o comerciante
passou a acusá-lo, afirmando que sua nota de 20 dólares era falsa e então ligou
para polícia.
Essa história lembra brevemente a
série Atlanta, mais precisamente do
episódio “Alguém com grana”, quando o protagonista Earn (Donald Glover) tem sua nota de 100 dólares negada em um cinema por
alegarem que não havia troco, além de ter sido expulso de outro estabelecimento
com sua companheira, após pagar a entrada com a mesma nota, que dessa vez tinha
sido acusada de ser falsa.
A
nota não era falsa nem na ficção nem na realidade, mas nas duas histórias
homens negros foram acusados injustamente, como diria o próprio Donald Glover, “this is America.”
Nos vídeos e imagens disponíveis do
caso, é possível ver que Floyd não resistiu em momento algum a prisão. O que
não impediu com que a ação da polícia o colocasse algemado no chão, com joelhos
em cima de seu pescoço.
George Floyd foi assassinado a
sangue frio enquanto dizia “não consigo respirar”. Mesma frase repetida 11
vezes em 2014 por Eric Garner, um homem negro de 43 anos que teve sua vida
interrompida por um policial que lhe aplicou uma chave de estrangulamento.
O nome do assassino de Floyd, é Derek
Chauvin, um homem branco de 44 anos, já
conhecido na polícia pela violência de suas abordagens. Antes de assassinar
George, Chauvin já possuía 20 queixas de violência policial. Depois dessa ação,
Derek foi preso e os outros três policiais que participaram foram afastados. (O
vídeo que denuncia a ação da polícia contra George Floyd tem cerca de 10
minutos. É possível ver na filmagem testemunhas desesperadas que insistem para
o policial parar.)
O registro do prédio em chamas passa uma mensagem: “Chega. Não haverá paz enquanto não houver justiça.”
Revolta, para Camus, a atitude mais
digna que um sujeito pode tomar frente ao absurdo, é a atitude de revolta. O
caso de George Floyd gerou essa revolta e pôs literalmente Minneapolis em
chamas.
Devemos nos revoltar diante do
absurdo, da falta de sentido. Não fugir perante as situações de injustiça, como
são os casos dos assassinatos de George Floyd e Eric Garner. Cravar as unhas no
abismo do absurdo, pois o sentimento de revolta é capaz de dar forças para
lutar, receber, abraçar e amar a liberdade. Liberdade essa, que mais um homem
negro não teve direito de exercer.
Já no dia do assassinato,
segunda-feira (25), a foto que registrou o momento da agressão provocou uma
forte mobilização nas redes sociais. No dia 26 de maio, um protesto é convocado na mesma esquina em que
Floyd foi morto. As pessoas, muito emocionadas gritavam, “Não consigo
respirar”, “poderia ter sido eu”, “sem justiça, sem paz”. Tudo estava ocorrendo
de maneira pacífica, os manifestantes inclusive buscaram seguir as
recomendações de proteção da OMS, até que a polícia chegou. Bombas de gás
passaram a ser disparadas e foram efetuados disparos de balas de borracha.
Naquele mesmo dia, os manifestantes
marcharam do cruzamento em que Floyd foi morto, até a delegacia de onde saíram
os policiais que o mataram. Naquele momento o afastamento dos policiais já
tinha sido anunciado, mas o nome dos assassinos ainda era mantido em sigilo. O
temor de que os policiais envolvidos fossem protegidos pelo Estado, levou a
multidão até a delegacia.
Os
protestos após o assassinato de George Floyd pela polícia remetem à história da
escravidão e das relações raciais nos EUA no pós-escravidão. Para alguns analistas, como o historiador
brasilianista James Green, os protestos dos últimos dias podem
chegar a superar, em escala, as manifestações antirracismo no país de abril de
1968,
que se seguiram ao assassinato do líder da luta pelos direitos civis, dr. Martin Luther King Jr., em 4 de abril de 1968. Na ocasião, os protestos de maior escala
ocorreram na capital do país, Washington, e nas cidades de Baltimore, Chicago e
Kansas City. Outros protestos antirracismo tiveram lugar nos EUA de 1968 até
2020, incluindo manifestações contra a violência policial contra afro-americanos,
levando a considerações sobre o que mudou e o que não mudou nas relações
raciais no país desde então, exemplificada pela capa da revista Time de maio de 2015:
Fonte: https://api.time.com/wp-content/uploads/2015/04/baltimore-cover-final.jpg?w=720, acesso em 08/06/2020
A capa remetia aos protestos em
Baltimore que se seguiram à morte do jovem afro-americano Freddie Gray, levado
preso pela polícia por suposta posse de uma faca. Somado a outros casos
semelhantes, as manifestações deram força ao movimento Black Lives Matter (Vidas
Negras Importam), iniciado em 2013.
Fonte: https://noticias.uol.com.br/album/2020/06/01/curitiba-tem-protesto-de-movimento.htm?foto=1, acesso em 08/06
No Brasil, João Pedro, um jovem
negro de 14 anos, foi assassinado durante uma operação em São Gonçalo (RJ), no
dia 18 de maio, pela mesma violência policial que certamente segue critérios
raciais. Protestos no Brasil também se seguiram, como o do dia 01/06, em Curitiba, retratado na imagem acima, somando-se aos protestos contra o racismo que se espalharam pelo mundo, e integrados a manifestações em favor da democracia. No mesmo
momento em que o Governo Federal insiste em acabar com a quarentena numa tentativa
eugenista de matar parte da população mais pobre. Há muito tempo estamos convivendo com o
absurdo.
Com o sentimento de angústia da
população frente a pandemia de covid-19, o caso de George Floyd desencadeou no
mundo a revolta necessária para negar e combater o absurdo, o fascismo
individual, constituído na moral do sistema neoliberal.
Indicações:
Sobre o caso George Floyd - Meteoro
Brasil: https://youtu.be/Df02JqGsxnQ
Uma introdução à filosofia de Albert
Camus - Se liga nessa história: https://youtu.be/MgFl8VDTgK0
Fotos do protesto: https://catracalivre.com.br/cidadania/as-impressionantes-fotos-dos-protestos-pela-morte-de-homem-negro-nos-eua/
Foto Camus: https://labs.mil.up.pt/blogs/pretonobranco/2018/11/07/105-anos-de-albert-camus-autor-de-o-estrangeiro/
Foto George Floyd: https://epoca.globo.com/mundo/caso-george-floyd-quem-era-americano-negro-morto-sob-custodia-o-que-se-sabe-sobre-policial-branco-que-matou-24452304?versao=amp
Sugestão de leitura: https://ghiraldelli.pro.br/2020/06/02/bolsonaro-e-o-fascismo-subjetivado/
Texto: Gilson José de Oliveira Neto, bolsista do projeto de extensão Blog de História da UNILA
Revisão: Prof. Pedro Afonso Cristovão dos Santos