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Jogos Olímpicos modernos: breve percurso histórico por alguns momentos desde sua criação

 

Primeira edição dos Jogos Olímpicos Modernos, Atenas, 1896. Disponível em: https://olympics.com/pt/olympic-games/athens-1896

Nesta semana e na próxima, o Blog de História da Unila, aproveita o clima das Olimpíadas que finalizou sua 33a edição, realizada na cidade de Paris - França, para propor um breve percurso histórico por sua história. Boa leitura! 

Os Jogos Olímpicos da Era Moderna tiveram sua primeira edição em 1896, sediados na Grécia, na cidade de Atenas. Eles foram recriados pelo francês Pierre de Coubertin (1863, Paris, França - 1937, Genebra, Suíça). Recriados porque foram inspirados em um dos festivais que faziam parte dos Jogos Pan-Helênicos, datados em “776 a.C, o ano da realização da primeira olimpíada, o festival mais antigo, mais solene e mais famoso de entre todos, definiu um marco na existência oficial dos jogos desportivos” (SILVA, 2000, p. 60); eram estes: “os jogos Pítios, ligados aos santuários de Delfos e Termópilas. Seguidos dos Ístimos, realizados no território de Corinto, e dos Nemésios, no território de Filus. Os jogos Olímpicos completam o quarteto, que se tornaram os mais famosos” (SANTIN, 2013, p.158), estes, no território de Olímpia. Segundo Santin, os jogos Pan-Helênicos englobavam atividades atléticas, teatro, oratória, poesia, arte, portanto, consistia em uma ampla manifestação sociocultural (SANTIN, 2013, p.158). 

A professora Maria de Fátima Silva, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, entende que refletir sobre os jogos da antiguidade também é concentrar as atenções no mundo helênico e que ao se recriarem os jogos olímpicos modernos se revive o “espírito grego”. Uma característica dos jogos na antiguidade é a ideia de que os deuses dominam o destino dos homens e por um momento permite ao homem elevar-se acima de sua "natural efemeridade e pequenez (SILVA, 2000, p.57). Segundo Silva, conforme a progressão da sociedade helênica, onde havia maior participação do indivíduo não aristocrata, o evento ganha maior amplitude. Helênicos se uniam para "competir por um prêmio". Como prêmio o Arete, recebido diante dos deuses e uma plateia pan-helênica, tornando esse momento em um símbolo da união nacional. Segundo Silva, um momento "raro dentro de um conceito de repartição política característico da Grécia antiga" (SILVA, 2000, p.57 e 58). Resumidamente, a glória traduzida em uma coroa de folhas. Diversos trabalhos discorrem sobre a dimensão do prêmio do "Areté ou Arete", como por exemplo “ao pensarmos sobre a areté (excelência humana) em Aristóteles, logo a noção de cidadão pode ser evocado” (MANIERI, 2017, p.15). Assim como há uma discussão interessante sobre a dimensão dos jogos festivais pan-helênicos sobre “a dimensão pacífica da guerra”, sintetizado por Silva (SILVA, 2000, p.58). 

Antes de iniciarmos o tema abordado no texto cabe situar o esporte como atividade de longa trajetória para os humanos. Considerando o esporte como capacidade humana de simbolizar e concretizar uma atividade lúdica (SANTIN, 2013, p.158). Citamos aqui o Jogo de Bola da Mesoamérica, “inventado em alguma época do Período Pré-Clássico (2500-100 a.C.), provavelmente pelos Olmecas, disseminando-se até virar um componente comum da paisagem urbana por toda a Mesoamérica no Período Clássico (300-900)” (ALBUQUERQUE, 2013). Chegando a ser exportado para outras culturas na América do Norte e no Caribe. Este, ao que indica, também exercia funções importantes na Mesoamérica, assim como possuíam regras para a prática.

Na era moderna “Olímpicos” foi o nome escolhido pelo francês para os Jogos. Segundo Katia Rubio, professora da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE-USP) e pesquisadora no Grupo de Estudos Olímpicos, tanto o fenômeno esportivo como os Jogos Olímpicos são fenômenos socioculturais da modernidade. Os Jogos atravessam um período cheio de singularidades e, sendo assim, requer nitidez sobre os diversos momentos históricos que o fenômeno atravessa (RUBIO, 2010, p. 55, 56). A autora compreende que o Movimento Olímpico contemporâneo preza e defende a continuidade da organização e de seus ideais para perpetuar uma tradição institucional, assim fortalecer “um imaginário institucional soberano" (RUBIO, 2010, p. 55, 56).

Pierre de Coubertin, idealizador dos Jogos Olímpicos Modernos. Disponível em: https://olympics.com/ioc/pierre-de-coubertin

Segundo Rubio, condições bastante particulares denunciam o lugar e o momento histórico em que o esporte moderno se desenvolveu. A autora revela que, o que levou a Coubertin abraçar a tarefa de “organizar uma instituição de caráter internacional” a fim de tratar o esporte como “uma atividade capaz de transformar a sociedade daquele momento” foi, sobretudo, o renascer do interesse por estudos clássicos. Esses estudos fizeram “reviver na intelectualidade da época a fascinação de que a cultura helênica exercia sobre a cultura europeia”, além das descobertas de sítios arqueológicos (RUBIO, 2010, p. 56). Outro ponto importante que revela a ligação do Movimento Olímpico com o momento histórico é a proliferação de organizações de cunho internacionalista, que tinham como objetivo a promoção da paz. Rubio argumenta que, “embora durante o século XIX tivesse ocorrido um grande desenvolvimento das ciências humanas e da produção de ideias, os conflitos ainda eram resolvidos de forma brutal por meio da guerra” (RUBIO, 2010, p. 56). Nessa lógica de conflito entre nações o esporte fazia sentido para um conflito não violento. Em 25 de novembro de 1892, assim como na Grécia Helênica, no 5° aniversário da União das Sociedades Francesas de Esportes Atléticos, o Barão de Coubertin manifesta “seu desejo e intenções com relação aos Jogos”. Em junho de 1894, durante um congresso esportivo cultural ele apresenta a recriação dos Jogos Olímpicos (RUBIO, 2010, p.57). A ideia que foi perpetuada, tem caráter internacional e quadrienal, dividias em Jogos Olímpicos de Inverno e de Verão, alternando-se de dois em dois anos. Rubia destaca que se “para os gregos, os Jogos representavam um momento de trégua nas guerras e conflitos de qualquer ordem para que competidores e espectadores pudessem chegar a Olímpia”, (RUBIO, 2010, p.57), o mesmo não acontece na era moderna, onde os Jogos já sofreram duas pausas causadas pelas guerras e diversos boicotes promovidos por países.

O esporte contemporâneo e o Movimento Olímpico em si são, segundo ARDOINO e BROHM (1995), de parte a parte um fato histórico, uma totalidade de processos históricos contraditórios com um desenvolvimento irregular, porém combinado, que conduz a totalizações concretas complexas: as instituições e as práticas e discursos esportivos contemporâneos (RUBIO, 2010, p.57).

Rubio propõe quatro fases para destacar “momentos distintos” pelos quais o Movimento Olímpico passou e passa, são eles: “Fase de estabelecimento - de Atenas 1896 a Estocolmo 1912; Fase de afirmação - Antuérpia 1920 a Berlin 1936; Fase de conflito - de Londres 1948 a Los Angeles 1984; Fase profissional - de Seul 1988 até os dias atuais” (RUBIO, 2010, p.57).

A fase de estabelecimento, de 1896 a 1912, é marcada pela aceitação da proposta olímpica. A princípio era tida como uma aventura de "nobres excêntricos e aristocratas" que necessitaria muito dinheiro para ser realizada, porque, naquele momento, ainda não contava com o financiamento das nações competidoras. Além disso, tinham que convencer tanto os governos como os atletas. Os ideais olímpicos ainda não eram nítidos aos participantes. Porém, segundo a autora, esse momento foi importante para a sedimentação dos jogos. Nesse momento inicial os Jogos tinham uma proposta de esporte restritiva:

Contemplava apenas e tão somente aos descendentes da aristocracia europeia e norte-americana, com patrimônio suficiente para que não necessitasse se envolver com atividades produtivas, o que lhes retiraria a condição de amadores tão necessária à prática esportiva, no entender dos organizadores e dirigentes esportivos de então (RUBIO, 2010, p.58, grifo nosso).

De maneira geral, nesse início, o evento contava com pouca participação do público. Alguns atletas ainda não entendiam direito o que estavam disputando (RUBIO, 2010, p.58). Vale ressaltar também que a primeira edição, realizada em 1896 em Atenas, Grécia, não contou com a participação de mulheres, porém a organização do evento não suportou a pressão dos “movimentos de inclusão feminina” (RUBIO, 2010, p.58). Na primeira edição de Paris, em 1900, na França, poucas mulheres disputaram os jogos. A autora também ressalta que na edição de Saint-Louis, em 1904, nos Estados Unidos, houve uma demonstração chamada “Antropological days”, na qual diferentes etnias participantes “se enfrentaram em trajes sumários, simulando um espetáculo circense e também na discriminação a atletas negros, burlando a postulados olímpicos como a igualdade entre os participantes dos Jogos” (RUBIO, 2010, p.59). Outro problema enfrentado pelo comitê foi a falta da universalização de regras e sistema de pontuação, que gerou a criação de diversos recursos por parte das delegações (RUBIO, 2010, p.59). Basicamente, esses são alguns dos problemas e desafios enfrentados pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) em sua fase de estabelecimento. Problemas relacionados à organização e financiamento do evento, e problemas ideológicos sobre a não aceitação de ideias ultrapassadas pelo público do evento.

Na postagem seguinte finalizaremos essa postagem sobre os Jogos Olímpicos Modernos. Abordaremos as três últimas fases de análise propostas pela pesquisadora, a fase de afirmação, a de conflito e de profissionalização dos Jogos. Até breve!

Referências.

ALBUQUERQUE, Ricardo. O Jogo de Bola da Mesoamérica. World History Encyclopadia. 2013. Disponível em: https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-604/o-jogo-de-bola-da-mesoamerica/ . Acesso em: 11/08/2024.

MANIERI, Dagmar. O conceito de areté em Aristóteles. Synesis, v. 9, n. 2, p. 15-29, ago/dez 2017. Disponível em: file:///C:/Users/capuc/Downloads/Dialnet-OConceitoDeAreteEmAristoteles-6356646.pdf . Acesso em 11/08/2024.

RUBIO, Katia. Jogos Olímpicos da Era Moderna: uma proposta de periodização. Rev. bras. Educ. Fís. Esporte, São Paulo, v.24, n.1, p.55-68, jan./mar. 2010.

SANTIN, Silvino. Cultura e Esporte: Uma hermenêutica visual. Motrivivência Ano XXV, Nº 41, pag.155-165, 2013. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/motrivivencia/article/view/2175-8042.2013v25n41p155/25833 . Acesso em: 08/08/2024.

SILVA, Maria de Fátima. Os jogos olímpicos na Grécia Antiga. Um certame de ideal e de glória. 2000, P. 57-72. Disponível em: https://scholar.google.com.br/scholar?lookup=0&q=++Os+jogos+ol%C3%ADmpicos+na+Gr%C3%A9cia+Antiga.+Um+certame+de+ideal+e+de+gl%C3%B3ria&hl=pt-BR&as_sdt=0,5 . Acesso em 11/08/2024. 


Acauã Allende Silva Capuchobacharel em História pela UNILA

 

Revisão: Rosangela de Jesus Silva


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