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Preservação ambiental x Modernidade: O caso das cataratas

A evolução das tecnologias e de seu progresso na sociedade moderna pode causar em nós a impressão de que os avanços tecnológicos são, ou serão em breve, capazes de corrigir os danos ambientais acumulados de um extenso período de uso e exploração de recursos naturais pela sociedade moderna, cada vez mais numerosa e caracterizada principalmente pelo consumo. Entretanto, se torna cada vez mais clara uma crise ambiental marcada pelas mudanças climáticas, pela poluição do ar, da água e do solo, impactando a vida das pessoas e as relações econômicas nas sociedades, causando desequilíbrio nos ecossistemas. A perspectiva caótica da crise somada a falta das aguardadas soluções tecnológicas sugere uma revisão dos valores colocados nas relações entre o homem e a natureza, em direção a um desenvolvimento que seja essencialmente sustentável. 

Disponível em: Google Maps, 2024. Parque Nacional das Cataratas do Iguaçu, PR. -25°68'18.8"N, -54°43'98.2"W, elevation 100M. 3D map, Buildings data layer, visto 24 de Janeiro de 2024.

<https://www.google.com.br/maps/@-25.6749299,-54.4202626,1787a,35y,242.06h,51.88t/data=!3m1!1e3!5m1!1e4?entry=ttul>. Acesso em: 02/02/2024

As atitudes humanas em relação à natureza sofreram grande transformação entre o período responsável pelo fim da idade média e início da modernidade, acompanhando as transformações ocasionadas pela revolução científica e pela revolução industrial. Ao longo das revoluções modernas, o homem é quem tem tomado um lugar de grande protagonismo no mundo, como o construtor de sua própria realidade, esta por sua vez servindo de volta aos seus próprios interesses, através da constituição de uma tradição de ideias caracterizadas como antropocentrismo. A despeito de que antes do período moderno se considerava que a natureza estava carregada de significados simbólicos e espirituais, em que os seres humanos viam a si mesmos como parte de um mundo natural intrinsecamente conectado ao divino, na modernidade se desenvolveu uma atitude mais instrumental e utilitarista no que diz respeito a natureza e ao meio ambiente. Keith Thomas faz uma relevante análise sobre a mudança na relação entre o homem e a natureza da Inglaterra do início da era moderna e relata explicitamente na percepção dos ingleses o sentido da superioridade humana para com a natureza, fardada, portanto, a dominar ali o meio que existe predestinado unicamente para a sua subjugação.

"Between 1500 and 1800 there occurred a whole cluster of changes in the way in which men and women, at all social levels, perceived and classified the natural world around them," explains Keith Thomas. "New sensibilities arose toward animals, plants, and landscape. The relationship of man to other species was redefined; and his right to exploit those species for his own advantage was sharply challenged.”(THOMAS, 1996)

O avanço do desenvolvimento e as organizações pela preservação do meio ambiente.
O desenvolvimento atrelado ao avanço da exploração da natureza pelo homem ao longo dos últimos séculos, impulsionados pela revolução industrial e suas consequências na reorganização produtiva e econômica de âmbito global, tem impactado o equilíbrio ambiental de maneira exponencial, despertando também discursos que deixam de lado a perspectiva do desenvolvimento à qualquer custo e que coloca em situação de privilégio o protecionismo ambiental.
A década que marca a criação do Parque Nacional do Iguaçu pode ser representada pela efervescência da discussão sobre a proteção da natureza e sua ligação com a identidade nacional, implicando em tradições de pensamento sob a ideia de que a natureza deveria ser conservada por motivos econômicos e estéticos. Em 1934, no Brasil, ocorreu a primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza no Rio de Janeiro, um evento organizado pela Sociedade dos Amigos das Árvores. Essa conferência tinha como objetivo denunciar a devastação das florestas brasileiras e focava na defesa dos monumentos naturais, ou seja, na preservação da fauna e flora. Esse encontro desempenhou um papel fundamental na formulação do Código Florestal de 1934 e também exerceu influência na legislação relacionada ao patrimônio histórico e artístico nacional em 1937. De acordo com Leôncio Corrêa, fundador da Sociedade, a organização foi criada por pessoas patriotas com a intenção de proteger nossas florestas ameaçadas. Ele acreditava que o governo precisava do apoio de uma organização como essa porque via que a destruição das florestas estava acontecendo rapidamente em todo o país. Durante seu discurso na primeira reunião da Conferência, destacou os processos que estavam causando a destruição das nossas florestas e argumentou que era importante acompanhar o que outras nações avançadas estavam fazendo para proteger a natureza.
A criação de parques nacionais no Brasil do século XXI:
Em 1939, durante o governo de Getúlio Vargas, o Brasil estabeleceu o segundo parque nacional do país nas proximidades das Cataratas do Iguaçu, na fronteira com a Argentina. Entretanto, esse novo parque foi localizado em uma região pouco habitada do sudoeste brasileiro que por décadas representou uma preocupação geopolítica tanto para o governo quanto para as forças armadas brasileiras. Nesse mesmo período, o governo brasileiro também criou outros dois parques nacionais e implementou uma nova legislação ambiental, algo inédito no país. O que distingue o Parque Nacional do Iguaçu é que a criação deste está associada à "Marcha para o Oeste", uma campanha nacional do governo sob a tutela de Vargas com a intenção de incentivar a migração e estimular a ocupação nas regiões ao interior do Brasil, em direção às fronteiras com seus vizinhos, objetivo, portanto, político e estratégico ligado especialmente a preocupação com a fronteira oeste, em um contexto de ameaças externas infladas com o desenrolar da Segunda Guerra Mundial. 

The 1930s were also a decade of both renewed environmental policy in the United States and greater international exchange of conservationist ideas in the western hemisphere, to the point where the eighth Pan American conference in 1938 recommended the establishment of a committee on the conservation of wildlife. Yet, it seems the Iguaçu National park owes its creation more to geopolitical concerns than to the circulation of international ideas on the conservation of nature. (FREITAS, 2014)

Em primeiro lugar, a geografia tornava a região isolada do resto do Brasil, mas ao mesmo tempo, a conectava à Argentina e, em menor medida, ao Paraguai. Em segundo lugar, empreendedores e trabalhadores vindos da Argentina e do Paraguai dominavam a coleta de erva-mate e o corte de madeira, as duas atividades econômicas principais na região. Essas duas características da região, o isolamento e a presença de estrangeiros, foram fatores importantes que influenciaram a criação do Parque Nacional do Iguaçu em 1939. Por outro lado, as Cataratas das Sete Quedas, que representavam uma barreira significativa para a penetração das empresas argentinas no território brasileiro, também criavam um sério obstáculo para os barcos vindos de São Paulo chegarem a Foz do Iguaçu. A cidade fronteiriça estava isolada do restante do Brasil não apenas devido às densas florestas que cobriam a maior parte do oeste do estado do Paraná nesse período, mas também porque suas duas vias navegáveis estavam bloqueadas para a navegação vinda das áreas costeiras populadas do Brasil por duas grandes quedas d'água: Sete Quedas no rio Paraná e as Cataratas no rio Iguaçu. O decreto de instituição do Parque fazia referência a artigos do código florestal sobre a preservação da "composição florística primitiva" e "monumentos naturais públicos", a ação das autoridades locais e o papel da polícia florestal. O governo brasileiro planejava implementar no Parque Nacional do Iguaçu, no Brasil, uma infraestrutura semelhante à que a Agência do Parque Nacional Argentina estava construindo em seu Parque Nacional do Iguaçu, do outro lado da fronteira. Os planos também incluíam a construção de um aeroporto em Foz do Iguaçu para substituir a pequena pista de pouso da década de 1930, uma pequena represa hidrelétrica, estradas, a sede do parque e um grande hotel para substituir a pequena pousada de madeira construída nas cataratas por empresários locais.

Referências

FRANCO, José Luiz De Andrade. A Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza e a questão da Identidade Nacional. Belo Horizonte: Revista Varia Histórica, 2002. 77-92 p. v. 26.

FREITAS, Frederico. A Park for the Borderlands: The Creation of the Iguaçu National Park in Southern Brazil, 1880-1940. Revista De Historia Iberoamericana 7.2 (2014): Revista De Historia Iberoamericana, 2014, Vol.7 (2). Web.

KARPINSKI, Cezar. A construção de uma “Maravilha”: Brasil e Argentina e as “disputas” pela paisagem das Cataratas do Iguaçu (1880-1914). Natal: XXVII Simpósio Nacional de História, 2013. 13 p. Disponível em: <http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1364428427_ARQUIVO_Artigocompleto.pdf>. Acesso em: 23/10/2023.

THOMAS, Keith. Man and the Natural World: Changing Attitudes in England 1500-1800. 1. ed. Oxford: Oxford University Press, 1996


Paulo Vinicius de Souza, discente do curso História América Latina na UNILA

Revisão: Rosangela de Jesus Silva, professora da área de História na Unila




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