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As Lutas de Libertação na África no Século XX

 

Alguns meios de comunicação, livros e revistas costumam falar que durante a Guerra Fria não houve combate direto entre as nações, especificamente entre a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e os Estados Unidos da América (EUA). Porém, quando olhamos para os continentes africano e asiático vemos essa teoria se contradizendo. É fundamental, antes de iniciarmos os estudos sobre os processos de independência e revoluções na África, entendermos o que é uma Revolução.

O conceito de revolução está associado a uma mudança radical, às vezes violenta, que visa a derrubada de um regime e a luta pela construção de um novo. Essa ruptura visa a construção de novas estruturas sociais, novas formas de comércio, política e economia. O principal meio que leva à revolução pode ser um levante de grupos organizados armados, um levante de massas ou um golpe de Estado (cf. VISENTINI, 2012).

Para compreender as lutas de libertação, independência e revoluções na África no século XX, precisamos entender que esses países em busca de suas independências eram colônias de países europeus – como Bélgica, França, Alemanha, Inglaterra, Portugal – desde o final do século XIX até a década de 90 do século XX.

Um ponto extremamente importante a destacar são as tensões políticas pelas quais o século XX vinha passando durante e após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Dois grandes grupos dominam a Europa e influenciam política e economicamente o resto do mundo. Após o fim da Segunda Guerra, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) influencia o leste europeu e alguns países da Ásia e América, enquanto as potências que representavam o capitalismo, como os Estados Unidos, Inglaterra e França, tinham influências diretas em países ocidentais e africanos.

Com o fim da guerra, boa parte das potências europeias que tinha colônias na África enfraqueceu-se no âmbito político e econômico. Na década de 1960 grandes grupos dentro das colônias africanas surgem e ressurgem reivindicando a independência de seus territórios. As colônias francesas foram as primeiras a conquistarem suas independências, mas a França não abriu mão pacificamente de todas elas. As colônias que detinham recursos naturais valiosos para os países europeus foram reprimidas militarmente e somente com a criação de guerrilhas por parte dos africanos e do combate direto é que se levou à expulsão dos colonizadores e à conquista de sua independência.

Na década de 1960, 1970 e até final dos anos 1980 os movimentos revolucionários de libertação recebiam influências do bloco soviético assim como acontecia na Europa, Ásia e América. A URSS fornecia desde treinamento militar até soldados, armamento de artilharia, infantaria e suprimentos alimentares e médicos. Lembremos também do apoio fundamental que Cuba fornecia a esses países, tendo apoiado militarmente com soldados e armamentos Angola, Etiópia, Congo e Argélia. As potências imperialistas, como os Estados Unidos, não ficaram de fora, passando a apoiar os países europeus na repressão contra os movimentos africanos de libertação. Exemplo disso é o golpe de estado que levou ao assassinato de Thomas Sankara em 1987, revolucionário e primeiro presidente de Burkina Faso (ex-colônia francesa), assassinato esse liderado pela CIA e o governo francês.

Kwame Nkrumah, primeiro-ministro de Gana, discursando na primeira Conferência do Povo de toda a África (AAPC) em Accra. Collection: Southern Africa Committee photo archive. Hands off Africa! Dezembro de 1958. Disponível em: < https://africanactivist.msu.edu/image.php?objectid=210-809-236> Acesso em: 21 nov. 2021

 

O primeiro país africano a se libertar do jugo colonial europeu foi Gana, em 6 de março de 1957, sendo Kwame Nkrumah o principal líder de sua independência. Nkrumah foi também um dos principais inspiradores do pan-africanismo. Em 1966 sofreu um golpe de estado, financiado pelo Reino Unido, enquanto estava em uma viagem diplomática, e buscou exílio na Guiné Bissau. De modo geral, os países africanos não conquistaram suas independências através de uma via "pacífica" e conciliadora. Os processos de independência em Angola, Moçambique, Guiné Bissau, Cabo Verde, Argélia, Líbia e Nigéria envolveram repressões e conflitos durante e principalmente após a independência. Boa parte desses conflitos, como em Ruanda, se deu pela demarcação arbitrária dos territórios e disputas étnicas imposta pelos seus antigos colonizadores, que após a independência geraram diferenças ou acentuaram conflitos entre países vizinhos.

É importante ressaltarmos que os movimentos africanos que se organizaram para conquistar a independência de seus países e se livrar da exploração desumana que as metrópoles impunham a esses povos não se deram apenas pelo apoio dessas grandes potências, como no caso do apoio fornecido por Cuba e União Soviética. O pan-africanismo, que discutiremos mais adiante, foi a principal linha de pensamento que levou os africanos de cada colônia e país a se unirem, pegarem em armas e se rebelarem contra seus opressores.

A corrente do pan-africanismo que predominou durante o período de luta anti-colonial, se baseia em uma ideologia que visa a união de todos os povos africanos. Nkrumah defendia que, com a união dos povos, poderia se formar uma grande nação, a qual alcançaria uma grande visibilidade e representatividade perante as outras nações. Em caso de precisar se defender militarmente contra a ameaça de uma nação imperialista, a África estaria preparada para responder. No início do século XX o pan-africanismo ganhava grandes adeptos em descendentes de africanos escravizados que foram trazidos para as Américas. O pan-africanismo defendido pelos revolucionários e principais líderes africanos então se baseava na defesa das culturas africanas, contra os preconceitos raciais e marginalização dos povos de descendência africana. Com o início dos processos de independências na África, o pan-africanismo passou a discutir não somente questões raciais, mas também a liberdade dos africanos, sua autonomia sobre seus territórios e a união contra o colonialismo imperialista.

 

Referência bibliográfica:

VISENTINI, Paulo. As Revoluções Africanas. São Paulo: Editora UNESP, 2012.

Para saber mais:

E naquele dia mataram a felicidade. Direção: Silvestro Montanaro. Burkina Faso: 2013. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=20u-WWjM_50&t=7s&ab_channel=CarlinhoUtopia>. Acesso em: 21 nov. 2021.

LIVROS: As revoluções Africanas. Produção: Deisy Fernanda Feitosa. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=oTDEOJbwaCU&ab_channel=UNIVESP>. Acesso em: 21 nov. 2021.

 

Gustavo Alves Lima, estudante de História-Licenciatura da UNILA.

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