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Historiadores formadxs na UNILA: entrevista com Rodrigo Ishihara Abranches

Iniciamos hoje a publicação de entrevistas com historiadoras e historiadores do curso de História - América Latina da UNILA (Foz do Iguaçu - PR). Nossa primeira entrevista é com Rodrigo Ishihara Abranches, formado em 2019 no Bacharelado em História da UNILA. Ao longo das entrevistas, conversaremos sobre as vivências dxs estudantes na UNILA e no curso de História em particular, além de ouvi-los sobre a experiência de viver e estudar na Tríplice Fronteira. Esperamos que xs leitores conheçam um pouco mais sobre a UNILA e nosso curso de História, nas palavras dxs historiadorxs formados aqui. Boa leitura!


Rodrigo, muito obrigada por nos conceder esta entrevista. Inicialmente eu gostaria que você se apresentasse aos nossos leitores e leitoras.

Rodrigo Ishihara Abranches: Primeiramente, muito obrigado pelo convite. Eu me chamo Rodrigo, sou nascido e criado na periferia da capital de São Paulo, mais especificamente em Itaquera. Meu avô emigrou do Japão para o Brasil com 9 anos de idade em 1938 e conheceu minha avó por meio de um casamento arranjado depois de alguns anos. Trabalhou como agricultor no interior de São Paulo, como feirante e acabou se aposentando como caixa de um hortifrutigranjeiro. Dando um pulo no tempo, em 2014, eu resolvi mudar minha vida. Larguei o curso de direito no terceiro ano de faculdade e me inscrevi no Enem novamente. Por meio de um amigo meu, fiquei sabendo de uma Universidade pública em Foz do Iguaçu e, assim, decidi tentar entrar para a UNILA. Para ser sincero, eu não planejei muito. Trabalhei durante um mês para ter dinheiro da passagem e hospedagem durante um tempo e tinha esperanças de conseguir um emprego ou uma bolsa de estudos para me manter. Felizmente, consegui a bolsa e fiz estágios ao longo do curso – inclusive no Blog de História.


O que te levou a cursar História-América Latina na UNILA?

Sempre que tive oportunidade de estudar história na escola ou universidade, eu me surpreendia com as aulas. Isso também aconteceu com filosofia e sociologia, porém, no fim, eu optei por História. Optei simplesmente por me divertir mais enquanto estudo. Olhando para trás, parece engraçado, mas foi um fator decisivo.


Muitos estudantes de História costumam relatar impactos no curso ao se depararem com algo bem diferente do que conheciam ou acreditavam. Você teria algum exemplo para dividir conosco?

Estudar teoria da história foi um marco para mim. Eu tinha uma visão leiga sobre História e o papel do historiador na sociedade. Muitas vezes eu julgava temas do passado sem ao menos tentar compreender o contexto histórico e achava que aquilo era a posição mais ética que eu poderia ter. Mas, ao me deparar com as aulas, percebi que o papel do historiador traria maiores contribuições para a sociedade e também para o próprio ofício quando não se faz um julgamento a priori.


Como o curso contribuiu para aprofundar ou mudar o seu conhecimento sobre a América Latina? Como foi o convívio e o aprendizado com professores e estudantes de outros países?

Os primeiros anos de UNILA foram os mais ricos em questão de aprofundar o que conhecia sobre a América Latina. Lembro que, todas as vezes que terminava as aulas, isso no antigo campus da UNILA Centro, eu e meus colegas que morávamos juntos, a gente sempre conversava sobre os assuntos da aula desde o centro até chegar na Vila C de ônibus. E continuávamos conversando até de madrugada relacionando os textos, debates, filmes, documentários, músicas.

O convívio no começo foi um pouco mais difícil para mim. Eu tinha um pouco de vergonha de me comunicar em espanhol. Depois ganhei um pouco mais de confiança, com o passar do tempo. A comunicação em espanhol se tornou algo espontâneo e era necessária na sala de aula pois o texto muitas vezes era em espanhol, ou o professor falava em espanhol, ou o seminário apresentado era em espanhol. Nos corredores da Universidade, as pessoas falavam em espanhol e alguém respondia em português e vice-versa. Nas festas idem e até mesmo dentro de casa.

Lembro que as histórias de vida do professor Samuel, que é cubano, eram sensacionais! Meu amigo colombiano Abuelo, que morava comigo, era músico e estava sempre tocando violão e cantando. Essas experiências me marcaram muito.

Materiais usados por Rodrigo em sua monografia de conclusão de curso. Foto: Rodrigo Ishihara Abranches, 25/03/2021


Na monografia de conclusão de curso você analisou aspectos da história da Shindo Renmei em São Paulo. Para você, o que foi mais surpreendente na pesquisa?

A Shindo Renmei foi um grupo formado por imigrantes japoneses considerado como terrorista. Nasceu no interior de São Paulo durante a eclosão da Segunda Guerra Mundial, período relacionado também a medidas restritivas aos imigrantes japoneses no Estado Novo (1937-1946). Muito resumidamente, eles acreditavam que o Japão teria vencido a guerra – “a maioria dos imigrantes acreditava” –, e atacava quem discordava.

Fiquei surpreso ao ver uma notícia falando que a colônia japonesa em Itaquera, de onde parte da minha família era integrante, comemorou a suposta vitória do Japão na Segunda Guerra Mundial. Isso me fez refletir muito sobre o contexto em que os imigrantes japoneses estavam inseridos social e culturalmente no período.

Hoje em dia, penso que a maior contribuição desse meu trabalho foi uma crítica das fontes oficiais. Por meio disso, eu pude enxergar que o grupo Shindo Renmei não era tão organizado, e estruturado, e assim, a questão se voltava mais para o ambiente social do período do que propriamente à atuação sistemática de um grupo organizado que comandava as ações dos imigrantes japoneses. Por mais que este grupo tenha certa responsabilidade, não detinha tal poder [de controle das decisões e da atuação de todos os imigrantes japoneses].


Atualmente, qual a sua ocupação? Se não for na área de História, a formação como historiador já te ajudou ou te ajuda no trabalho?

Então, eu deveria estar dando aulas na rede pública de ensino, como professor eventual, mas a volta as aulas foram canceladas aqui no Estado de São Paulo. Neste meio tempo, estou trabalhando com atendimento no SAC de um banco, e minha formação como historiador não possui um uso prático nesse trabalho, a não ser reflexivo mesmo. Recentemente, eu estava lendo um texto do Thompson (Tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial), no qual ele aborda questões com as quais consigo traçar alguns paralelos, principalmente a relação tempo e trabalho.

 

Sugestões de leitura:

ABRANCHES, Rodrigo Ishihara. Shindo Renmei entre duas narrativas: releituras da organização. 2019. 71. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História – América Latina) – Universidade Federal da Integração Latino-Americana, Foz do Iguaçu, 2019. Disponível em: <https://dspace.unila.edu.br/handle/123456789/5085?locale-attribute=en>

THOMPSON, E. P.  Tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial. In.: THOMPSON, E. P.  Costumes em comum.  Trad. Rosaura Eichemberg.  São Paulo: Editora Schwarcz, 1998, p. 267 – 304. 

 

Entrevista realizada por e-mail em 17 de março de 2021

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