O período entre as duas guerras mundiais se caracterizou pela contestação ao liberalismo e pela manifestação de movimentos que buscavam uma nova ordem. A Europa foi palco da ascensão desse fenômeno. Os impactos dos conflitos bélicos, o crescimento do nacionalismo militante e a crise do capitalismo produziram uma nova direita, que adotou um discurso antiliberal, anticomunista, militarista, xenófobo e racista.
Do outro lado do Atlântico, a aversão ao liberalismo político e econômico influenciou a formação de movimentos da direita nacionalista, norteados por correntes ideológicas europeias. O nacionalismo de direita latino-americano era formado por associações de distintos atores (políticos, militares, intelectuais, jornalistas etc.), com programas restauradores ou contrarrevolucionários, pensados a partir das estratégias políticas dos grupos direitistas.
No alvorecer do século XX, setores intelectualizados da sociedade paraguaia apresentaram dois significativos projetos de nacionalidade: um positivista, instrumento de fortalecimento dos valores liberais, e outro conservador, ferramenta de contestação ao liberalismo. Por cerca de 60 anos, Paraguai foi marcado por períodos de instabilidade política e social, em virtude das disputas pelo poder entre os partidos Liberal e Colorado. Metade desse período correspondeu à hegemonia liberal, no qual cívicos e radicais (as principais facções do Partido Liberal) se alternavam na Presidência do país. Os embates entre caudilhos civis e militares das alas liberais ocasionaram na guerra civil de 1922-1923. Essa contenda teve como resultados a vitória das forças governistas e o aprofundamento da crise socioeconômica e política.
Como tudo o que é sólido se desmancha no ar, a ordem liberal-oligárquica foi amplamente questionada pelos paraguaios, pois havia o entendimento de que esse sistema era incapaz de promover as mudanças necessárias no país. Os embates diplomáticos com a Bolívia e o aumento de protestos sociais em Assunção caracterizaram esse período. À vista disso, a direita no Paraguai se transformou, ao adotar o ideário antiliberal e utilizar como instrumentos mobilizadores o nacionalismo e o militarismo. Essa nova direita apresentou diferentes afiliações ideológicas, como o nacionalismo integralista francês e o corporativismo católico.
O ano de 1928 representou um marco desse processo. No campo intelectual, destacamos dois grupos de jovens intelectuais da nova direita paraguaia: a Liga Nacional Independente e os corporativistas católicos. O primeiro foi fundado por Juan Stefanich e Adriano Irala, e defendia a renovação política, dentro da ordem das coisas, e o estabelecimento de um Estado intervencionista, que garantisse justiça social e protegesse os direitos dos cidadãos. O segundo tinha como principais líderes Carlos A Pedretti e Carlos R. Andrada, e advogava pela instauração de uma ordem social católica e de uma democracia orgânica.
Ambos os movimentos da direita nacionalista se colocaram como independentes das agremiações políticas tradicionais. Porém, o espírito antiliberal também repercutiu em setores do Partido Colorado. Radicais colorados, contrários ao modelo de oposição moderada de seus correligionários à ordem liberal, propuseram a formação de grupos nacionalistas para reagirem ao governo de José P. Guggiari (1928-1932).
A atuação da direita nacionalista no espaço público aumentou nos anos seguintes e se articulou com o fenômeno militarista, fortificado após a Guerra do Chaco (1932-1935). O colorado Juan Natalicio González, que havia sido deputado nacional por um breve período, formulou uma proposta de reordenamento ideológico de sua agremiação política. Nesse programa, defendeu o estabelecimento de um Estado antiliberal, garantidor da ordem e da justiça social, promotor de uma economia controlada e condutor de uma educação cívica e pautada por uma lógica militar. Elaborado em 1933, esse documento foi apresentado ao Partido Colorado no ano seguinte, sendo aprovado por seus correligionários.
Os resultados da contenda no Chaco em consonância com o antiliberalismo enfraqueceram a presidência de Eligio Ayala. A pá de cal desse governo foi quando a estrutura do Exército foi desmobilizada, por ordem de Ayala. Ante à situação, o coronel Rafael Franco articulou uma frente política formada por intelectuais antiliberais, estudantes e militares e organizou protestos contra o governo. O resultado dessa sublevação foi a deportação de Franco. O coronel havia ido, mas seu movimento ficou e se fortificou. Ayala foi deposto em fevereiro de 1936. Mas quem deveria substituí-lo? Logo após o golpe, os militares assinaram um decreto plebiscitário designando Franco presidente provisório. Retornando ao país, o novo mandatário formou um gabinete com militares e civis de diferentes matizes ideológicas e instituiu uma ditadura.
Esse ensaio corporativista foi apoiado por Juan Stefanich, nomeado Ministro das Relações Exteriores por Franco. Aproveitando sua influência no governo, Stefanich tentou emplacar o pensamento político de seu grupo. De certa forma, parte desse ideário inspirou o projeto político da ditadura de Franco. No entanto, a fragilidade do pensamento desse movimento foi a mescla de elementos de correntes ideológicas antagônicas: da social-democracia ao corporativismo.
Figura 1. Juan Stefanich
Fonte: https://es.wikipedia.org/wiki/Juan_Stefanich#/media/Archivo:Juan_Stefanich.jpg
A guinada ao nacionalismo de direita do regime autoritário de Franco debilitou a frente ampla que o conduziu ao poder. Os militares que haviam apoiado Rafael Franco orquestraram uma revolta popular que o derrubou em agosto de 1937. Após o golpe, os militares se aproximaram dos liberais civis com o intuito de regularizarem a situação institucional paraguaia dentro do marco liberal-democrático.
O presidente escolhido foi Félix Paiva, que havia sido reitor da Universidade Nacional de Assunção, ministro de diferentes pastas em governos liberais e vice-presidente na gestão de Manuel Gondra (1920-1921). O gabinete da presidência de Paiva reuniu figuras do campo intelectual da direita nacionalista, como Justo Pastor Benítez (Fazenda), Luis A. Argaña (Justiça e Relações Exteriores) e Justo Prieto (Justiça). Apesar da presença de civis, o governo de Paiva foi tutelado pelos militares. À título de exemplo, os coronéis Arturo Bray, Higinio Morínigo e Ramón Paredes foram ministros do Interior.
Figura 2. Gabinete de Félix Paiva
Fonte: SEIFERHELD, Alfredo M. Nazismo y fascismo en el Paraguay. Vísperas de la II Guerra Mundial. Gobiernos de Rafael Franco y Félix Paiva. 1936-1939. Asunción: Editorial Histórica, 1985. p. 147.
A conjuntura internacional e o protagonismo dos militares na política institucional paraguaia provocaram o desenvolvimento do nazifascismo no país. O principal ator desse movimento foi a Frente de Guerra, grupo de militares e policiais filofascistas, criado em 1938 e composto por Bray, Morínigo, Heriberto Florentín, Pablo Stagni, dentre outros. Há que se ressaltar a repressão política conduzida por Bray, na condição de chefe da política, durante o governo de Paiva. Dentre as ações repressivas estavam a prisão e o exílio de comunistas e franquistas (aliados do presidente deposto Rafael Franco), a perseguição a colorados e a censura à imprensa.
O espírito antiliberal e o ideal militarista atingiram o Partido Liberal. Atentos à conjuntura nacional e internacional, jovens intelectuais liberais propuseram o reordenamento no ideário de sua agremiação política. Desse campo, destacam-se Justo Pastor Benítez e Pablo Max Ynsfrán. Em 1938, esse grupo apresentou ao Partido Liberal um projeto político que defendia um Estado interventor e que advogava por um nacionalismo antiliberal. Essa proposta era contrária ao liberalismo clássico e flertava com as ideias autoritárias do nacionalismo de direita. Após muitos embates entre seus correligionários, o Partido Liberal aceitou a proposta e alterou seu ideário político. O resultado dessa mudança foi a desfiliação de liberais tradicionais, que se opuseram às mudanças.
A juventude nacionalista do novo Partido Liberal articulou a filiação do marechal José Félix Estigarribia, personalidade que combateu no Chaco, com o intuito de lançá-lo à disputa presidencial de 1939. Deu certo! Após ser eleito, Estigarribia montou um gabinete ministerial com políticos liberais e militares. Em seus primeiros meses, o governo teve de lidar com protestos sociais, fortes críticas da imprensa, descontentamento dos setores castrenses e a oposição de colorados, da direita católica e de franquistas (apoiadores de Franco).
Para conter a crise político-institucional, Estigarribia dissolveu o Congresso Nacional, assumiu a plenitude dos poderes da República, restringiu as atividades das agremiações políticas e dos agrupamentos sociais e criou uma Constituinte. A nova Carta Magna organizou as estruturas de um Estado interventor e de um Executivo autoritário, por meio da imposição de decretos-leis e da institucionalização de mecanismos repressivos. Meses após a promulgação da Constituição de 1940, Estigarribia faleceu em um acidente aéreo. Coube ao Conselho de Ministros definir seu sucessor, pois não havia a figura de vice-presidente.
Figura 3. Enterro de José Félix Estigarribia. No canto à direita, notamos a presença de Justo Pastor Benítez e Pablo Max Ynsfrán
Fonte: https://imagoteca.com.py/ministros-de-estigarribia-ante-su-feretro-en-el-palacio-de-gobierno/
O responsável pela pasta de Guerra e Marinha, general Higinio Morínigo, foi o escolhido e assumiu a presidência interinamente. Os liberais autoritários foram marginalizados da vida política por Morínigo. O gabinete ministerial do novo regime era formado por intelectuais corporativistas católicos e militares integrantes da Frente de Guerra. Apoiado por esses dois atores políticos, a ditadura de Morínigo estruturou um projeto de modernização conservadora e nacionalista e o estreitamento de laços diplomáticos com países da região, sobretudo o Brasil.
Figura 4. Intelectuais da direita católica que compuseram o gabinete ministerial de Morínigo
Fonte: https://imagoteca.com.py/los-tiempistas-carlos-andrada-luis-argana-y-otros/
A ditadura de Morínigo foi alicerçada pelo ideário dos intelectuais católicos e salvaguardada pelas forças militares. Esse casamento durou pouco tempo. Luis A. Argaña, ministro das Relações Exteriores e integrante do gabinete civil, era um dos nomes fortes do governo e propôs o distanciamento do país do Eixo e a aproximação dos Estados Unidos. Como resposta, os militares filofascistas organizaram uma campanha difamatória contra Argaña. Ante à situação, os intelectuais católicos saíram em defesa de seu assecla e se demitiram dos cargos públicos que ocupavam.
Os militares filofascistas acreditaram que sua hegemonia na ditadura duraria muito tempo. Ledo engano! Após a Segunda Guerra, os Estados Unidos pressionaram a abertura política no Paraguai. Sob pressão, Morínigo modificou a estrutura institucional de seu governo, reduziu a influência dos militares, permitiu o retorno à legalidade das organizações sindicais e das agremiações políticas, revogou a prisão de opositores políticos e compôs um gabinete ministerial com civis colorados e franquistas. Apesar de ter perdido protagonismo, os militares mantiveram sua força no governo.
Nesse cenário, o ministro da Fazenda, Juan Natalicio González, ganhou protagonismo na vida política. Inspirado pela Ação Francesa, González havia organizado uma milícia de camponeses colorados. A primavera democrática no país não era aceita por González, que se opôs à continuidade do governo de coalizão. Esse posicionamento provocou uma disputa com seu correligionário, Federico Cháves, responsável pelas pastas de Obras Públicas e Comunicações e de Relações Exteriores. O resultado desse embate foi a divisão do Partido Colorado em duas alas: os democráticos, favoráveis à manutenção do gabinete pluripartidário e orientados por Chávez, e os bandeiras vermelhas, liderados por González.
Figura 5. Juan Natalicio González
Fonte: https://imagoteca.com.py/j-natalicio-gonzalez-en-su-biblioteca/
O mal-estar não ficou circunscrito à agremiação colorada, atingindo todo o governo. Pressionados, os franquistas renunciaram aos seus cargos e esperavam que os colorados fizessem o mesmo. Não aconteceu! Respaldado por setores do Partido Colorado e pelos militares, Morínigo declarou Estado de Sítio em janeiro de 1947. Como resposta, houve a formação de uma frente de rebeldes, composta por franquistas, liberais e comunistas. A primavera democrática no Paraguai terminou e o terrorismo de Estado a substituiu. A milícia colorada de González foi essencial para a vitória das forças oficialistas, em agosto do mesmo ano. O conflito armado provocou uma crise político-institucional e socioeconômica no país e a ascensão dos colorados ao poder.
A aliança entre militares e colorados foi celebrada com a vitória de Natalicio González à presidência do país e a deposição de Morínigo. O governo de González se caracterizou pela estatização de empresas e pelo estímulo à industrialização e à produção agrícola. A guerra civil de 1947 marginalizou liberais, franquistas e comunistas da vida política. Isso significou que González não encontrou resistência em sua presidência? Definitivamente, não! Seus opositores foram os colorados democráticos, que utilizaram de sua mesma estratégia política: a aliança com os militares. Pouco meses após assumir o governo, González foi deposto. Após um curto período de instabilidade político-administrativa, Federico Chávez assumiu o poder.
O nacionalismo de direita no Paraguai na primeira metade da centúria passada foi um movimento antiliberal e anticomunista, que apresentou diferentes projetos políticos (restauradores e/ou contrarrevolucionários) para o país, fruto da interpretação dos problemas locais e da leitura de diferentes correntes ideológicas da direita radical europeia. A direita nacionalista paraguaia se fragmentou em grupos que disputaram a hegemonia política. No entanto, é interessante notar que as divisões do nacionalismo de direita influenciaram governos autoritários por quase duas décadas. A experiência desse movimento se fez presente na estrutura da ditadura militar de Alfredo Stroessner (1954-1989). Mas esse é tema para outro texto.
Quer saber mais sobre as direitas nacionalistas na América Latina e no Paraguai, na primeira metade da centúria passada? Se positivo, recomendamos algumas obras. Para um olhar mais amplo das direitas na região, indicamos El pensamiento político de la derecha latinoamericana (1970, editora Paidós), de José Luís Romero; e Historia Mínima de Las Derechas Latinoamericanas (2023, editora do Colegio de Mexico), de Ernesto Bohoslavsky. A respeito dos estudos comparativos entre as direitas latino-americanas, selecionamos Las Derechas: The Extreme Right in Argentina, Brazil, and Chile, 1890-1939 (1999, editora da Stanford University), de Sandra McGee Deutsch; e Sob o signo da nova ordem: intelectuais autoritários no Brasil e na Argentina, 1914-1945 (1999, editora Loyola), de José Luis Bendicho Beired.
Sobre análises das direitas em um único país, destacamos La derecha radical en México, 1929-1949 (1976, editora SepSetentas), de Hugh G. Campbell; e El fascismo en el Perú: la Unión Revolucionaria 1931-1936 (2006, editora da Universidad Nacional Mayor de San Marcos), de Tirso Anibal Molinari Morales. Dos poucos trabalhos que analisam as direitas paraguaias, recomendamos os dois volumes de Nazismo y fascismo en el Paraguay (1985;1986, editora Histórica), de Alfredo M. Seiferheld; e o ensaio Ideología autoritária (2007, editora Servilibro), de Guido Rodríguez Alcalá. Bons estudos!
Paulo Alves Pereira Júnior, egresso do curso História América Latina na UNILA e doutorando em História na UNESP-SP.
Revisão: Paulo Renato da Silva, professor da área de História na Unila