O sociólogo peruano Aníbal Quijano (1930 – 2018) foi um pensador conhecido por ter desenvolvido o conceito de Colonialidade do Poder. Sua obra tem sido muito influente nos campos de estudos decoloniais. No texto Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina (2005), o principal propósito de Quijano é colocar algumas questões teoricamente necessárias para se pensar as implicações da colonialidade do poder relacionadas à história da América Latina.
Segundo Quijano, a América foi o primeiro espaço/tempo que constituiu um padrão de poder de vocação mundial e por essa razão, foi também a primeira id-entidade produzida pela Modernidade. Para tanto, dois processos históricos convergiram e se associaram à América, tornando-se os dois eixos fundamentais do novo Padrão de Poder. O sociólogo explica que primeiro foi estabelecida uma codificação das diferenças entre Conquistadores e Conquistados com o novo conceito de Raça. Assim, uma nova estrutura biológica condicionava uma situação “natural” de inferioridade. Portanto, essa ideia foi assumida pelos conquistadores como o principal elemento constitutivo das relações de dominação que a conquista/invasão exigia, podendo então estabelecer uma articulação de todas as formas históricas de controle de trabalho (de seus recursos e produtos) em torno do capital e do mercado mundial.
Para Aníbal Quijano, a Raça deve ser pensada como uma categoria
mental da Modernidade, pois o conceito de raça em seu sentido moderno não tem
uma história conhecida antes das Américas. A partir desta categoria, foi
estabelecida uma suposta diferença nas estruturas biológicas entre conquistadores
e conquistados que moldaram a colonialidade do poder. A formação de relações
sociais fundadas na ideia de raça produziu identidades sociais historicamente
novas na América, como índios, negros e mestiços. Além disso, a raça e a identidade racial foram
estabelecidas como instrumentos de classificação social básica da população.
Por essa razão, a constituição da Europa como nova id-entidade se deu depois da América, de modo que, com a expansão
do colonialismo europeu sobre o resto do mundo pôde-se conduzir à elaboração da
perspectiva eurocêntrica do
conhecimento.
Tendo dito isso, Quijano afirma que
as novas identidades históricas produzidas pelo conceito de Raça foram associadas à natureza dos papéis e lugares na nova
estrutura global de controle do trabalho. Sendo assim, Raça e Divisão do Trabalho
foram estruturalmente associadas juntas, apesar de nenhuma das duas
classificações serem dependentes uma da outra para existir ou se transformar.
De toda forma, apenas os nobres podiam ocupar os médios e altos postos da
administração colonial, civil ou militar. A distribuição racista do trabalho no
interior do capitalismo colonial/moderno
manteve-se ao longo de todo o período colonial. O autor conclui que cada forma
de controle do trabalho esteve articulada com uma raça em particular,
consequentemente, o controle de uma forma específica de trabalho poderia ser,
ao mesmo tempo, o controle de um grupo específico de dominados.
Aníbal Quijano aponta para a
progressiva monetarização do mercado mundial que os metais preciosos da América
estimulavam, possibilitando aos homens brancos o controle da vasta rede
pré-existente de intercâmbio. Isso também permitiu que eles pudessem concentrar
o controle do capital comercial, do trabalho e dos recursos de produção no
conjunto do mercado mundial. Por essa razão, para Quijano o capitalismo mundial
foi desde o seu início Colonial/Moderno
e Eurocêntrico, e sem uma relação
clara com essas específicas características históricas do capitalismo, o
próprio conceito de Moderno Sistema-Mundo
(formulado classicamente por Immanuel Wallerstein) não poderia ser apropriado e
plenamente entendido.
Outro ponto levantado pelo autor é que,
como parte deste novo padrão de poder mundial, a Europa concentrou sob a sua hegemonia o controle das subjetividades, das culturas, e em especial da produção
de conhecimento. Com isso, a Modernidade e a Racionalidade foram
construídas como experiências e produtos exclusivamente da Europa. Desse ponto
de vista, as relações intersubjetivas e culturais entre a Europa Ocidental e o
Mundo foram codificadas num jogo de novas categorias, como: Oriente-Ocidente, Primitivo-Civilizado,
Mágico/Mítico-Científico, Irracional-Racional, Tradicional-Moderno. E neste
ponto, a única categoria que recebeu a “devida honra” de ser reconhecida como o
Outro da Europa/Ocidente foi o Oriente, e sob essa codificação das relações entre
europeu/não-europeu, Raça é a
categoria decisiva.
Por fim, pode-se dizer que para o
sociólogo peruano Aníbal Quijano, a globalização em curso é, em primeiro lugar,
a culminação de um processo que começou com a constituição da América e do
Capitalismo Colonial/Moderno e Eurocêntrico como um novo padrão de
poder mundial. Um dos eixos fundamentais desse padrão de poder é a
classificação social da população mundial de acordo com o conceito/ideia de Raça, uma construção mental que expressa
a experiência básica da dominação colonial e que desde então permeia as
dimensões mais importantes do poder mundial, incluindo sua racionalidade
específica, o eurocentrismo. Portanto, esse eixo tem origem e caráter Colonial,
mas provou ser mais duradouro e estável que o próprio Colonialismo, cuja matriz
foi estabelecida. Para Quijano, o notável disso é o fato de que os europeus
foram capazes de difundir e estabelecer essa perspectiva histórica hegemônica dentro do universo intersubjetivo do Padrão Mundial de
Poder.
Referências:
QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e
América Latina. Buenos Aires: CLACSO, 2005.
Gilson
José de Oliveira Neto,
estudante do curso de História – América Latina da UNILA