Pular para o conteúdo principal

Disputas de Poder nas Olimpíadas: O Embate pelo Pódio entre URSS e EUA (1948-1992)

Nesta semana o blog de História da Unila publica encerra o ciclo de publicações sobre as  Olímpiadas. Neste terceiro texto propomos um olhar sobre os quadros de medalhas durante a Guerra Fria e como eles permitem observar a disputa entre os blocos socialista e  capitalista representados pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e Estados Unidos, respectivamente . Boa leitura!

1980 Summer Olympic Games MOSCOW - JULY 19: General view of the Opening ceremonies of the 1980 Summer Olympic Games on July 19, 1980 in Moscow, Russia. (Photo by Tony Duffy/Getty Images)
link da imagem: https://media.gettyimages.com/id/51075725/pt/foto/moscow-general-view-of-the-opening-ceremonies-of-the-1980-summer-olympic-games-on-july-19-1980.jpg?s=1024x1024&w=gi&k=20&c=bcTXASg5GUwOO-q_G_KZ0d4LdnSGiTEBvYvsc76AbXU= 

O período pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945) representa um cenário de intensa disputa pela hegemonia global, protagonizada pelos blocos capitalista, liderado pelos Estados Unidos, e socialista, representado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). A guerra deixou marcas profundas, especialmente na Europa, onde diversos países enfrentaram enormes perdas humanas, destruição de infraestrutura e uma crise econômica sem precedentes. As cidades bombardeadas precisavam ser rapidamente reconstruídas, enquanto suas economias lutavam para se reerguer. Nesse contexto de fragilidade europeia, as duas superpotências, que emergiram fortalecidas do conflito, viram a oportunidade de expandir sua influência global e se envolveram em uma acirrada competição geopolítica. Essa disputa ideológica e econômica seria marcada, na maioria, pelas estratégias de reconstrução e auxílio econômico, especialmente na Europa, onde cada bloco procurava consolidar sua presença e atrair aliados estratégicos.

Enquanto isso, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) buscava expandir sua influência além da Europa, obtendo grande adesão em países da Ásia, como Vietnã, Coreia do Norte e China. No continente americano, a Revolução Cubana representou um marco importante, consolidando a presença do socialismo em Cuba e influenciando movimentos revolucionários em toda a América Latina, o que aumentou a tensão no hemisfério ocidental. Diante desse avanço socialista, os Estados Unidos, que já estavam em uma disputa ideológica com a URSS, apesar de terem sido aliados durante a Segunda Guerra Mundial, adotaram novas estratégias para conter essa influência, tanto na América Latina quanto em outras regiões. Entre essas estratégias, destacam-se a criação da OTAN e o Plano Marshall, um programa de auxílio econômico destinado aos países da Europa Ocidental, com o objetivo de reconstruí-los e evitar a expansão do socialismo por essas regiões.

Esta disputa que neste momento promove uma bipolarização do mundo, que apesar de chamada de guerra fria somente porque a URSS e EUA não tiveram embates bélicos diretamente, tiveram diversos conflitos quentes envolvendo países que apoiavam a URSS ou os EUA diretamente. Como exemplos podemos citar a Guerra do Vietnã e os conflitos entre Cuba e EUA, os quais resultaram no embargo econômico de Cuba que se mantém até os dias atuais. Essa disputa de hegemonia fez com que os países entrassem em corridas como a armamentista e também espacial, o que promoveu um desenvolvimento de várias tecnologias.

Entretanto, é possível observar que este embate da guerra fria se reflete em outros âmbitos que envolvem a diplomacia mundial, como as Olimpíadas. A disputa esportiva entre EUA e URSS durante a Guerra Fria era refletida nas competições olímpicas, com ambas as potências buscando se superar no quadro de medalhas como uma forma de demonstrar sua superioridade política e ideológica. Essa rivalidade não se limitava ao desempenho nos pódios, mas também incluía o uso de boicotes e proibições para enfraquecer o oponente e fortalecer suas próprias narrativas. Um exemplo claro dessa estratégia foi o boicote liderado pelos EUA às Olimpíadas de Moscou em 1980, em resposta à invasão soviética no Afeganistão, conforme analisado por Meihy e Souza (2018). Em contrapartida, a URSS liderou um boicote às Olimpíadas de Los Angeles em 1984, conforme detalhado por Rodrigues (2021). Tais episódios demonstram como o esporte foi utilizado como uma ferramenta diplomática e política no contexto da Guerra Fria.

Recorte de tabela elaborada pelo registro das medalhas feita pelo Wikipédia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Quadro_de_medalhas_dos_Jogos_Ol%C3%ADmpicos

Em 1948 Japão e Alemanha foram impedidos de participar dos Jogos Olímpicos pelo seu posicionamento na Segunda Guerra Mundial. A União Soviética optou por não participar dessa edição.


 
Recorte de tabela elaborada pelo registro das medalhas feita pelo Wikipédia). Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Quadro_de_medalhas_dos_Jogos_Ol%C3%ADmpicos_de_Ver%C3%A3o_de_1948

Em 1952 a URSS participa dos jogos e já entra na disputa pelo pódio obtendo segundo lugar no quadro de medalhas, colocando em evidência e tornando os jogos olímpicos mais um espaço de disputa entre o lado socialista e capitalista.

Recorte de tabela elaborada pelo registro das medalhas feita pelo Wikipédia). Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Quadro_de_medalhas_dos_Jogos_Ol%C3%ADmpicos_de_Ver%C3%A3o_de_1952

Em 1956 a disputa entre os dois lados da guerra fria persistiria nos jogos olímpicos e se tornaria ainda mais competitivos, com a URSS ultrapassando os EUA e tirando deles o topo do pódio.

Recorte de tabela elaborada pelo registro das medalhas feita pelo Wikipédia). Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Quadro_de_medalhas_dos_Jogos_Ol%C3%ADmpicos_de_Ver%C3%A3o_de_1956

1972 - Com o muro de Berlim (1861-1889), identificamos que a disputa agora se torna ainda mais evidente, sendo representada também pelas duas delegações da Alemanha - ocidental e oriental - e agora também com a volta do Japão aos jogos se colocando já em quinto lugar nesse pódio de demonstração de força entre as potências que se encontravam nessa disputa ideológica entre capitalismo e socialismo.

Recorte de tabela elaborada pelo registro das medalhas feita pelo Wikipédia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Quadro_de_medalhas_dos_Jogos_Ol%C3%ADmpicos_de_Ver%C3%A3o_de_1972

Em 1976 observamos que a disputa se torna cada vez mais um fator de demonstração de força. A Alemanha Oriental, que se aliava a URSS, supera os EUA na colocação desta edição.

Recorte de tabela elaborada pelo registro das medalhas feita pelo Wikipédia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Quadro_de_medalhas_dos_Jogos_Ol%C3%ADmpicos_de_Ver%C3%A3o_de_1976

Em 1980, edição que aconteceu em Moscou, foi boicotada pelos EUA e seus países aliados, então identificamos que outros países aparecem neste pódio, alguns deles próximos da URSS ideologicamente, como Cuba, que já se encontrava num período pós-crise dos mísseis.

Recorte de tabela elaborada pelo registro das medalhas feita pelo Wikipédia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Quadro_de_medalhas_dos_Jogos_Ol%C3%ADmpicos_de_Ver%C3%A3o_de_1980

A edição de 1984, que aconteceu em Los Angeles, teve um pagamento na mesma moeda, onde os países aliados da URSS optaram por não participar. O que só reforça a importância destes jogos na disputa de demonstração de poder, as Olimpíadas sendo um espaço de diplomacia e disputa. A China, apesar de já se denominar majoritariamente comunista neste período, participa mesmo com o boicote da URSS e de países aliados e anti-capitalistas, pois não era aliada oficialmente da URSS. Inclusive havia atritos significativos entre a URSS e China, já que o comunismo se fortalecendo estaria demonstrando mais uma ideologia em potencial para disputa dessa hegemonia que esteva sendo almejada tanto pela URSS quanto pelos EUA.

Recorte de tabela elaborada pelo registro das medalhas feita pelo Wikipédia. Disponível em; https://pt.wikipedia.org/wiki/Quadro_de_medalhas_dos_Jogos_Ol%C3%ADmpicos_de_Ver%C3%A3o_de_1984

1988 - Na edição de 1988, ocorrida na Coreia do Sul, ambos lados da guerra fria participam dos jogos e identificamos, que a Coreia, o país sede dessa edição, que nunca havia aparecido em um pódio antes, mesmo sendo aliada dos EUA, num contexto de pós-guerra da Coreia. Os três países não superam a URSS e Alemanha Oriental no pódio, mas se fazem presentes, com a Coreia do Sul conseguindo ultrapassar inclusive a Alemanha Ocidental.

Recorte de tabela elaborada pelo registro das medalhas feita pelo Wikipédia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Quadro_de_medalhas_dos_Jogos_Ol%C3%ADmpicos_de_Ver%C3%A3o_de_1988

Em 1992, sendo a última edição com a participação da URSS representada como Equipe Unificada, mesmo tendo acontecido seis meses após a dissolução da URSS, optaram por participar como uma única equipe, a qual já estava formada e seguiu demonstrando sua força. Observamos também que a Alemanha se mantém no pódio, em terceiro lugar, pós-queda do muro de Berlim, a China em quarto e Cuba em quinto, mesmo em um cenário que o mundo acreditava que o capitalismo havia vencido o socialismo, vemos que ainda havia uma certa resistência de ideologias contrárias nessa demonstração de força através do esporte.

Recorte de tabela elaborada pelo registro das medalhas feita pelo Wikipédia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Quadro_de_medalhas_dos_Jogos_Ol%C3%ADmpicos_de_Ver%C3%A3o_de_1992

Sendo 1996 a primeira edição sem a existência da URSS ou de uma equipe que representaria o bloco soviético - a Rússia, um dos principais países deste bloco, se mantém nessa disputa pelo pódio - sendo montado por EUA, Rússia, Alemanha, China - identificando num panorama de top 10 também outros países como Cuba, Ucrânia, Coreia do Sul.

Analisando de uma forma mais generalizada, apenas pelas primeiras colocações logo após a Segunda Guerra Mundial, já é possível observarmos que a disputa pelo quadro de medalhas se dá justamente pelos dois grandes rivais ideológicos EUA e URSS e esse cenário se expande até a dissolução da URSS, que mesmo organizada em seu final como “Equipe Unificada”, consegue o primeiro lugar na disputa esportiva

Recorte de tabela elaborada pelo registro das medalhas feita pelo Wikipédia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Quadro_de_medalhas_dos_Jogos_Ol%C3%ADmpicos

Através dessa análise, conseguimos identificar, ao longo da história dos jogos olímpicos, outras representações e outras ações - até do próprio COI - sobre acontecimentos globais, ligadas às estas potências mundiais. Evidenciando que os jogos, de fato, se tornaram também mais um espaço de disputa não apenas de demonstração de força e poder, mas também diplomático, como nos boicotes de 1980 e 1984. Existiram outros tipos de boicotes e manifestações durante outras edições, mas aqui no caso, estamos trabalhando apenas com o recorte da Guerra Fria.

É possível analisar que, após essa dissolução socialista soviética, a hegemonia e posição de vencedor dos EUA volta por três edições consecutivas. Entretanto, ela é colocada em disputa na edição de 2008 pela sua atual rival, não só ideológica, mas principalmente econômica, a China, que já se fazia presente no contexto da guerra fria, se colocando nessa disputa antes mesmo da dissolução da URSS.


Conclui-se, portanto, que o período pós-Segunda Guerra Mundial foi marcado por uma intensa disputa hegemônica e ideológica entre as duas grandes potências da época: Estados Unidos e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Essa rivalidade, que se manifestava não apenas no campo político e militar, mas também no esportivo, transformou eventos como as Olimpíadas em palcos para demonstrações de poder e influência global. Neste período o esporte e outras formas de comunicação tornaram-se arenas importantes para a disputa ideológica, sendo utilizados como meios de propaganda e demonstração de força, evidenciando a polarização entre o bloco socialista e o capitalista.

Durante as décadas subsequentes à Segunda Guerra Mundial, as Olimpíadas foram palco de diversas estratégias de afirmação e confronto entre EUA e URSS, incluindo boicotes e a busca por posições de destaque no pódio, como forma de provar a superioridade de suas ideologias. O exemplo mais notável foi o boicote dos EUA aos Jogos Olímpicos de 1980 em Moscou, seguido pelo boicote da URSS aos Jogos de 1984 em Los Angeles.

Além disso, pode-se observar que a corrida armamentista e a disputa pela supremacia tecnológica, especialmente no campo espacial, tiveram um paralelo direto na competição esportiva, onde as vitórias e posições no pódio serviam como símbolos de prestígio e poder. A análise das edições olímpicas entre 1948 e 1992 revela como a rivalidade entre EUA e URSS influenciou diretamente o desempenho dos atletas e a postura das delegações, com destaque para a hegemonia soviética até sua dissolução.

As Olimpíadas, durante a Guerra Fria, não apenas refletiram as tensões globais, mas também serviram como um canal de comunicação implícito entre as nações, onde as vitórias e derrotas esportivas adquiriram um significado político profundo. Essa dinâmica continuou mesmo após a dissolução da URSS, com a Rússia, sucessora do legado soviético, que posteriormente acabou sendo impedida de participar dos jogos a partir da edição de 2020, mantendo-se como uma potência esportiva significativa, enquanto a China emergia como uma nova força a ser considerada, especialmente a partir dos Jogos de 2008.

Portanto, as Olimpíadas, ao longo da Guerra Fria, transcenderam seu papel de evento esportivo para se tornarem um campo de batalha simbólico, onde o embate entre o socialismo soviético e o capitalismo norte-americano se desenrolava perante os olhos do mundo. Mesmo após o fim da Guerra Fria, o legado dessas disputas continua a influenciar a geopolítica do esporte, com novas potências emergindo e antigas rivalidades sendo reconfiguradas.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

KIESEL, Felipe de Almeida. Rivalidade esportiva EUA x URSS no contexto da Guerra Fria: análise fílmica da obra “Desafio no Gelo”. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 26., 2011, São Paulo. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo. 2011.

MEIHY, M.; SOUZA, L. O esporte como ferramenta política e diplomática: o caso do boicote americano às Olimpíadas de Moscou (1980). FuLiA/UFMG , Belo Horizonte/MG, Brasil, v. 2, n. 3, p. 147–159, 2018.

RODRIGUES, Aline de Oliveira. Olimpíadas de verão e boicotes de 1980 e 1984: diplomacia esportiva durante a guerra fria. 2021. 32 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Relações Internacionais) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2021.

RUBIO, Katia. Jogos Olímpicos da Era Moderna: uma proposta de periodização. Rev. bras. Educ. Fís. Esporte, São Paulo, v.24, n.1, p.55-68, jan./mar. 2010.


Gabriel Cesar Brunório Estudante de História Licenciatura pela UNILA

Revisão: Rosangela de Jesus SilvaProfessora de História e imagem na Unila












Postagens mais visitadas deste blog

"Progresso Americano" (1872), de John Gast.

Progresso Americano (1872), de John Gast, é uma alegoria do “Destino Manifesto”. A obra representa bem o papel que parte da sociedade norte-americana acredita ter no mundo, o de levar a “democracia” e o “progresso” para outros povos, o que foi e ainda é usado para justificar interferências e invasões dos Estados Unidos em outros países. Na pintura, existe um contraste entre “luz” e “sombra”. A “luz” é representada por elementos como o telégrafo, a navegação, o trem, o comércio, a agricultura e a propriedade privada (como indica a pequena cerca em torno da plantação, no canto inferior direito). A “sombra”, por sua vez, é relacionada aos indígenas e animais selvagens. O quadro “se movimenta” da direita para a esquerda do observador, uma clara referência à “Marcha para o Oeste” que marcou os Estados Unidos no século XIX. Prof. Paulo Renato da Silva. Professores em greve!

A perspectiva na pintura renascentista.

Outra característica da pintura renascentista é o aprimoramento da perspectiva. Vejamos como a Enciclopédia Itaú Cultural Artes Visuais se refere ao tema: “Técnica de representação do espaço tridimensional numa superfície plana, de modo que a imagem obtida se aproxime daquela que se apresenta à visão. Na história da arte, o termo é empregado de modo geral para designar os mais variados tipos de representação da profundidade espacial. Os desenvolvimentos da ótica acompanham a Antigüidade e a Idade Média, ainda que eles não se apliquem, nesses contextos, à representação artística. É no   renascimento   que a pesquisa científica da visão dá lugar a uma ciência da representação, alterando de modo radical o desenho, a pintura e a arquitetura. As conquistas da geometria e da ótica ensinam a projetar objetos em profundidade pela convergência de linhas aparentemente paralelas em um único ponto de fuga. A perspectiva, matematicamente fundamentada, desenvolve-se na Itália dos séculos XV e